quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Elite fica furibunda com o Doutor honoris causa de Lula

Antonio Carlos Ribeiro

A conquista do título de Doutor honoris causa (Dhc, não confunda!) por Luiz Inácio Lula da Silva provocou duas reações e uma cena patética, em várias perguntas. A primeira, de Richar Descoings, diretor da Sciences Po (Ciências Políticas), em sua defesa, por ser o primeiro latino-americano a recebê-lo na Universidade de Paris.


A segunda, sem nenhuma novidade para quem acompanha os meios de comunicação, foi o tratamento dado pela mídia elitizada – coronelista, simbioticamente dependente dos centros de poder, que multiplicou fortunas em décadas de publicidade pública e fica mais ressentida a cada derrota – em queda de qualidade, audiência, acesso e tiragem.

A cena patética, consequência dessas reações, foi das elites – endinheiradas, provincianas e devedoras de uma visão colonialista e enriquecida – que viveu de trocar favores com o império e explorar a escravização de homens, mulheres e crianças negras por quase quatro séculos, legítimos filhos bastardos de degredados, prostitutas e religiosos, de quem herdaram o crime, a prática de tornar público o íntimo e certa aura do sagrado.

Esse é o passado de corrupção, da exploração do mercado vil da condição humana, da incapacidade última e morbidamente prazerosa de sepultar os escravos que habitam esses senhores. E dessa incapacidade resulta a necessidade de negar quem superou a miséria, chegou ao poder, acabou com o poder da dívida e foi reconhecido. Até no oriente.

Mas o pior, veio nas respostas de Descoings, segundo o relato de Martín Granovsky, do Página/12, expondo o pensamento arrogante, ganancioso e mesquinho. Com jornalistas de cabeça oligárquica, o professor foi didático. “Sciences Po tem uma cátedra de Mercosul, os estudantes brasileiros vão cada vez mais para a França, Lula não saiu da elite tradicional do Brasil, mas chegou ao máximo nível de responsabilidade e aplicou planos de alta eficiência social”.

Um repórter – desses incapazes para textos opinativos, porque exigem opinião - perguntou se era correto premiar alguém que se jacta de nunca ter lido um livro. O professor manteve sua calma e olhou assustado para o profissional que deve ter lido muitos livros, sem muito efeito, já que deve trabalhar onde só pedem concordância e seu texto a serviço da opinião de quem lhe paga.

O intelectual francês sorriu e o jornalista não deve ter percebido. “Veja, Sciences Po não é a Igreja Católica. Não entra em análises morais, nem tira conclusões apressadas. Deixa para o balanço histórico esse assunto e outros muitos importantes, como a instalação de eletricidade em favelas em todo o Brasil e as políticas sociais”. E já que o “coleguinha” não sentiu, veio um tapa de luva de pelica: “Não desculpamos, nem julgamos. Simplesmente não damos lições de moral a outros países”.

A pergunta seguinte – se estava bem premiar alguém que, certa vez, chamou Muamar Kadafi de ‘irmão’ – mereceu escárnio e afirmação, como só os franceses sabem fazer. O catedrático destacou Lula como “o homem de ação que modificou o curso das coisas”, e ensinou que a concepção de Sciences Po não é o ser humano como “uns ou outros”, mas sim como “uns e outros”, suavemente.

“Por que premiam a um presidente que tolerou a corrupção?”, surgiu quando a impáfia já se tornava ofensiva. O cientista político indagou e ponderou: “que país pode medir moralmente hoje outro país? Se não queremos falar destes dias, recordemos como um alto funcionário de outro país teve que renunciar por ter plagiado uma tese de doutorado de um estudante”.

O mesmo Descoings que introduziu na Sciences Po estímulos para o ingresso de estudantes em desvantagem para serem aprovados no exame, chamado lá de discriminação positiva e no Brasil de desrespeito a quem é rico e estudou, começou a tripudiar. “Todo o mundo se pergunta” e, continuou, “temos que escutar a todos. O mundo não sabe sequer se a Europa existirá no ano que vem”.

O golpe de misericórdia, enfim. Outro “coleguinha” perguntou se o Honoris Causa era ação afirmativa. Descoings fitou-o. “As elites não são só escolares ou sociais”, básico mas desconhecido do interlocutor. “Os que avaliam quem são os melhores são os outros, não os que são iguais a alguém. Se não, estaríamos frente a um caso de elitismo social. Lula é um torneiro mecânico que chegou à presidência, mas segundo entendi não ganhou uma vaga, mas foi votado por milhões de brasileiros em eleições democráticas”. Chegou quase à crueldade!

O restante do perfil do discurso da direita arrogante, da pauta seguida linha a linha – perdão pelo pleonasmo – não precisava ser ridicularizado. Os demais jornalistas foram capazes de perceber.

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