sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Os crimes das ditaduras e a construção da identidade

Antonio Carlos Ribeiro

Os crimes praticados nas ditaduras latino-americanas têm provocado reações de vergonha e orgulho. As primeiras, tem a ver com a incapacidade de admitir culpas e crimes, acertar contas com o passado e deixar a vida seguir em frente. A segunda, é a atitude honrada, independente e não corrompida dos tribunais dos países do cone sul das Américas – à exceção do Brasil – com coragem para fazer o bem, restituir os corpos às famílias, a dignidade aos revolucionários e a auto-estima à sociedade.

Num grande percentual, a vida já está seguindo em frente. A desimportância e mesmo a vergonha, dirigidas pela sociedade a quem rompeu com qualquer padrão de civilidade – especialmente a partir de 1968 – bastaria para a justiça. Mas a nação exige mais que simplesmente assumir o crime à cidadania, inclusive para salvar a instituição militar, criadas com o fim de defendê-la e não de ser seu pior algoz. Então, ao invés de admitir os erros e pedir perdão, ficam presos à maldição, transformada num ranço moral, asqueroso e deprimente, a ser passado a limpo.

Além de não deixar avançar e significar um peso para jovens oficiais, que têm o amor pelas armas em defesa do país, do sentido da disciplina e do dever emporcalhados, fato compartilhado por famílias, histórias pessoais destruídas, além da história política, das décadas de desenvolvimento negadas, do martírio dos executados à memória maldita dos que não conseguem avançar simplesmente porque as chaves da prisão emocional e física – o principal registro histórico pessoal, como ensinou Michel Foucault – os transmudou em fantasmas a pairarem amorfos sobre a sociedade, sugando-lhe as energias morais, como os dementadores da saga de Harry Potter, de J. K. Rowling.

Diante da incapacidade de admitir o erro e pedir perdão pelo crime, vivem sobressaltados, com as fardas escondidas, sem direito à expressão social, sempre associados a um período de horror. E quando aparecem estão se defendendo – mesmo com a linguagem violenta e ameaçadora – a única que conhecem e que levou deles até a si mesmos. Mesmo os gritos nos jornais de elite, também decadentes, mais parecem sussurros de leões desdentados, sem direito a rugido. Os ecos dessa mídia que aprisiona consciências e chama outros de ditadores, tentando afastar para longe o que está perto, escondendo dores de todo tipo, sem se dar conta que o dia da música Apesar de você, do Chico Buarque de Holanda, já raiou! E, na maldição, fantasmas precisam da noite, já que a luz do dia – para os demais força – é para eles o contrário do submundo em que vivem!

Assim, deve ser ver vista a crítica de associações de militares à publicação de lista de 233 militares e policiais acusados de tortura durante o governo do general Ernesto Geisel (1974-1979), o único luterano durante a ditadura militar. A lista publicada na edição de janeiro da Revista de História da Biblioteca Nacional http://www.revistadehistoria.com.br/secao/na-rhbn/a-lista-de-prestes, editada pela Sociedade de Amigos da Biblioteca Nacional, faz parte do acervo de Luís Carlos Prestes (1898-1989).

Houve acertos, em todo esse processo, e por isso merecem destaque. O general Clóvis Bandeira, vice-presidente do Clube Militar, disse que a publicação "não deixa dúvida de que lado está o órgão público", no que conta com o apoio da sociedade brasileira, inclusive júbilo, já que finalmente o Estado está em seu papel constitucional de defender seu povo. O coronel Abelmídio Sá Ribas, presidente da Associação dos Oficiais Militares Estaduais do Brasil, também acertou. "Isso cria uma situação de conflito gratuito, que já deveríamos ter superado há muito tempo". Só faltou dizer a palavrinha mágica, que as crianças aprendem nas primeiras séries – perdão! – mas eles ainda não. Será que lhes falta a infância?

A Justiça Argentina distingue-se da nossa pela coragem e honradez. Compromissada com seu povo e com a justiça que juraram fazer, puniram os ditadores pelos crimes contra a humanidade cometidos apenando militares, de soldados a generais, com a prisão perpétua. O último ditador, ex-general Reynaldo Bignone (1982-1983) – já sem o título que deveria honrar - foi condenado em 29 de dezembro a 15 anos de prisão, pelos crimes da prisão clandestina de “El Chalet”, localizada dentro de um hospital público, de 1976 e 1983.

A decisão do Tribunal Oral Federal Número 2, de Buenos Aires, se soma as duas penas de prisão perpétua que o ex-general, de 83 anos, já cumpre. Isso significa que sua vida será insuficiente, já que depois de gastá-la cumprindo a pena, ainda deverá 15 anos, do que não terá mais, à sociedade, decidiu a justiça. O tribunal condenou e mandou prender o ex-brigadeiro Hipólito Rafael Mariani por oito anos, e o civil Luis Muiña, por 13 anos, por privação ilegal de liberdade e torturas, cometidas contra pessoas detidas ilegalmente no hospital estatal de Posadas, também na capital. Segundo o jornal Clarín, o acusado Argentino Ríos, não estava presente por razões de saúde, mas ainda será julgado. Esses militares tiveram o bom senso de não comentar a sentença, sem que lhe fossem indagadas as razões, que agora lhes deve sobrar, e que à época lhes faltou por completo.

A punição de perder o título e cumprir a prisão no domicílio, por causa de sua avançada idade, é moral, mas efetiva. Essa é a maior ameaça aos fantasmas de verdugos brasileiros. Além de ser declarada a desonra em que já vivem, obrigarão as famílias a carregarem seu opróbrio, e em consequência o do país – cuja justiça que manda remunerar criminosos, aposentar juízes corruptos com ganhos altos e generosa liberdade – como se fosse sua e não da sociedade que lhe atribui poder para isso. A não ser que esteja correto o ministro Marco Aurélio Mello, primo do único presidente impedido de governar, que parece ter algum poder e nenhum respeito popular, outra punição, também moral!

Finalmente, o orgulho que a sociedade deseja é o de recobrar poder sobre seus tiranos, ver decidida pela justiça a condenação que ela já exarou contra os criminosos – fardados, togados ou engravatados – que se tornaram eles mesmos a expressão da maldição da sociedade subalterna, que carrega as marcas emocionais das senzalas, dos maus-tratos da elites, da insegurança afetivo-intelectual, também chamada complexo de bastardia. E não a das novas gerações, construída a duras penas, entre as quais organizar a economia, esconjurar os corruptos e prender criminosos. Essa luta de agora também é de construção da identidade. Mas não como a desses heróis de papel. E nem a qualquer custo!

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Sociedade espera voz das Igrejas

Antonio Carlos Ribeiro

Duas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) desta semana chocaram a sociedade, expuseram a guerra entre magistrados ficha limpa e ficha suja, e clamaram pela intervenção de setores moralmente idôneos. A primeira foi a decisão do ministro Cesar Peluso no julgamento da lei da ficha limpa, mesmo votando duas vezes para que Jader Barbalho, que responde a processos na Justiça, volte ao senado. E uma sessão exclusiva para empossar a ministra Rosa Weber, sem que ela tivesse votado, sob o risco de garantir a moralidade do ato.


A desfaçatez do ministro exigiu que a posse do senador ficha suja fosse imediata, após o recesso parlamentar, obrigando a uma reconvocação do Senado, além de onerar a nação com direitos e recebimentos do ano em que não trabalhou. A despeito da lei, que deveria cumprir e fazer cumprir, além de mostrar desrespeito pela cidadania, já que esta já demonstrou seguidas vezes desejar a moralização do poder público. A interpretação popular é que, apesar da população querer se livrar dos bandidos no poder, o Poder Judiciário deseja outra coisa.

A outra decisão, em forma de liminar, exarada pelo ministro Marco Aurélio Mello, o único nomeado pelo único Presidente da República a sofrer impeachment no Brasil e na história moderna, em nome do único poder da República sem legitimidade popular – e portanto incólume à vontade dos cidadãos – impedindo que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão criado para fiscalizá-la, investigue seus membros. Isso levou o ministro Ricardo Lewandowski a entrar para a lista dos suspeitos ao negar a investigação de juízes, impedindo que o nome de 216.800 magistrados fossem submetidos ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), do Ministério da Justiça. Sem transparência.

Como sabe a Justiça, a plena liberdade de acesso dos réus – alguns desembargadores – às provas, possibilitará a destruição de provas e a fraude, intocáveis pelo cerco à Corregedoria Nacional da Justiça, criada para tal. Mais complicado que saber da atitude de juízes que, corporativamente, asseguram a impunidade dos colegas em detrimento da sociedade brasileira, é saber que são os que mais e melhor sabem dos desvios de conduta, de que só serão julgados por colegas e, pior, que a sentença máxima que receberão é a de serem aposentados com todos os recebimentos intocados. Na verdade, uma premiação para funcionários públicos corruptos, frente à qual a possibilidade de condenação não chega a ser um risco.

Por trás de todo o processo de moralização da Justiça, especialmente dos Juízes, está a atuação da ministra Eliana Calmon, Corregedora Geral da Justiça, que inevitavelmente entrou em conflito com o Presidente do STF e CNJ, especialmente porque ela referiu-se em público a “bandidos que se escondem atrás das togas”, vista como uma afronta ao judiciário e não como o que é, uma denúncia do comportamento de juízes, desembargadores e ministros corruptos, isto sim uma afronta à sociedade. Ocorre que a ministra, por dizer a verdade, alcançou o apoio da sociedade e do poder legislativo e o ódio dos colegas corruptos, obrigando às ações vergonhosas, recursos vis utilizados pelo presidente, e recurso comum aos que ‘precisam’ se afirmar, diante da afronta.

O fato de isso ter ocorrido na semana de lançamento de A Privataria Tucana também é sintomático. O escândalo tem proporções geométricas, alcança dos mandatos da presidência, governadores, prefeitos a outros funcionários. Sem falar na cobertura da GAFE (Globo, Abril, Folha e Estadão), que se confirma no silêncio sobre a obra. Se foi comprada aos milhares para ser destruída, só mudou porque a editora vendeu mais, aumentou a procura e se tornou opção de presente de natal. Além das versões disponibilizadas distribuídas na internet.

Aqui entra o papel das igrejas provocando o debate da convivência humana, especialmente no que diz respeito à ‘convivência dos interesses diversos, determinando leituras com proximidades em algumas parte e divergências brutais. A contribuição das igrejas vem do fato de também serem elas comunidades humanas, marcadas pela busca do Sagrado, com um mandato e hermenêuticas as mais diversas, que vão desde o sentido da salvação que anunciam, da qual nascem e para a qual existem, até a clareza de que não detêm um discurso absoluto – aprendida a duras penas por algumas, e não aprendidas por outras – causando dor e sofrimento a si e à sociedade.

As igrejas, desde a idade média e a modernidade, têm séculos de aprendizagem da convivência dos semelhantes e dos diferentes, a partir do evangelho que vê os seres humanos em igualdade, e a elaboração do conceito de graça, indispensável no cristianismo. Este tema reflete a dificuldade de transigir entre a afirmação de fé e a elaboração da prática, já que a prática mostra se o conceito de graça é apenas formal, sem se comprometer com a humanidade plena, noção a que Dietrich Bonhoeffer chamou de graça barata, em contraposição à graça cara, que vai além dos discursos, busca relações igualitárias, sem negar a todos o que afirma a si (Res-publica).

Mas essa situação obriga as igrejas a reverem seu estatuto ontológico básico, a partir de suas origens europeias e portadoras da mesma discriminação trazidas por suas culturas à sociedade brasileira. O problema é que a reflexão das igrejas deve avançar mais, já que a sociedade avançou décadas em uns poucos anos, e com controles religiosos e ideológicos fragilizados, os membros das comunidades são apanhados rejeitando propostas como cidadania, direitos humanos, respeito ao diferente, solidariedade com os fracos, fazendo-as descobrir, surpresas, que aqueles eram os valores que deveriam anunciar.

Ao se descobrirem identificadas com o mesmo sistema de privilégio que defendem – conscientemente ou não, interna e externamente, incluindo ou excluindo pessoas – devem pedir perdão, confessar o pecado e viver de forma a sinalizar novo caminho para a sociedade, sendo o melhor exemplo prático da mensagem que anunciam.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Amizade, ganhos, perdas e... amor duradouro

Antonio Carlos Ribeiro

A capacidade de distinguir sentimentos profundos e inesquecíveis como o amor e a amizade – mesmo que esta nunca deixe sua condição – sofre o teste definitivo quando sacudida pela perda. Este é o principal argumento do enredo do filme Um Dia (One Day) (2011, 107 min., drama), roteirizado por David Nicholls e dirigido pela Lone Scherfig, tempero de gênero que talvez explique a beleza da narrativa.



A história é longa, cobrindo um período de 20 anos após o curso universitário, em que um casal vive encontros e desencontros afetivos, profissionais e familiares, cujo fio vermelho é a data de 15 de julho de 1988, de um encontro, daí o título Um dia, em que a experiência de cada um deles conquistou o status de eternidade existencial, da qual se lembrariam por décadas.

Momento intensamente vivido, mais bem gravado do que imagem em película ao abrir do diafragma, se transforma em memória quase em sentido místico, que subsiste às trajetórias, aos amores, às oscilações e às crises identitárias, tendo como pano de fundo a bela Edimburgo, a cidade escocesa das tradições inventadas, como ensinou Emanuel Fraisse. Veja o trailer: http://www.youtube.com/watch?v=3C1dSEK27L0&feature=related

O outro elemento são as personalidades. Emma Morley (Anne Hathaway) é profunda, intensa, dedicada à educação, tem sentimento e paixão, faz o que ama e ama o que faz, mesmo ao preço da baixa condição sócio-econômica. Já Dexter Mayhew (Jim Sturgess) é um playboy, mulherengo – que consome sem saborear – transformando o íntimo em descartável, escravo da beleza estética, mais volátil que fumaça de café, marcado por descompromisso atávico. Numa paixão natimorta, sempre abortada antes do parto.

A amizade dura a vida toda, mas em meio às contradições existenciais. Ela é uma menina, de família operária, cheia de princípios e ambição sempre embarreirados pelo cotidiano financeiramente medido, mas que mantém o sonho de tornar o mundo um lugar melhor. Ele, apenas um conquistador, belo e rico, que não sonha e não acorda, preso no labirinto inebriante das facilidades, dos prazeres, do nenhum vínculo e sob a ilusão de que o mundo é um playground.

Mas apenas com um amor duradouro, que não se torna experiência, vivem quase toda a vida ao lado de quem não amam, por quem não são amados e com quem não conseguem se corresponder (cor + res + pondere). E sem por coisas no coração do outro, passam-se duas décadas, em que o 15 de julho traz sempre o leitmotiv (motivo condutor), sem nunca chegar a um lugar de encontro.

Dexter vive um dublê de ser humano, em fantasias e brigas, esperanças e desperdício de oportunidades, riso frugal e lágrimas sentidas. De forma inversa, Emma, sempre intensa, vívida, fábrica de sonhos, mas em empregos medíocres que sequer são sombras remotas de sua emoção, alegria e sentimento. O espaço de superação da prisão emocional dele, mesmo diante da morte da mãe, se assemelha ao dela, para quem a ascensão social está sempre a dever, condenados à exclusão inversamente definida do encontro consigo mesmo e com o outro.

Enfim, o momento chegou, mas foi apenas um suspiro. E definitivo.

O filme deixa sensações de resignação, como o mito de Sísifo que sempre empurra a pedra de volta ao alto do monte, do qual rolará de volta, ou como o destino da contraposição de formas humanas e animais aos amantes de O Feitiço de Áquila (Ladyhawke, dir. Richard Donner), ou ainda como o conto que termina irreversivelmente com as últimas linhas, como Cem anos de Solidão, de Gabriel Garcia Márquez.

E para lidar com os sonhos, sem chegar ao desespero, aponho a esta resenha as palavras maduras do poeta gaúcho, que eternizou-se por escrever tão simples e lindamente, mas nunca chegou à Academia Brasileira de Letras:

Um dia
...Um dia descobrimos que beijar uma pessoa para esquecer outra, é bobagem.
Você não só não esquece a outra pessoa como pensa muito mais nela...
Um dia nós percebemos que as mulheres têm instinto "caçador" e fazem qualquer homem sofrer ...
Um dia descobrimos que se apaixonar é inevitável...
Um dia percebemos que as melhores provas de amor são as mais simples...
Um dia percebemos que o comum não nos atrai...
Um dia saberemos que ser classificado como "bonzinho" não é bom...
Um dia perceberemos que a pessoa que nunca te liga é a que mais pensa em você...
Um dia saberemos a importância da frase: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas..."
Um dia percebemos que somos muito importantes para alguém, mas não damos valor a isso...
Um dia percebemos como aquele amigo faz falta, mas ai já é tarde demais...
Enfim...
Um dia descobrimos que apesar de viver quase um século esse tempo todo não é suficiente para realizarmos
todos os nossos sonhos, para beijarmos todas as bocas que nos atraem, para dizer o que tem de ser dito...
O jeito é: ou nos conformamos com a falta de algumas coisas na nossa vida ou lutamos para realizar todas
as nossas loucuras...
Quem não compreende um olhar tampouco compreenderá uma longa explicação
(Mário Quintana).

domingo, 4 de dezembro de 2011

Do olhar firme ao envergonhado

Antonio Carlos Ribeiro

O tempo possibilita uma leitura dos fatos que permite a aproximação e o distanciamento. A primeira se fixa nas imagens que, como ensinaram os chineses, valem mais que mil palavras. O segundo, o distanciamento, possibilita o olhar decorrente da ação do tempo, a posteriori e movidos pelas razões que elucidaram os fatos, buscaram seus sentidos e revelaram seus significados.

O substantivo surge da necessidade de fixar o sentido da substantia, a essência da coisa, mas que muitas vezes trai esse sentido. É o caso da imprensa de elite que busca controlar nossa relação com a realidade, de forma a seguir lucrando com os interesses que levaram o maior grupo a conquistar cerca de 70% do mercado de comunicação.

Depois do fim da ditadura a imprensa começou a perder lentamente seus instrumentos de poder. Só recentemente – com os novos critérios de distribuição das verbas de comunicação do governo federal – esse processo começou a sofrer mudança mais significativa, chegando à pequena imprensa, com custos muito menores e muito maior alcance.

Esse processo, com todos os limites e pressões das elites brasileiras, tem possibilitado o acesso à informação de um número maior de pessoas e, consequentemente, de intervenção em quantidade cada vez maior e de melhor qualidade.

Esses grupos da sociedade, que apoiaram a ditadura militar, sofreram certo revés com a publicação da foto da guerrilheira Dilma Vana Rousseff, com apenas 22 anos e após 22 dias de tortura na carceragem em São Paulo.


Dilma “aparece” em novembro de 1970 – numa época em centenas de militantes desapareceram – na sede da Auditoria Militar no Rio de Janeiro. Ao fundo, os oficiais nervosos e envergonhados, que a interrogavam sobre sua participação na luta armada. O surpreendente é que os militares, uniformizados e no exercício das funções, escondem o rosto com a mão, envergonhados, ao tempo que a guerrilheira mantém o olhar firme, mesmo que o corpo franzino dê sinais da sevícia.

A foto aparece no livro A vida quer coragem, do jornalista Ricardo Amaral e publicado pela editora Primeiro Plano, que chega às livrarias essa semana. A obra conta a trajetória da universitária, que não faltou à época em que o país esteve entregue ao arbítrio – durante um interrogatório na sede da Auditoria Militar do Rio de Janeiro – da qual saiu para se tornar a primeira mulher a chegar ao Palácio do Planalto.

E, em decorrência das eleições, nas quais parte dessas forças era composta dos ressentidos da guerra, do submundo das igrejas e das tramas políticas, empresariais e da imprensa, ela foi eleita Presidenta e se tornou a comandante em chefe das Forças Armadas.

Com o olhar que ressignifica os fatos a partir das imagens, é possível perceber a guerrilheira de olhar firme e decidido e o olhar envergonhado dos militares. E, consequentemente, entender como e porque ela chegou lá, ao tempo que quem exerceu o poder com tanta truculência e tão pouca dignidade, se prepara para ouvir a história que protagonizaram, apenas ouvindo, já que o direito de intervir no relato, lhes exige apenas admitir as culpas.

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