sábado, 27 de setembro de 2014

Lutero, um homem do seu tempo

Antonio Carlos Ribeiro

O filme Lutero (Luther, Dir. Eric Till, com Joseph Fiennes, Peter Ustinov, Bruno Ganz, Alfred Molina. Biografia. Alemanha, EUA, 2003) narra a história do teólogo alemão que viveu na passagem dos séculos XV-XVI, um período que marca o fim da Idade média e o início da modernidade, cuja marca são as grandes e significativas transformações ocorridas no mundo ocidental – com sua influência extrapolando os limites da Igreja, alcançando a intervenção do Estado e reestruturando a cidadania - especialmente no mundo eclesial.



O século 16 começa com duas Igrejas – a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa Grega – e termina com cinco, com o surgimento das igrejas luterana, anglicana e reformada, que surgiram das lutas pela conquista da liberdade religiosa. Essas lutas provocaram fatos que afetaram diretamente a vida da igreja ocidental, já que a separação do bispado de Roma e do Patriarcado de Constantinopla em 1054 causou um pequeno impacto na Europa.

Além do conflito religioso, esse período foi marcado também pelo desgaste de um modelo de sociedade, passando da perspectiva medieval para a moderna, com a gradativa implantação de outro modelo de sociedade, sob o impacto do movimento renascentista – especialmente na França – e a mudança de hábitos financeiros, entre outros avanços.

Lutero se comporta sempre como um teólogo, com perspectiva pastoral, atuando na Universidade de Wittenberg, intervindo no serviço da educação pública e de qualidade – contando com participação firme e meticulosa de Filipe Melanchthon – mantendo a influência junto à nobreza alemã, à qual enviou um documento, especialmente o príncipe Frederico, o sábio, da Saxônia.

É importante lembrar que essas mudanças implicaram no envolvimento e articulação de gente capaz, da força da educação na cidadania, do governo do príncipe e da formação das lideranças para gerir esse conjunto de novidades. A colonização sofreu o efeito das práticas mercantilistas, enfraqueceu as corporações de ofício, exigiu medidas contra o lucro – incomodando a casa bancária dos Fugger – e contra atitudes como a retenção de estoques, para os cereais serem vendidos por alto preço durante a escassez.

Outra frente de debate e mudanças era o surgimento das monarquias centralizadas que já tentavam se impor ao modelo medieval de pequenos poderes regionais. Disso decorre o surgimento da cidadania, dos poderes públicos, da autoridade política, da sua competência, da possibilidade legítima de lhes fazer oposição, e até de afastá-los do poder, quando exorbitavam os seus limites.

Essas questões sofriam a influência do processo de mudança que o mundo de Lutero experimentou, como o Renascimento, redesenhando a nova concepção do homem e, em seguida, a nova sociedade na qual essa população começaria a viver, atuar, intervir. E, por último, a nova reconfiguração da Europa pelas navegações, o mercantilismo e os descobrimentos. Quando a Alemanha vivia esse ciclo de transformações, a América e o Brasil acabavam de ser descobertos.

O universo em que Lutero se moveu, estudou, deu aulas, participou de debates, integrou conselhos é marcado pelas mudanças ocorridas a partir do impacto da reforma na Igreja, o surgimento das novas igrejas e o velho mundo medieval, ainda em grande parte devedor do modelo eclesial antigo. Da resistência eclesial ao movimento da reforma, do Concílio e das mudanças – com o surgimento da ordem dos jesuítas, da Contra Reforma, do Concílio de Trento – seguiu-se à aplicação dessas propostas na sociedade.

A proposta de cidadania resultante da compreensão luterana da Bíblia, da proposta de vida em comunidade, dos modelos de educação, da vida política e da jurídica perpetuados na Alemanha, criando regras para a vida doméstica, o trabalho, o negócio e o trato com as autoridades, com espaço para diferenças, divergências e conflitos.

Como toda obra de arte, o filme Lutero não pode dar conta do conjunto da realidade – mesmo num período de quase 30 anos, entre o dia 31 e outubro de 1517, quando fixou as 95 teses na porta da Schlosskirche, e sua morte em 18 de fevereiro de 1546. Em todo o caso, esse homem medieval se agiganta para dar conta do conjunto de mudanças que seu movimento provocou.

Como ensinou Gottfried Maron, “Lutero, este grande ser humano alemão... não é um renegado ou rebelde porque o sistema estava pesado... Ele desviou-se, porque o sistema não lhe dava o que sua alma precisava; ele não dava o que a alma de seus contemporâneos precisava... Isto colocou um novo pensamento no coração: justo por fé!” (Luther und die ‘Germanisierung des Christentums’, p. 320), levando-o a retomar o pensamento paulino. É isso que o filme nos mostra.

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