sexta-feira, 22 de abril de 2011

Entre a Gehena e a tragédia de Realengo

Antonio Carlos Ribeiro


Esta Sexta-feira da Paixão tem duplo significado para os cristãos e a população brasileira, especialmente a do Estado do Rio de Janeiro. Ao lembrar a paixão de Jesus Cristo, lemos nos jornais o sepultamento de Wellington Menezes de Oliveira – que assassinou 12 crianças, deixou outras 12 feridas e suicidou-se na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, no dia 7 de Abril.



Os fiéis lembram a paixão do Senhor, cumprindo a sentença pedida pela população judaica insuflada pelos sacerdotes do Templo e executada pela forças militares, do governo romano que ocupava a Palestina, liderado pelo Procurador Pilatos. Decisão brandida para impor a solidão, a dor e a morte, sob o alarido de tambores, instrumentos de sopro e cantos, sempre usados para abafar o grito desesperado das crianças sacrificadas ao deus Moloch. A Gehena, lugar da caveira – onde se sentia a crucificação, a dor da punição, era também o lugar da morte sem sentido – do sacrifício das crianças à negação do solo aos criminosos, condenados à cruz e à putrefação pública.

Esta Sexta-feira da Paixão nos remete à dupla reflexão. A primeira, sobre o sofrimento dos inocentes, também em duplo sentido. Por não terem culpa e serem sacrificados para aplacar a fúria do Deus de pedra, e sem saber porque estão sendo sentenciados. E a segunda, sobre o sentido moral da morte de cruz, o ser banido da humanidade, perdendo o direito ao solo e tendo a carne consumida pelos corvos. Sob os auspícios do poder político e religioso, vivida com fé fervorosa e guarda militar, para assegurar o cumprimento do rito.

Das 12 crianças mortas – dez meninas e dois meninos – onze foram sepultadas e uma cremada, deixando a dor da perda, a paixão pelo sacrifício sem sentido e os ressentimentos e dores, multiplicados à dúzia. Além das 12 crianças feridas, oito já com o conforto e amor das famílias, e quatro ainda hospitalizadas, das quais uma sofreu mais uma cirurgia para colocar um dreno no abdômen nesta quinta-feira santa e ainda ‘inspira cuidados’, e outro – atingido por dois tiros no braço e outro no peito – voltou a ser internado por causa de dores na mão.

E, por último, por consenso geral e xingamentos generalizados, o sepultamento nesta sexta-feira do corpo do atirador, no cemitério São Francisco Xavier, no Caju. Com corpo reconhecido mas não reclamado no Instituto Médico Legal (IML), no centro da cidade, desde o dia dos homicídios e suicídio – por ser o prazo último para ser reclamado pelos parentes – que também não vieram ao rito fúnebre, numa cova rasa e sem lápide. Foi sepultado devido à determinação da justiça, no dia do vencimento do prazo.

A Polícia Civil cogitou a possibilidade de estender o prazo, já que se trata de um morto conhecido, mas a família dele podia estar se sentindo ameaçada. Ou ainda enterrá-lo como indigente no cemitério de Santa Cruz, na zona oeste. Com pais e mãe já mortos, a casa em que vivia ficou abandonada e a irmã, não foi mais encontrada na cidade. O laudo pericial do atirador fala de ferimentos penetrantes e transfixantes provocados por ação de projétil de arma de fogo no abdômen, fígado e rim, e no crânio, que determinou o suicídio. O desejo de “matar apenas as virgens” e as exigências, de traço religioso, completam o quadro.

Se a perda dos inocentes é de pronto identificada com a Paixão do Senhor, a história de vida, a doença, o bullying, a rejeição, o agarrar-se aos traços deprimentes da motivação religiosa mórbida, o suicídio e o sepultamento – em absoluta solidão – deixam claras marcas de maldição. Esses componentes não são constitutivos apenas deste dia de desfecho, mas traços que expressam o conjunto dessa existência infeliz.

A nenhuma consideração, a falta de qualquer solidariedade, nem mesmo um aceno são os mesmos que marcam a morte pela crucificação, símbolo de tortura e maldição, criado pelos cartagineses. O abandono, até da família, repete parte do ritual macabro que determinava não apenas a morte física, mas todo e qualquer sinal da existência de humanidade, também negada.

O episódio leva a sociedade a defrontar-se com o que aprendeu a postergar. Consigo mesma. Suas desigualdades, dores, ressentimentos e vinganças. Suas dívidas jamais quitadas, sempre cobradas com ressentimento, de forma cruel, com gestos de destruição, humilhação e sofrimento. Que o silêncio da Paixão, o violeta da contrição e arrependimento e a memória da paixão nos tragam a reflexão dos caminhos a acertar, para podermos esperar verdadeira manhã pascal!

terça-feira, 19 de abril de 2011

O local da missão é uma experiência que fala de Deus

Antonio Carlos Ribeiro


      O Bispo Julio Murray, da Igreja Episcopal Anglicana do Panamá e Presidente da Junta Diretiva do Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI), é uma pessoa calma e sorridente, dessas que parecem não ter passado em vão por situações de sofrimento, sendo capaz de enfrentá-las e elaborá-las em sua caminhada. Com um sorriso natural e o bom senso que a experiência pastoral lhe proporcionou, concedeu a seguinte entrevista à Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC):



ALC – As igrejas reproduzem um modelo estético com um comportamento europeizado, denunciou um grupo de teólogos no III Encontro Afro-cristão, realizado na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Como o senhor tem lidado com este tipo de questão em sua experiência pastoral?

Bispo Murray –  Antes de tudo, muito obrigado pela oportunidade de poder me dirigir aos leitores da ALC. Em nosso trabalho pastoral tratamos em primeira instância de valorizar os melhores exemplos que veem da cultura de onde a pessoa faz a missão. Aí temos encontrado certamente diferenças, porque se o que reproduzimos é o que nos tem atraído e feito pensar de alguma maneira no próprio, o local é um elemento que dá sentido. Parte da tarefa é então conhecê-lo e reconhecer que o que é local também é uma expressão e uma experiência que fala de Deus. Eu venho de uma área afro-descendente em que era impensável ter tambores nas igrejas. Mas quando nos demos conta de como chegaram estes tambores, nos demos conta de que era também um aporte cultural do lugar de onde vínhamos, com nossos ancestrais. Assim, para nós é importante que as pessoas possam conhecer um pouco a história de onde provêm estes modelos, e também reconhecer que localmente há modelos que também expressam a experiência de Deus e nos servem para evangelizar.

E, quando isto acontece, as pessoas reagem de maneira melhor à prática da fé e ao culto?

É. Como a evangelização é transversal, eles utilizam esses elementos locais para dizer: aqui também está a presença de Deus. E é na reversão que se faz então a evangelização. E a participação das pessoas tem um sentido maior de dignidade e de pertença, porque se está utilizando algo próprio – algo que faço – para poder comunicar realmente a experiência. O elemento é a dignidade da pessoa, que se busca localizar e se resgata. Também nos temos dado conta de que para os afro-descendentes a igreja representava o único lugar onde realmente se dava valor às experiências e às práticas que a pessoa trazia, ou seja, um espaço em que a pessoa chega a ser pessoa e é considerada pessoa. E quando traz seus elementos, sua espiritualidade, seus conhecimentos e sua prática, que não é necessariamente o que lhe foi imposto, é quando a pessoa retoma sua dignidade.

Essa experiência é recente. Quando lemos Cristo e Cultura, de Niebuhr, sabemos que seu pano de fundo não estabelecemos a relação com a situação cultural da América Latina. Como é a experiência de repensar a fé e a prática cristã a partir dessa experiência?

A experiência, antes de tudo, se dá quando alguém convida e permite que os grupos originários também tenham a oportunidade de poder compartilhar o significado de sua experiência de Deus. As tribos indígenas, com sua cosmovisão, como os grupos afro-descendentes, e certamente, nestes grupos temos encontrado expressões que mostram como a espiritualidade tem alimentado a esperança. São grupos que tem estado em resistência, mas não tem deixado para trás os elementos culturais de onde são. E esta é a prática: estar em contato com estas experiências lhes tem permitido resistir e ter esperança. É certo, é um elemento recente e, no entanto, teremos que buscar uma maneira que esteja em diálogo, com a tensão dialógica, mas é importante ir criando os espaços para que estes diálogos possam acontecer, e ver como este compartilhar de experiências e de ideias – de cultura – trazem elementos importantes que acompanham a perspectiva da missão.

De um século para cá, a partir da primeira Conferência de Missão, muitas coisas tem mudado, especialmente em relação à América Latina. O que é mais significativo nas diferenças históricas entre aquela época e os tempos atuais? O que o senhor destaca como avanços feitos nesta área?

Um é que neste momento houve o convite à presença de latino-americanos, e de países e expressões que não estiveram presentes em 1910. Ao dizer isso, creio que o desafio não está em dizer unicamente que os latino-americanos estão participando, mas também criar espaço onde eles possam compartilhar o que realmente representa a missão e os desafios que a missão está experimentando neste novo século. Creio que estas áreas são significativas das que se podia trabalhar um pouco mais, a partir da experiência de Edimburgo 2010.

Como é sua experiência em ambientes ecumênicos, e na própria comunhão anglicana, no que diz respeito a hermenêuticas específicas da América Latina, como as Teologias da Libertação, Indígena, Negra e Feminista, com os traços latino-americanos? Há resistências ou já  há algum diálogo?

Bom, mais e mais, diante a resistência se pede que haja diálogo, e no diálogo é  aonde se vai realmente por sobre a mesa as distintas abordagens que vem de cada experiência de Deus. O que temos visto é que a experiência tem impulsionado e forçado que haja diálogo, e isto é importante. A experiência de gênero, da mulher, tem aberto portas para poder fazer uma aproximação a partir da masculinidade e, realmente, já temos trabalhado com experiências das masculinidades hegemônicas, mas que também haja espaços em que as masculinidades sejam dadas segundo a masculinidade de Cristo, que toma em conta o amor, a ternura, a participação e o direito de ser pessoa. Realmente, a tensão tem dado espaço para que haja diálogo, mas não terminamos ainda, pelo que é necessário que sigamos dialogando, porque são algumas vozes que fazem falta, se não estiverem presentes e se não forem escutadas. Então, há que se exortar a que haja realmente a busca destas situações de diálogo, onde possamos escutar com respeito às distintas abordagens que vem das experiências de Deus, e ver nessa diversidade uma maneira de poder representar o que Deus quer para nós. E não é a uniformidade, mas a unidade na diversidade.

Nesta Conferência a presença latino-americana é relativamente pequena: 17 pessoas. Como a experiência vivida aqui em Edimburgo pode chegar às comunidades latino-americanas? E que elementos os delegados podem levar às suas igrejas comunidades, para estabelecer mudanças, na volta à sua casa?

Eu sinto que a presença de latino-americanos na Conferência de Edimburgo tem sido totalmente diferente da que foi em 1910. Mas me parece que, embora tendo uma presença, poderíamos talvez ter participação ainda maior para poder compartilhar as expectativas e os avanços que estão se dando na missão na América Latina. Eu considero que este seja um ponto de partida. Há algumas abordagens em que, a partir da América Latina, se deve seguir trabalhando e com as quais nos comprometer cada vez mais, sobretudo as que possam produzir resultado concreto, que realmente adiantem a missão. Quando falamos da experiência de missão na América Latina, em que se valoriza a abordagem dos grupos originários, esses são elementos totalmente novos, que realmente ajudam a avançar a missão no aspecto da inculturação. Hoje quando falamos da relação que se dá quando há uma situação que vem de fora, na qual o missionário já não vem do hemisfério norte, falamos da capacidade da América Latina de produzir missionários, ou seja, missionários sul-sul. Há um espaço que podemos ter para dialogar entre as experiências sul-sul, para que não tenhamos que entrar em outro espaço ou até competir entre nós, ao contrário, para poder ser solidários e reconhecer os valores que estão surgindo no sul, para adiantar a missão. Estes são aspectos que creio serem importantes! Em outro âmbito, tenho dito da busca e da construção da esperança. Em um momento em que se está vivendo com tanta desesperança, com tanta falta de segurança, como essa abordagem sobre a esperança é feita na América e no Caribe? São elementos que creio ser importantes e que podemos ir trabalhando. E minha esperança é que da celebração de evangelização e missão podemos identificar áreas concretas de coisas que queremos ir adiantando. Outro elemento importante é: como nós, a partir dos centros de educação teológica, vamos preparando homens e mulheres para sair a fazer missão? É um elemento não somente de ecumenismo, mas de como preparamos esta pessoa para fazer uma análise do contexto no qual se vai fazer missão, de como entrar, ler e conhecer o contexto, de como acompanhar uma pessoa na experiência de sua fé, que a possa levar um pouquinho mais adiante na construção do reino? E como nós fazemos, como igreja, diante dos temas da injustiça que estão se dando, junto nossos povos, que são povos pobres mas são povos crentes? Como essa experiência de conhecer a injustiça, de denunciá-la e de trabalhar também com as instâncias e os sistemas que a produzem é parte do desafio que nós vamos levando adiante? E sinto que a abordagem que a América Latina pode dar é nesta direção. O que pode nos levar ao diálogo são estas experiências, por temos vivido em meio a essas situações de morte e, somente com a ajuda de Deus e o poder do Espírito Santo, ver como essa situação se transforma em uma situação de vida.

O tipo de catolicismo latino-americano, espanhol ou português, é  em todo caso tridentino, diferente da maior parte da Europa, que nos coloca diante de uma teologia diferente. E frente a esta, nossas comunidades evangélicas têm se fechado. Que motivações se pode levar para debater estes temas, mexendo nas situações que não podem ser mudadas, mas cuja mexida pode iluminar o presente?

Sinto que um dos acontecimentos que seguem iluminando o presente é o que se produziu no Vaticano II e segue falando a nosso contexto de hoje. A esperança  é que possamos também criar espaços de confiança, de respeito, de onde possamos chegar à mesa, de distintas tradições, para buscar realmente e encontrar os pontos em comum, com os quais construir uma possibilidade de missão em comum. Mas isso só vai se dar realmente quando se der um ponto de encontro e um espaço de diálogo, para irmos nos conhecendo. Há lugares em que as tensões se dão quando pessoas e grupos não se conhecem. Mas creio que há um elemento muito importante do catolicismo católico romano que marcou uma pauta de mudança que seria interessante poder escutar e dialogar. As mesmas experiências da vida das igrejas na América Latina têm abraçado sua afro-indo-latinidade, como parte de quem são e da experiência de Deus. E a partir disso, se pode construir esta nova estratégia para poder proclamar o Evangelho. E não unicamente proclamar o Evangelho, mas proclamar o Evangelho de mãos dadas com o serviço da diaconia.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Celebração ecumênica reúne igrejas e religiões em Realengo

Antonio Carlos Ribeiro


Uma celebração ecumênica reuniu 2.500 pessoas e lideranças das Igrejas e religiões em frente à escola municipal Tasso da Silveira, em Realengo, nesta manhã. Começou com uma missa de sétimo dia e foi transformada numa celebração ecumênica.

Foi um momento de memória e homenagem às vítimas do atirador Wellington Menezes de Oliveira, que matou 12 crianças no local na última quinta-feira, dia 7. Foram interditadas as ruas Tabelião Luiz Guaraná, Jornalista Marques Lisboa e General Bernardino de Matos, no entorno da escola.

A secretária municipal de educação, Cláudia Costin, representou o prefeito e falou em nome das autoridades presentes e disse que no encontro que “todas as religiões lamentam a perda de crianças. O caráter sagrado da escola foi atingido. A escola é como um templo, onde nascem os nossos sonhos, mas não vamos deixar que isso tire a nossa motivação e não vamos parar de lutar por justiça", afirmou.



Participaram do ato d. Orani Tempesta, da arquidiocese católica, d. Filadelfo Oliveira, da Diocese Anglicana e presidente do Conselho de Igrejas Cristãs do Estado do Rio de Janeiro (CONIC-Rio), pastor José Roberto Cavalcante, da Igreja Presbiteriana Unida, o sheik Jihad Hassan, da comunidade muçulmana, o babalorixá Ivanir dos Santos e representantes da comunidade judaica e de Igrejas evangélicas.

Quando o representante da religião islâmica, Jihad Hassan, estava falando ao público presente, chegou o segundo sargento Márcio Alexandre Alves chegou ao local. Alunos e pais queriam abraçar e beijar o policial, que em seguida subiu ao tablado onde estavam autoridade e religiosos. Hassan observou que "Deus nos enobreceu, nos deu inteligência, conhecimento e consciência para que façamos bom uso dessas qualidades. Nos deu poder de discernimento e precisamos respeitar todas as religiões, para que não aconteçam atrocidades, crimes e tragédias".

Um helicóptero jogou pétalas de flores sobre a cerimônia, que reuniu autoridades, religiosos, parentes das vítimas, professores, alunos e funcionários da escola. O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, a chefe da Polícia Civil, Martha Rocha, e Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabella Nardoni, são algumas das pessoas que acompanham o evento.

A Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil (Sesdec) do Rio divulgou nota no final da tarde de terça-feira (12) na qual informa que, de seis alunos internados em função do massacre. Apenas um aluno segue em estado grave, L.V.S.F., 13, que está sedado e respirando com ajuda de aparelhos,  no pós-operatório da neurocirurgia do Centro de Tratamento Intensivo pediátrico do Hospital Estadual Adão Pereira Nunes.

O palco utilizado para a realização da missa começou a ser montado ainda na tarde de terça-feira em um dia muito movimentado na escola. Pais e alunos voltaram ao local para buscar o material deixado no dia dos ataques  e para uma reunião com a secretária Claudia Costin. As crianças também se reuniram para dar um abraço simbólico na escola.

"A escola tem que voltar a ser um local onde as crianças possam estudar com tranquilidade", disse Dom Orani Tempesta. Em breve discurso, o sargento Alves concordou. "Não abandonem a escola. Vocês só podem superar tudo ser ficarem juntas. É fundamental que vocês continuem na mesma escola para superar o que aconteceu. Este trauma vai passar".

Após uma reunião feita com diretores da unidade, psicólogos, assistentes sociais, professores, funcionários e pais de alunos, Costin afirmou que a readaptação das crianças deve demorar três semanas. Os psicólogos sugeriram um trabalho mais individualizado será feito com as crianças e não um grande evento, evitando assim a superexposição dos alunos.

Costin anunciou que para receber os alunos, os professores foram orientados a realizar atividades artísticas e lúdicas - como pintura e poesia - para que o trauma das crianças seja aliviado. O prédio passará por reparos e obras, a mobília será trocada e o espaço sofrerá modificações. “A escola precisa renascer das cinzas”, disse Costin, garantindo que a decisão dos alunos de deixar a unidade será respeitada.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Comblin - corajoso e despojado

Antonio Carlos Ribeiro


A morte de Comblin deixa um vácuo, resultante do bem ocupado espaço em que se moveu, em mais de meio século na América Latina. Diferente dos pajés, que reinam enquanto vivem mas desaparecem sem deixar vestígios, os teólogos, com cultura e compromisso, permanecem na memória, nos escritos e na anamnesis (recordação) da comunidade. Sem equacionar seguranças e conveniências, deu de si e a si nas respostas aos militares, às autoridades eclesiásticas e até às elites brasileiras nas últimas eleições. Para avaliar a perda, a ALC ouviu a teóloga Tereza Cavalcanti, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).


ALC - Ao ver o corpo de Comblin, o padre Edgard Silva disse: "José esse aperto de mão é em nome do Beozzo, do Centro Ecumênico de Serviço à Evangelização e Educação Popular (Cesep), do Centro de Estudos Bíblicos (Cebi), do Carlos Mesters, da Ivone Gebara, das faculdades de teologia onde você lecionou, do Frei Betto, do Marcelo Barros, do irmão Bruno de Taizé, das Comunidades Eclesiais de Base...e tantos e tantas... é também em nome da Teologia da Enxada!" Esse teólogo deixa saudades?

Tereza – Sim. Comblin foi para mim um grande mestre, sua capacidade de crítica radical continuou até o fim de sua vida, e creio que este é um dos seus maiores legados. Interessante também é que ele, com toda a sua ironia e até ceticismo em relação às posições reacionárias da Igreja Católica, sempre continuou fielmente seu trabalho corajoso e despojado em favor da formação dos mais pobres e "insignificantes" do sertão nordestino. Ele foi de uma fidelidade evangélica bem mais radical que muitos de nós, teólogos e teólogas da Libertação...

ALC - Carlos Rodrigues Brandão, em Memória Sertão, lembra que “para aqueles que esqueceram, a recordação é uma virtude; mas os perfeitos não perdem jamais a visão da verdade e não têm a necessidade de rememorar”. O que Comblin te deixou, como aluna?

Tereza - Na realidade, não fui aluna do Comblin, a não ser em conferências, desde quando estudei Filosofia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, durante os conturbados anos de 1963 a 1966. Fui aluna de um companheiro dele, o padre Michel Schooyans, também belga, que me convidou para fazer um curso na Bélgica e eu acabei indo estudar Ciências Religiosas em Lovaina.



ALC - Qual a contribuição de Comblin para a formação de gerações de teólogos latino-americanos? Sua produção teológica lhe assegura um lugar no saber teológico-pastoral do continente?

Tereza - O Schooyans orientou minha monografia sobre Teologia da Libertação, que estava nos seus primeiros passos e pela qual me apaixonei. Em minha monografia, incluí o magistral livro do Comblin, Théologie de la Révolution, que tinha a mesma perspectiva da Teologia da Libertação e colocava questões candentes. Como lembrança de seu jeito de ser, guardo sua atitude em relação aos missionários do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que pretendiam inculturar-se no meio indígena. E Comblin alertava: "Se vocês levarem sua escova de dentes já não estarão se inculturando..." Ele tinha esse bom humor, mesmo na crítica...

ALC - Que princípio teológico, absorvido de Comblin, marcou tua formação, vocação e exercício do magistério teológico?

Tereza - Comblin representa para mim alguém que teve a coragem também de criticar a nós teólogos e pastoralistas de "esquerda", em um pequeno livro intitulado O provisório e o definitivo. Ali ele fala que nós, enquanto intelectuais,  somos idealistas, só queremos lutar pelo definitivo, então perdemos oportunidades de lutar pelo provisório; enquanto os "técnicos", pessoas da prática, estão mais interessados em agir no aqui e agora e conseguem influir na história.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Visão patriarcal leva igrejas e religiões a perderem mulheres

Antonio Carlos Ribeiro


"Se Deus é homem, então o homem é Deus, e a mulher lhe deve submissão e obediência". Essa ideia da filósofa norte-americana Mary Daly serviu à teóloga Margarita Pintos para lamentar a imagem patriarcal de Deus e suas consequências para as mulheres em praticamente todas as religiões. Esse foi o tema, no último sábado, de uma jornada de debates no Centro Cultural Nicolás Salmerón, intitulada A mulher nas religiões. 

Cantoras do African Scotland Mass Choire, se apresentam na Conference Edinburgh 2010

O evento foi organizado pela Associação para o Diálogo Inter-Religioso da Comunidade de Madri - ADIM, presidida por Pintos. "As religiões nunca se deram bem com as mulheres, que são as grandes esquecidas e perdedoras", foi uma das conclusões.

Santo Agostinho afirmou que a inferioridade da mulher pertence à ordem natural.Tomás de Aquino a define como um "homem imperfeito". Lutero fala das mulheres como inferiores de mente e de corpo por terem caído na tentação. E o atual bispo de Granada argumentou que "o homem está feito para o altar, e as mulheres, para parir". 

Apesar de tudo isso, "as mulheres são as mais fiéis seguidoras das religiões, as melhores transmissoras das crenças e as que muitas vezes reproduzem o mesmo patriarcado que as submete", concluiu a teóloga Pintos.

Essas citações, na boca de algumas oradoras, projetaram uma situação, ainda inamovível, na qual só os homens podem ser sacerdotes na Igreja Católica, imãs no islã e rabinos no judaísmo ortodoxo. Mas nem os textos sagrados nem algumas tradições justificam essa marginalização, como demonstraram neste sábado Cristina Segura Graiño, catedrática de História Medieval da Universidade Complutense, e as representantes das confissões bahái (María Jesús Rodríguez de la Fuente), budismo soka gakkai (Inés Vázquez) e do Brahma Kumaris (Marta Matarín), entre outras conferencistas.

O teólogo Juan José Tamayo, que abriu a jornada, desenhou um panorama desolador sobre a relação mulher-religião, mas se mostrou otimista porque, disse, "surgiu uma nova forma de pensar e de reformular as crenças e as práticas religiosas". Ele se referia à teologia feminista.


Magali Cunha fala no 23º Congresso da Soter, na mesa coordenada por Ana Maria Tepedino 

Segundo o diretor da cátedra de Religiões da Universidade Carlos III, na teologia feminista as religiões poderiam encontrar uma saída a uma crise que não cessa.

"No século XIX, as religiões perderam a classe operária porque se colocaram do lado dos patrões e condenaram as revoluções que lutavam por uma sociedade mais justa. No século XX, perderam os jovens, os intelectuais por posições filosóficas e culturais integristas e antimodernas, e, se continuarem pela via patriarcal, neste século XXI, perderão as mulheres", sentenciou.


A reportagem é de Juan G. Bedoyatradução é de Moisés Sbardelotto (IHU on line, 04/04/2011).

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