sexta-feira, 22 de abril de 2011

Entre a Gehena e a tragédia de Realengo

Antonio Carlos Ribeiro


Esta Sexta-feira da Paixão tem duplo significado para os cristãos e a população brasileira, especialmente a do Estado do Rio de Janeiro. Ao lembrar a paixão de Jesus Cristo, lemos nos jornais o sepultamento de Wellington Menezes de Oliveira – que assassinou 12 crianças, deixou outras 12 feridas e suicidou-se na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, no dia 7 de Abril.



Os fiéis lembram a paixão do Senhor, cumprindo a sentença pedida pela população judaica insuflada pelos sacerdotes do Templo e executada pela forças militares, do governo romano que ocupava a Palestina, liderado pelo Procurador Pilatos. Decisão brandida para impor a solidão, a dor e a morte, sob o alarido de tambores, instrumentos de sopro e cantos, sempre usados para abafar o grito desesperado das crianças sacrificadas ao deus Moloch. A Gehena, lugar da caveira – onde se sentia a crucificação, a dor da punição, era também o lugar da morte sem sentido – do sacrifício das crianças à negação do solo aos criminosos, condenados à cruz e à putrefação pública.

Esta Sexta-feira da Paixão nos remete à dupla reflexão. A primeira, sobre o sofrimento dos inocentes, também em duplo sentido. Por não terem culpa e serem sacrificados para aplacar a fúria do Deus de pedra, e sem saber porque estão sendo sentenciados. E a segunda, sobre o sentido moral da morte de cruz, o ser banido da humanidade, perdendo o direito ao solo e tendo a carne consumida pelos corvos. Sob os auspícios do poder político e religioso, vivida com fé fervorosa e guarda militar, para assegurar o cumprimento do rito.

Das 12 crianças mortas – dez meninas e dois meninos – onze foram sepultadas e uma cremada, deixando a dor da perda, a paixão pelo sacrifício sem sentido e os ressentimentos e dores, multiplicados à dúzia. Além das 12 crianças feridas, oito já com o conforto e amor das famílias, e quatro ainda hospitalizadas, das quais uma sofreu mais uma cirurgia para colocar um dreno no abdômen nesta quinta-feira santa e ainda ‘inspira cuidados’, e outro – atingido por dois tiros no braço e outro no peito – voltou a ser internado por causa de dores na mão.

E, por último, por consenso geral e xingamentos generalizados, o sepultamento nesta sexta-feira do corpo do atirador, no cemitério São Francisco Xavier, no Caju. Com corpo reconhecido mas não reclamado no Instituto Médico Legal (IML), no centro da cidade, desde o dia dos homicídios e suicídio – por ser o prazo último para ser reclamado pelos parentes – que também não vieram ao rito fúnebre, numa cova rasa e sem lápide. Foi sepultado devido à determinação da justiça, no dia do vencimento do prazo.

A Polícia Civil cogitou a possibilidade de estender o prazo, já que se trata de um morto conhecido, mas a família dele podia estar se sentindo ameaçada. Ou ainda enterrá-lo como indigente no cemitério de Santa Cruz, na zona oeste. Com pais e mãe já mortos, a casa em que vivia ficou abandonada e a irmã, não foi mais encontrada na cidade. O laudo pericial do atirador fala de ferimentos penetrantes e transfixantes provocados por ação de projétil de arma de fogo no abdômen, fígado e rim, e no crânio, que determinou o suicídio. O desejo de “matar apenas as virgens” e as exigências, de traço religioso, completam o quadro.

Se a perda dos inocentes é de pronto identificada com a Paixão do Senhor, a história de vida, a doença, o bullying, a rejeição, o agarrar-se aos traços deprimentes da motivação religiosa mórbida, o suicídio e o sepultamento – em absoluta solidão – deixam claras marcas de maldição. Esses componentes não são constitutivos apenas deste dia de desfecho, mas traços que expressam o conjunto dessa existência infeliz.

A nenhuma consideração, a falta de qualquer solidariedade, nem mesmo um aceno são os mesmos que marcam a morte pela crucificação, símbolo de tortura e maldição, criado pelos cartagineses. O abandono, até da família, repete parte do ritual macabro que determinava não apenas a morte física, mas todo e qualquer sinal da existência de humanidade, também negada.

O episódio leva a sociedade a defrontar-se com o que aprendeu a postergar. Consigo mesma. Suas desigualdades, dores, ressentimentos e vinganças. Suas dívidas jamais quitadas, sempre cobradas com ressentimento, de forma cruel, com gestos de destruição, humilhação e sofrimento. Que o silêncio da Paixão, o violeta da contrição e arrependimento e a memória da paixão nos tragam a reflexão dos caminhos a acertar, para podermos esperar verdadeira manhã pascal!

Um comentário:

rose disse...

Páscoa se faz, é orientaçao determinante da açao cotidiana, das escolhas...
todo dia o convite chega ao nosso coraçao, pelos ouvidos, pelos olhos, por todo o nosso ser,
que nesta Quaresma possamos abrir nosso ser inteiro ao mergulho mais profundo, no processo de humanizaçao de todos nós!

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