quarta-feira, 6 de abril de 2011

Comblin - corajoso e despojado

Antonio Carlos Ribeiro


A morte de Comblin deixa um vácuo, resultante do bem ocupado espaço em que se moveu, em mais de meio século na América Latina. Diferente dos pajés, que reinam enquanto vivem mas desaparecem sem deixar vestígios, os teólogos, com cultura e compromisso, permanecem na memória, nos escritos e na anamnesis (recordação) da comunidade. Sem equacionar seguranças e conveniências, deu de si e a si nas respostas aos militares, às autoridades eclesiásticas e até às elites brasileiras nas últimas eleições. Para avaliar a perda, a ALC ouviu a teóloga Tereza Cavalcanti, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).


ALC - Ao ver o corpo de Comblin, o padre Edgard Silva disse: "José esse aperto de mão é em nome do Beozzo, do Centro Ecumênico de Serviço à Evangelização e Educação Popular (Cesep), do Centro de Estudos Bíblicos (Cebi), do Carlos Mesters, da Ivone Gebara, das faculdades de teologia onde você lecionou, do Frei Betto, do Marcelo Barros, do irmão Bruno de Taizé, das Comunidades Eclesiais de Base...e tantos e tantas... é também em nome da Teologia da Enxada!" Esse teólogo deixa saudades?

Tereza – Sim. Comblin foi para mim um grande mestre, sua capacidade de crítica radical continuou até o fim de sua vida, e creio que este é um dos seus maiores legados. Interessante também é que ele, com toda a sua ironia e até ceticismo em relação às posições reacionárias da Igreja Católica, sempre continuou fielmente seu trabalho corajoso e despojado em favor da formação dos mais pobres e "insignificantes" do sertão nordestino. Ele foi de uma fidelidade evangélica bem mais radical que muitos de nós, teólogos e teólogas da Libertação...

ALC - Carlos Rodrigues Brandão, em Memória Sertão, lembra que “para aqueles que esqueceram, a recordação é uma virtude; mas os perfeitos não perdem jamais a visão da verdade e não têm a necessidade de rememorar”. O que Comblin te deixou, como aluna?

Tereza - Na realidade, não fui aluna do Comblin, a não ser em conferências, desde quando estudei Filosofia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, durante os conturbados anos de 1963 a 1966. Fui aluna de um companheiro dele, o padre Michel Schooyans, também belga, que me convidou para fazer um curso na Bélgica e eu acabei indo estudar Ciências Religiosas em Lovaina.



ALC - Qual a contribuição de Comblin para a formação de gerações de teólogos latino-americanos? Sua produção teológica lhe assegura um lugar no saber teológico-pastoral do continente?

Tereza - O Schooyans orientou minha monografia sobre Teologia da Libertação, que estava nos seus primeiros passos e pela qual me apaixonei. Em minha monografia, incluí o magistral livro do Comblin, Théologie de la Révolution, que tinha a mesma perspectiva da Teologia da Libertação e colocava questões candentes. Como lembrança de seu jeito de ser, guardo sua atitude em relação aos missionários do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que pretendiam inculturar-se no meio indígena. E Comblin alertava: "Se vocês levarem sua escova de dentes já não estarão se inculturando..." Ele tinha esse bom humor, mesmo na crítica...

ALC - Que princípio teológico, absorvido de Comblin, marcou tua formação, vocação e exercício do magistério teológico?

Tereza - Comblin representa para mim alguém que teve a coragem também de criticar a nós teólogos e pastoralistas de "esquerda", em um pequeno livro intitulado O provisório e o definitivo. Ali ele fala que nós, enquanto intelectuais,  somos idealistas, só queremos lutar pelo definitivo, então perdemos oportunidades de lutar pelo provisório; enquanto os "técnicos", pessoas da prática, estão mais interessados em agir no aqui e agora e conseguem influir na história.

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