sábado, 17 de dezembro de 2011

Amizade, ganhos, perdas e... amor duradouro

Antonio Carlos Ribeiro

A capacidade de distinguir sentimentos profundos e inesquecíveis como o amor e a amizade – mesmo que esta nunca deixe sua condição – sofre o teste definitivo quando sacudida pela perda. Este é o principal argumento do enredo do filme Um Dia (One Day) (2011, 107 min., drama), roteirizado por David Nicholls e dirigido pela Lone Scherfig, tempero de gênero que talvez explique a beleza da narrativa.



A história é longa, cobrindo um período de 20 anos após o curso universitário, em que um casal vive encontros e desencontros afetivos, profissionais e familiares, cujo fio vermelho é a data de 15 de julho de 1988, de um encontro, daí o título Um dia, em que a experiência de cada um deles conquistou o status de eternidade existencial, da qual se lembrariam por décadas.

Momento intensamente vivido, mais bem gravado do que imagem em película ao abrir do diafragma, se transforma em memória quase em sentido místico, que subsiste às trajetórias, aos amores, às oscilações e às crises identitárias, tendo como pano de fundo a bela Edimburgo, a cidade escocesa das tradições inventadas, como ensinou Emanuel Fraisse. Veja o trailer: http://www.youtube.com/watch?v=3C1dSEK27L0&feature=related

O outro elemento são as personalidades. Emma Morley (Anne Hathaway) é profunda, intensa, dedicada à educação, tem sentimento e paixão, faz o que ama e ama o que faz, mesmo ao preço da baixa condição sócio-econômica. Já Dexter Mayhew (Jim Sturgess) é um playboy, mulherengo – que consome sem saborear – transformando o íntimo em descartável, escravo da beleza estética, mais volátil que fumaça de café, marcado por descompromisso atávico. Numa paixão natimorta, sempre abortada antes do parto.

A amizade dura a vida toda, mas em meio às contradições existenciais. Ela é uma menina, de família operária, cheia de princípios e ambição sempre embarreirados pelo cotidiano financeiramente medido, mas que mantém o sonho de tornar o mundo um lugar melhor. Ele, apenas um conquistador, belo e rico, que não sonha e não acorda, preso no labirinto inebriante das facilidades, dos prazeres, do nenhum vínculo e sob a ilusão de que o mundo é um playground.

Mas apenas com um amor duradouro, que não se torna experiência, vivem quase toda a vida ao lado de quem não amam, por quem não são amados e com quem não conseguem se corresponder (cor + res + pondere). E sem por coisas no coração do outro, passam-se duas décadas, em que o 15 de julho traz sempre o leitmotiv (motivo condutor), sem nunca chegar a um lugar de encontro.

Dexter vive um dublê de ser humano, em fantasias e brigas, esperanças e desperdício de oportunidades, riso frugal e lágrimas sentidas. De forma inversa, Emma, sempre intensa, vívida, fábrica de sonhos, mas em empregos medíocres que sequer são sombras remotas de sua emoção, alegria e sentimento. O espaço de superação da prisão emocional dele, mesmo diante da morte da mãe, se assemelha ao dela, para quem a ascensão social está sempre a dever, condenados à exclusão inversamente definida do encontro consigo mesmo e com o outro.

Enfim, o momento chegou, mas foi apenas um suspiro. E definitivo.

O filme deixa sensações de resignação, como o mito de Sísifo que sempre empurra a pedra de volta ao alto do monte, do qual rolará de volta, ou como o destino da contraposição de formas humanas e animais aos amantes de O Feitiço de Áquila (Ladyhawke, dir. Richard Donner), ou ainda como o conto que termina irreversivelmente com as últimas linhas, como Cem anos de Solidão, de Gabriel Garcia Márquez.

E para lidar com os sonhos, sem chegar ao desespero, aponho a esta resenha as palavras maduras do poeta gaúcho, que eternizou-se por escrever tão simples e lindamente, mas nunca chegou à Academia Brasileira de Letras:

Um dia
...Um dia descobrimos que beijar uma pessoa para esquecer outra, é bobagem.
Você não só não esquece a outra pessoa como pensa muito mais nela...
Um dia nós percebemos que as mulheres têm instinto "caçador" e fazem qualquer homem sofrer ...
Um dia descobrimos que se apaixonar é inevitável...
Um dia percebemos que as melhores provas de amor são as mais simples...
Um dia percebemos que o comum não nos atrai...
Um dia saberemos que ser classificado como "bonzinho" não é bom...
Um dia perceberemos que a pessoa que nunca te liga é a que mais pensa em você...
Um dia saberemos a importância da frase: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas..."
Um dia percebemos que somos muito importantes para alguém, mas não damos valor a isso...
Um dia percebemos como aquele amigo faz falta, mas ai já é tarde demais...
Enfim...
Um dia descobrimos que apesar de viver quase um século esse tempo todo não é suficiente para realizarmos
todos os nossos sonhos, para beijarmos todas as bocas que nos atraem, para dizer o que tem de ser dito...
O jeito é: ou nos conformamos com a falta de algumas coisas na nossa vida ou lutamos para realizar todas
as nossas loucuras...
Quem não compreende um olhar tampouco compreenderá uma longa explicação
(Mário Quintana).

2 comentários:

rose disse...

Obrigada pelo texto, agora é ver o filme!!!

Passos disse...

Irei ver o filme com certeza... Obrigado sempre amigo...

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