quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Identidade é chave no diálogo ecumênico

Antonio Carlos Ribeiro

Após o debate sobre ecumenismo e diálogo inter-religiosos, o teólogo Elias Wolff, assessor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), disse à ALC, que o Concílio é chave de leitura, ao mesmo tempo em que provoca interpelações. O diálogo profundo envolve afeto, emoção e amizade, e uma das dificuldades no processo é a ignorância, agregou.


Para ele, “é fundamental fazer sempre um trabalho de recepção contextualizada das orientações do Concílio Vaticano II sobre diálogo ecumênico e inter-religioso, em cada país, região ou situação”. O Concílio é uma chave de leitura da realidade, “ao mesmo tempo em que a realidade também provoca interpelações para a doutrina do Concílio”.

Mesmo que o senso comum afirme que as pessoas envolvidas no movimento ecumênico e inter-religioso não deveriam ter fortes convicções confessionais, a prática mostra o contrário: quanto mais firmes as convicções, tanto mais se estabelece o diálogo. “Isso é fundamental: não há diálogo sem identidade, sem convicção. E a própria identidade é o conteúdo do diálogo. Como católico, eu ofereço para a mesa do diálogo a compreensão católica da fé cristã”.

Segundo ele, “se houver uma negação das próprias convicções ou negação da própria identidade, não há como contribuir para que o diálogo seja frutífero, até mesmo por cairmos no indiferentismo e no relativismo, que vai afirmar que cada verdade vale por si mesma”, explicou.

Concordou que “pensar o ecumenismo com o coração” lembra a convivência de teólogos como Hans Urs von Balthasar e Karl Barth, que eram amigos próximos, e mostram como é possível encontrar no diferente as relações de profundidade e identidade em relação a algumas circunstâncias até maiores que as dos próprios corpos eclesiais que integravam. “O diálogo tem várias formas de se expressar. E o diálogo profundo envolve o afeto, a emoção, a amizade entre as pessoas, porque se dá também numa dinâmica de gratuidade”.

“Creio que essa dimensão humana, antropológica, psicológica, psicoafetiva e espiritual do diálogo é o chão para o diálogo doutrinal, para o diálogo institucional, para o diálogo pastoral. Se não tivermos trabalhado suficientemente uma relação de amizade entre os diferentes líderes eclesiásticos, entre os membros das diferentes igrejas, também não vamos trabalhar de modo frutífero o diálogo em outro nível, como o doutrinal, que é muito mais exigente”, esclareceu.

Agregou que “a dimensão social do diálogo ecumênico e inter-religioso é profética e tem condições de plausibilidade de ser vivida com mais força e ênfase do que as questões doutrinais, aqui no nosso contexto. Nosso ecumenismo tem mais esse caráter prático, enquanto que na Europa e em outros lugares o ecumenismo teórico, teológico, doutrinal tem dado passos mais significativos, nós aqui temos nos voltado mais para a questão social. Esse aspecto é positivo porque a defesa da vida, a promoção de uma sociedade mais igualitária, mais justa é um elemento que aproxima muito mais as igrejas que estão nesta realidade social brasileira”.

O sofrimento do povo uniu essas lideranças. “O princípio da solidariedade está além. É um momento em que para viver a solidariedade as igrejas conseguem fazer um esforço mais significativo para se aproximarem e não ficarem cada uma no seu espaço por problemas institucionais ou doutrinais. A vida que precisa ser defendida impele a causa comum, a ação comum de todas as igrejas”.

A repatriação dos documentos da ditadura brasileira, ocorrida em junho passado, mostra a correta intuição do cardeal Paulo Evaristo Arns, de divulgar os fatos para que isso não acontecesse de novo, por isso o projeto se chamou Brasil: nunca mais! E também difundir isso para que ao redor do mundo as igrejas tivessem noção de como as igrejas latino-americanas se defrontaram com uma situação brutal e violenta, e sem ter a quem recorrer.

“É a dimensão profética do ecumenismo, quando as igrejas estão dispostas a correr os riscos que forem necessários para promover um futuro de mais justiça neste continente todo”.

Wolff avaliou o evento organizado pela PUC-Rio como mobilizador de consciências, “porque aqui é um ambiente de formação de consciência, um ambiente de reflexão teológica, reflexão pastoral, reflexão eclesial. E a partir do momento em que se promove um dia inteiro de debate sobre o diálogo ecumênico e inter-religioso, acho que há a possibilidade de um redimensionamento, reconfiguração de um conceito como igreja, conceito como fé, conceito como pastoral e de espiritualidade, que inclua, sem dúvida nenhuma, a perspectiva do diálogo ecumênico e inter-religioso. Trata-se de formação da consciência”.

Ele observou que “uma das dificuldades que o ecumenismo e o diálogo inter-religioso enfrentam é a ignorância, em dois horizontes principais. Ignorância, primeiro do outro, a partir dos preconceitos que nós criamos. É falta de formação sobre a doutrina, história e espiritualidade do outro. O outro horizonte da ignorância é a dos documentos das Igrejas. As igrejas emanam documentos que orientam o diálogo ecumênico, mas poucos fieis conhecem esses documentos, leem esses documentos. Então, numa instituição acadêmica como esta, uma faculdade de teologia, essa ignorância precisa ser superada”.

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