domingo, 1 de abril de 2012

Os Villas-Bôas, os índios, os militares e o roubo de terras

Antonio Carlos Ribeiro

O filme Xingu (Xingu, direção de Cao Hamburguer, com João Miguel, Felipe Camargo e Caio Blat. Brasil, 2011) conta a história dos irmãos Villas-Bôas: Cláudio (João Miguel), Orlando (Felipe Camargo) e Leonardo (Caio Blat), que participaram da Expedição Roncador-Xingu, na década de 1940. Eram formados em boas escolas, tinham uma visão humanitária e tinham como objetivo proteger os índios dos brancos, fatos que criaram conflitos com as elites, os governos locais e os militares.


A saga da família Villas-Bôas é a base do enredo da obra por diversos motivos. O primeiro é se diferenciar de uma elite bem formada – diferente da atual, já fruto da falta de valores, amorais que sequer abandonam princípios que nunca conheceram – , que tinha ideais objetivos, formação humanitária e ideais, e por isso queriam ir “onde o homem branco jamais tinha pisado”, defenderam o direito indígena às terras das quais já eram donos – diferente de quem gosta de delimitar espaços na terra, no ar e no mar, alguns sem jamais terem conquistado a si mesmos – e o ideal de criar um estado dentro do Estado brasileiro.

Essas três marcas vão acompanhá-los na empreitada de enfrentamento do território de biomas ambientais fronteiriços, do choque de civilizações quase resolvido pela dominação militar e técnica, das presenças da base aérea e dos brancos, que asseguram interesses e causam prejuízos fatais. E do confronto com a elite brasileira – endinheirada, com parcos percentuais de cultura e meios de recrutar profissionais bem formados e mercenários, nem sempre nesta ordem – diante de quem é preciso legislar, garantir a aplicação da lei e entrar no grande jogo de poderes, de cúpulas e cópulas, com muitas concessões e muito pouca moral.

Esses são os ingredientes para falar de um país que meio século depois de criado o Parque Nacional do Xingu ainda vive tensões para afastar latifundiários, pecuaristas, madeireiros e investidores estrangeiros, com pouco senso de brasilidade, nenhum compromisso e muito dinheiro e influência para comprar terras, relativizar cláusulas pétreas, inventar ordem jurídica onde o Estado não se faz presente – até fazer o país retroceder 120 anos, na verdade voltar aos três séculos e meio de escravidão, os tempos obscuros que emporcalham a elite imperial – e que só fará sentido para ação individual de gente jovem e aguerrida, mesmo sob riscos e ameaças.

Uma conquista fundamental da obra de Hamburguer é a de certa cidadania jovem, honesta, culta, que ocupa espaços, usa recursos públicos e tem discurso agregador e não predatório, como as bancadas ruralista e da bala no Congresso. O risco é o país recobrar a possibilidade de lidar com senadores que parecem impolutos, exploram escravos modernos em suas terras, de partidos de direita, que defendem seus interesses, rastreiam escutas do tempo da arapongagem da ditadura e se envolvem com contraventores, com dinheiro de 1º escalão e práticas típicas do último.

O diretor destacou o preconceito que as elites – com a garantia de sua reprodução massiva pela mídia de elite – têm com os índios: "vi que infelizmente os brasileiros não aceitam os índios até hoje. É um absurdo essa rejeição, mas ela existe". Não precisou se esforçar para perceber isso. Durante as gravações, na floresta amazônica, viu as queimadas nas fazendas próximas e o desmatamento: "o tanto de queimadas que há naquele local, o tanto que desrespeito em não se importar com a preservação da floresta é absurda. É um tesouro que temos que o Brasil está destruindo", denunciou.

Ele chegou ao tema por meio do cineasta Fernando Meirelles, que produziu o filme, procurado pela família de Orlando para que levasse a história dos irmãos Villas-Bôas para as telonas. Primeiro, ele ignorou a proposta, mas foi convencido pela leitura de A Marcha para o Oeste, o diário escrito pelos irmãos durante a expedição, pelo qual ficou encantado. "Quando o Fernando me explicou, pedi um tempo para pesquisar, pois tinha poucas informações deles. Mas ao entender quem eram os Villas-Bôas, achei a história muito envolvente", explicou o diretor.

Outro que se envolveu apaixonadamente foi Marcelo Torres, o diretor de produção, que disse poder imaginar lugares com beleza e preservação indescritíveis. “Desde muito novo percorro a região Centro-Oeste em viagens de pescaria com meus pais, meus tios e meus primos. Então sugeri o Tocantins por ser um lugar onde a natureza ainda mantém seu equilíbrio. Lugar onde temos rios limpos, pássaros e animais silvestres, um lugar onde poucos pés humanos pisaram”, observou.

A antropóloga Maria Büller trouxe peculiaridades retiradas das famílias e conhecidos dos irmãos para o projeto. O filme demorou cinco anos para ser concluído, entre produção e filmagens. As primeiras gravações foram durante os três primeiros dias na viagem para o Parque Indígena do Xingu, no Nordeste do Mato Grosso, na divisa com Tocantins, já na floresta amazônica, onde hoje vivem 16 povos indígenas. "Conseguimos um material riquíssimo e infelizmente muitas cenas tiveram que ficar de fora", lamentou o diretor.

Hamburguer explicou como escolheu João Miguel para o papel de Cláudio, o líder da expedição: "já conhecia o trabalho dele e sabia que tinha a capacidade. A partir do João, pensei no Caio porque já tínhamos trabalhado juntos e conheço o seu talento. E o Felipe, eu tinha certeza que iria dar o tom certo para o papel. Fiquei muito satisfeito com o resultado", acrescentou. Foram feitos testes para a escolha do núcleo dos índios. Segundo o diretor, esses "atores" se dedicaram ao projeto. "Escolhemos os melhores e nem pareciam que estavam atuando", disse. A produção de Xingu custou R$ 14 milhões.

Um comentário:

Pr. Edson disse...

Não poderei ver a estreia, todavia, não deixarei de ver tal descrição de nossa "história". De maneira que endosso vossas palavras e faço voto que as mesmas surtam o efeito desejado pelas quais foram lançadas.

Força e luz.

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