terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A ditadura, em cores, por um adolescente


Antonio Carlos Ribeiro

Rio de Janeiro – O olhar de um adolescente sensível, que se adapta à condição da família e enfrenta todas as perdas – de forma violenta e brutal – é o tema de ‘Infância Clandestina’ (Infancia clandestina, dirigido por Benjamín Ávila, com Natália Oreiro, Teo Gutiérrez Romero, Benjamín Ávila e Ernesto Alterio, produzido por Luis Puenzo e roteirizado por Marcelo Müller, 112 min., Argentina, Espanha, Brasil, 2011, drama). Esse olhar é o gerador do relato traumático, o mesmo que subjaz as reações intempestivas e elabora as perdas.


O filme integra uma boa safra de filmes que tratam do tema das ditaduras latino-americanas, como o brasileiro O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias, 2006, de Cao Hamburger, e o alemão O Dia em que não nasci (Das lied in mir), 2010, de Florian Cassem, que mostram o impacto da repressão sobre a personalidade em formação. Com diferenças como a história que pode ser retomada, a que fica ‘amarrada’ ao relato e a sensação de que faltam relatos para que o tema seja encerrado.

O filme tem coragem de mexer com a ditadura, o tema tabu que quanto mais é tamponado, mais surge no discurso da mídia patética – que disfarça o fato de ter sido o principal sustentáculo – e ainda contando com o golpismo, assim como Beckett em Esperando Godot, ou da decadente elite que tenta a judicialização da política com vistas a administrar a sociedade e controlar os demais poderes, ou de partidos de perfil ‘udenista’, sem discurso nem articulação e dependentes das mídias editorializadas, reduzidas a folhetins de direita.

A película rediscute o tema pelo olhar de um menino, filho de militantes, que apoia e colabora com os pais, se recusa a cantar o hino nacional por distinguir cinismo e civismo que negam a humanidade, ter afetividade à flor da pele, amar a menina que o encanta e se negar a hastear a bandeira, sangrada pela ditadura. Atitudes que lembram o argumento da teóloga Marcela Althaus Reid ao lançar Indecent Theology e explicar que cresceu na ditadura com os militares falando em decência, o que a fez decidir: ‘prefiro ser indecente!’

Faz uma crônica do cotidiano da militância armada: o confronto com as forças da repressão, a fuga para se rearticular, o retorno para o campo de atuação, com moradia e trabalho na periferia, e os conflitos familiares. Neles transparecem as regras de segurança, o treinamento de guerrilha, os disfarces na atividade profissional, o comando e a integração dos militantes e a maneira de lidar com os que tombaram nos anos de chumbo.

O perfil do filme é o de filhos de militantes que relutam em entender, ou entendem e assumem a condição dos pais, por amor e que, invariavelmente, sofrem os solavancos do cotidiano, ao passo em que desenvolvem seu caráter de vítimas da ditadura assumida pelas elites, que tinham nos militares seus empregados, nos empresários os que a financiavam – uma TV somou concessões ao comprar emissoras falidas e apoiar o golpe, chegando a se dizer a 4ª maior do mundo – forçados a mentir e omitir despudoradamente, divulgar relatos fabricados nas casernas – mesmo sem nenhum nexo – descobrindo sua vocação na lógica prostituída do golpismo.

Infância Clandestina adota uma narrativa inquieta – de roteiro preciso, diálogos bem marcados e gestos intensos – do sofrimento à alegria, vindo de uma cinematografia bem elaborada, sem efeitos eletrônicos, chegando ao máximo dos quadrinhos, especialmente nos momentos de terror, a ponto de ser escolhido pela Secretaria de Cultura para representar a Argentina no Oscar.

O Brasil participa da obra – além da Espanha – como coprodutores de Infância Clandestina, e através de argentinos e brasileiros atuando como atores, roteiristas e diretor. Entre eles a atriz Mayana Neiva e o ator Douglas Simões integram o elenco, assim como o roteirista Marcelo Müller, que atuou com o diretor Benjamín Ávila. Estes estudaram juntos na Escuela de TV y Cine, de San Antonio de los Baños, em Cuba.

Além das boas relações vividas entre Brasil, este é também o território de onde retorna de Cuba à Argentina a família de militantes montoneros, composta do pai (Cezar Troncoso), da mãe (Natalia Oeiro), do menino Juan (Teo Gutiérrez Romero), e do tio Beto (Ernesto Alterio), para se reintegrar à luta contra a ditadura militar. O disfarce é o trabalho numa fábrica, onde produzem e vendem doces, e o menino Juan, autor da narrativa, se transforma em Ernesto e simula o sotaque próprio da província de Córdoba.

O diretor Benjamín Ávila diz que, para contar essa história, se inspirou em sua própria experiência de vida. Filho de uma "família clandestina", que lutou contra a ditadura militar argentina e não poupou os próprios filhos de sacrifícios. Sua mãe "desapareceu" após ser presa no fim dos anos 70. O ar ofegante do personagem Ernesto é o do próprio Ávila, que teve o corpo e a alma marcados pela clandestinidade da vida escondida, do nome falso e da violenta e constante repressão dos militares e agentes civis dos generais-presidentes.

A forte dramaticidade não volta apenas pelo figurino, o corte dos cabelos, o modelo dos automóveis, os diálogos tensos com a avó – a única que restou a Ernesto após voltar a ser Juan – mas nos ritos para treinar militantes, nas palavras de ordem e nos cerimoniais de lembrança e despedida dos ‘companheiros’, que o bispo católico d. Mauro Morelli lembra ser eucarística por marcar os que dividiram o mesmo pão e ‘caíram’ no confronto com agentes do Estado nos anos de chumbo.

A diferença básica de Infância Clandestina, na descrição das circunstâncias da tortura e da crueldade extrema, fica clara na última cena, ao ser abandonado em frente à casa da avó, após perguntar pela irmã de poucos meses e ser chamado de ‘hijo de puta’ pelo policial, e bater na porta. No simulacro de eternidade entre a pergunta: ‘quem é?’ e resposta seca ‘Juan’, o filme estanca, como o estampido dos ritos do maior massacre de civis do continente.

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=YPpQYZIYDhk

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Van Dijk: o controle através do modelo mental


Antonio Carlos Ribeiro

Rio de Janeiro – A palestra do professor Teun A. van Dijk, da Universidade Pompeu Fabra, Barcelona, sobre Discurso, poder, ideologia, promovida pelo Programa de Pós-graduação Estudos da Linguagem, do Departamento de Letras, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), mostrou como o controle do discurso passa pelo contexto, a linguagem, a identidade e os objetivos. O encontro foi no dia 4 de dezembro, no edifício Frings.

Van Dijk é um renomado especialista na área de estudos críticos do discurso e tem desenvolvido projetos de pesquisa sobre discurso e ideologia, racismo e discurso, teoria do contexto, discurso e conhecimento, nos últimos anos. Para ele, os estudos críticos do discurso, das noções de poder e da ideologia têm um papel fundamental. Partindo de uma abordagem sociocognitiva, ele apresentou uma teoria multidisciplinar acerca da reprodução discursiva das ideologias e da estratégia de reproduzir o poder dos grupos sociais dominantes.


Quem controla o discurso, controla o poder e os efeitos do discurso sobre a sociedade, já que discurso é texto contextualizado, revela o controle sobre os meios, os espaços e a ideologia. Essa análise inclui elementos de psicologia, filosofia e neuro-psicologia, detectando até mesmo os elementos que tornam a interação impossível, tomando em conta o tempo de conversa, identidade, objetivos, contexto e espaço das pessoas integrantes do discurso.

Para monitorar temas e tópicos no público leitor, os donos de jornal, afirmou van Dijk, controlam o enfoque e determinam a maneira como tal assunto será abordado. Essa estratégia é mais visível no caso de temas e grupos humanos ideologicamente rejeitados como imigração, negritude e cultura, sobre os quais projetam a polarização positivo x negativo, a ênfase para os interesses dos grupos dominantes que o veículo representa, com as quais tentam ‘amoldar’ os leitores à ‘estrutura sócio-cognitiva dos centros de poder’.

Como a intenção deliberada é controlar a opinião das pessoas, desenvolvem uma macro-estrutura semântica que considera a lista dos temas que serão tratados e rejeitados, tipificando-os com um tom de ameaça e mostrando ênfases negativas sobre sua presença na sociedade. Ao mesmo tempo atenua, mitiga e esconde os medos e inseguranças da sociedade. Isso é visível na proporção do jornal europeu que publica por ano 4.000 artigos sobre imigrantes e apenas 40 sobre o rascimo dos moradores do velho continente.

Outro recurso a compor esta estratégia são as estruturas léxicas. O uso da palavra ‘ilegal’ e outras igualmente negativas suscita a questão sobre quem fala. Nesse caso, são pessoas da classe social dominante. Ele observa que se pode até ouvir membros daquele grupo, mas nunca sozinhos, sempre com outros ‘textos enviezados’ de gente bem nascida. Isso nos remete à metáfora, outro recurso usado frequentemente nos textos. “Os imigrantes chegam à Europa em ondas”, sinalizando algo que ameaça a sociedade de forma múltipla, podendo ‘afogar’, ao mesmo tempo que tira a ênfase das ações violentas da polícia e do segregacionismo disfarçados dos governos, colocando o relato explicativo na voz passiva.

No livro ‘Language and control’ são estudadas as estruturas sintáticas que atenuam ou enfatizam, controlando as estruturas discursivas ao controlar o discurso. Usam o recurso da suposição, falando como se todos os europeus soubessem do que se trata. Isso possibilita compreender o modelo mental dentro dos discursos, para construir a leitura semântica que assegura interesses. Os modelos mentais controlam não apenas o que as pessoas podem falar, mas também pensar. Ao serem usados para controlar um modelo negativo sobre indígenas, p. ex., controlam a visão do grupo inteiro.

Sistemas ideológicos como nazismo, racismo e classissismo utilizam frequentemente os modelos mentais para controlar. Segundo Gramsci, quando as pessoas participam do controle através dos modelos que assumem, isso influencia suas práticas sociais. Esse fato agrega o elemento conhecido como Teoria da Metáfora que é capaz de fazê-los incorporar (inboding) o medo.

Para que esse controle seja abrangente, utilizam-se redes simbólicas para estabelecer o controle sobre os discursos públicos. Na educação esse controle chega a temas como racismo e sexismo, sobre os quais os livros didáticos não abordam. Os que controlam grandes grupos de mídia, especialmente entretenimento e religião, usam esse poder para determinar o que será e como será tratado, através dos modelos mentais.

A estratégia do modelo mental usa a visão multidisciplinar para pesquisar mecanismos de controle dos temas – ênfases, disfarce de proconceitos, universo vocabular e composição do texto – em nível internacional. Sua maior dificuldade é o contra-modelo dos grupos de resistência, entre os quais se destacam os grupos feministas que, ao ‘entrar’ nas mais diversas mídias, acabam criando embaraços aos discursos racistas, machistas e conservadores do status quo. Pior que isso, como outros grupos de traço ideológico definido, disputam espaços de poder de discurso, desconstruindo ênfases e recuperando parte de seu potencial, especialmente através de veículos como a internet.

Uma forma de lhes contrapor a força é a expressão surgida nos Estados Unidos do ‘politicamente correto’, com o objetivo de domesticar perspectivas, frear ênfases e atenuar efeitos no nível do discurso público. Na verdade, o politicamente correto é contra-revolucionário. Essa estratégia foi usada por jornais ingleses conservadores como ‘The Sun’ e ‘The Daily Mirror’ que acusavam os grupos que denunciavam racismo e conservadorismo em geral. E disse que uma pérola do politicamente incorreto é a frase “a gente já não tem liberdade”, observando que esta é uma forma de resistir à resistência.

Diante das denúncias, veículos eletrônicos de comunicação, usam chavões como “nós temos a verdade, eles tema ideologia”, rotulando os grupos de resistência e desclassificando os valores apresentados em seu discurso e a forte crítica que estes grupos fazem aos posicionamentos da mídia conservadora. Van Dijk lembra sempre que ‘debaixo do discurso está o modelo mental’, do qual os veículos de mídia elitista sempre lança mão.

Um elemento novo que pode se tornar efetivamente um fator de resistência são os blogs ou a blogosfera, quando se referem a ele em seu conjunto. Não se sabe ainda se é uma mídia em crescimento, apesar dos muitos sinais, mas já mostrou sinais de força em disputas pontuais com os Mass Media. No entanto, o professor observou que esta é uma pesquisa empírica que precisa ser feita, sem negar a importância da distribuição viral e das vitórias na desconstrução da opinião dita consolidada dos conglomerados de mídia.

Ele lembrou ainda que a blogosfera não tem apenas discurso de resistência e nem atua como blocos organizados, mantendo a autonomia de autores, jornalistas e grupos. Por esses traços e pelos sinais de força que tem demonstrado, a atuação da blogosfera pede pesquisas empíricas sobre sua atuação, que apresente melhores resultados.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Lideranças de Igrejas Cristãs celebram os 90 anos de Jether Ramalho


Antonio Carlos Ribeiro

Rio de Janeiro – Clérigos e lideranças das Igrejas Cristãs e de entidades ecumênicas rendem homenagem ao professor Jether Pereira Ramalho no dia dos seus 90 anos. O encontro se deu no culto realizado na Igreja Cristã de Ipanema (ICI), zona sul da cidade, neste domingo, dia 2.

Além dos membros da ICI, onde Jether e Lucília são membros há décadas, a celebração reuniu ainda filhos, netos, bisnetos, membros da Igreja Congregacional de Bento Ribeiro, onde o pai de Jether foi pastor e onde seu irmão atuou como médico por muitos anos.



O pregador foi o Rev. Zwinglio da Mota Dias, do Programa de Pós-graduação em Ciências da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que baseou sua reflexão no Profeta Jeremias e na escritora Cecília Meirelles, destacando como Jether passou por etapas: “o líder de movimentos da juventude casou-se e constituiu família, o odontólogo cedeu ao professor, sociólogo e político, o militante anti-católico converteu-se em decidido líder ecumênico”.

Como Jeremias, acentuou Dias, “foi convocado por Javé a proclamar o direito e o dever de todos quanto à vida, assumiu o poder misterioso da Palavra, com a verdade na frente e a história na mão, nunca lamentou sua sorte, enfrentou o deserto e celebrou, carregado pelo vento selvagem e impetuoso que recria a vida”, agregou.

Insistiu que “as palavras do profeta não são ciência, profetas e poetas sabem que só seremos humanos juntos, não sozinhos... e que a verdade é a que está plantada na Verdade de todas as religiões”, disse ao saudar o companheiro de muitas décadas de trabalho conjunto, em prol de causas e compromissos a que não podiam faltar.

A celebração contou com a presença de personalidades como o sociólogo Carlos Alberto Gómez, que atuou no Centro de Estatística e Investigação Social (CERIS) da CNBB, Maria Helena Arrochelas, professor Lino e Padre José Oscar Beozzo, do Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade (CAALL), do sociólogo e ex-frade dominicano Ivo Lesbaupin, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, do Reverendo Mozart Noronha, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, e da professora Maria Clara Bingemer, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Clérigos/as das Igrejas cristãs celebram Advento no Cristo Redentor


Antonio Carlos Ribeiro

Rio de Janeiro – Clérigos e clérigas das Igrejas-membro do Conselho de Igrejas Cristãs do Estado do Rio de Janeiro (CONIC-Rio) celebraram o início do Advento – tempo de preparação e espera do Natal de Jesus Cristo – no Cristo Redentor, na 6ª feira, dia 30 de novembro.



Sob o lema “Colocar-se a caminho em direção ao outro...”, a liturgia presidida por D. Nelson Francelino, da Igreja Católica Apostólica Romana, teve ainda o rev. Paulo Roberto, vice-presidente, da Igreja Cristã de Ipanema; a pastora Christine Drini, segunda secretaria, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, o pastor José Roberto Cavalcante, primeiro secretário, da Igreja Presbiteriana Unida e o reverendo Daniel Rangel, tesoureiro, da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, representando as igrejas.

Durante a cerimônia foi acesa a Coroa de Advento, feita uma oração e a leitura do Evangelho de Lucas 2.15-16, com a participação dos representantes das Igrejas no momento de meditação, seguido da intercessão, o Abraço da Paz, a oração do Pai Nosso, a Bênção e o Envio.

domingo, 4 de novembro de 2012

‘Elefante Blanco’ debate miséria, religião, política e afetividade


Antonio Carlos Ribeiro

Rio de Janeiro – O filme Elefante Blanco (Elefante Blanco, Espanha/Argentina, direção de Pablo Trapero, com Ricardo Darín, Jérémie Renier e Martina Gusmán) traz um enredo atual, chocante e com cenas desconcertantes, embora plausíveis no ambiente urbano, carcomido pela fome, os ditames da religião, o poder das elites - que julgam poder comprar tudo - e a explosiva afetividade.


O enredo da película começa com o padre Julián (Ricardo Darín) sendo submetido a uma tomografia. Depois, o público é levado à Amazônia sem lei, especialmente às populações ribeirinhas, que vivem tão desprotegidas quanto os pobres na idade média – entregues a toda sorte de riscos – e na qual o padre Nicolás (Jérémie Renier) escapa de um massacre, ao ver uma família ser exterminada por não apontar para que lado ele fugiu. Neste lugar, Julián vem buscar o egresso do seminário para outra tarefa, igualmente perigosa.

Julián e Nicolás voltam a trabalhar juntos, agora na Villa Virgen, uma favela da periferia de Buenos Aires. O perfil é o comum da América Latina: pobreza econômica transformada em miséria moral, refino-preparo-tráfico de drogas, sacerdotes que se dedicam ao atendimento dos esquecidos de todos, bispo distante, insensível ao sofrimento humano, agarrado às futilidades eclesiásticas e com autoridade formal sobre quem vive a experiência cotidiana de estar entre Deus e o diabo. E a polícia, o braço armado do Estado para manter a ordem.


Em Elefante Blanco, o lado mais cruel da tragédia é também destes bons moços, de uniformes garbosos à tarefa cotidiana de serviçais do Estado, mediada pelos gritos dos comandantes. Com código rígido, formação militar e sem margem para lidar sequer com os conflitos familiares e os pessoais, sem falar dos esquemas de corrupção da corporação e da relação de dependência do poder estatal e suas políticas para a sociedade.

O trabalho com altos níveis de estresse é o que sobra para os dois clérigos e a assistente social que põem suas vidas em risco, para continuar do lado dos miseráveis, agarrados a uma mística forte que lhes permite conviver com os poderes do Estado, da Igreja, da Polícia e do tráfico – que nas ‘villas’ tem uma lógica clara e letal – apenas para proteger e minorar o sofrimento dos pobres, em meio às contradições.

A atuação de Ricardo Darín encarna este perfil de sacerdote, da mística nascida da ortopráxis à pureza ética que resguarda o rosto humano da religião nos espaço limítrofes. Ele está impecável, das tarefas cotidianas ao modo como lida com a saúde, da capacidade de lidar com o bispo, o governo e os narcotraficantes, o mesmo lugar existencial de onde vem sua autoridade para posicionar-se frente a eles. A cena em que ‘absolve’ o irmão de sacerdócio e a que revela a vontade de mandar todos ‘a la mierda’, são paradigmáticas do perfil da missão.

A relação afetiva entre o sacerdote e a assistente social é outro marco do momento. A paixão romântica irrompe em meio ao caos político, econômico e religioso. É um grito de desespero e a luta para respirar, em meio à asfixia existencial. Assim como em ‘O amor nos tempos do cólera’, de García Márquez, é avassaladora, transgressiva, corajosa, como só acontecem em tempos de calamidades e crise civilizacional agudas. O número de sacerdotes e militantes de todas as frentes de luta que a ela chegaram é incontável, entre os que voltaram ao redil, os que fugiram para salvar vidas e os que se ‘perderam’ ao perder seu grande amor.

Villa Virgen é uma ‘comunidade’, de cerca de 30 mil pessoas, próxima ao projeto do maior hospital da América Latina, lançado por um governo socialista e abandonado desde 1937. O fato em si dá o retrato das elites latino-americanas: endinheiradas pelo controle do Estado, com pouca formação intelectual, muito autoritarismo e o recurso fácil à violência, regados a vaidade tola. O espaço em que os padres trabalham para transformar o prédio abandonado em moradias dignas para aquelas pessoas, é o mesmo que lembra o ‘deserto do real’, de Zizek.

As partes complementares do enredo são os demais padres e voluntários que atuam com e a partir dessa tríade, a célula mais comum dos trabalhos pastorais desenvolvidos nas grandes cidades da América Sul, surgida nos anos 70 a partir da mística dos pobres como os amados preferencialmente por Deus, a repressão do consórcio elites-ditaduras, e da Igreja, pendente para o lado conservador nos centros de maior poder político e econômico, a partir da lógica atemporal que assegura a sobrevivência histórica. Ou de confronto, onde o bispo era pastor.

A capital argentina agrega ao enredo comum das grandes cidades da América do Sul, a pecha dos assassinatos de massa, legitimados por leis humanas e divinas, ‘de exceção’, sem disposição de poupar sequer os ‘seus’, já que as vantagens do atrelamento com o Estado superavam em muito o pecuniário e o institucional. Os feriados religiosos e as bênçãos episcopais à repressão mais brutal, já enfrentadas por todos os países da região, exceto o Brasil, testemunham o dilema teológico de defender o rebanho ou assegurar a presença da instituição religiosa.

A película dirigida por Trapero é como os vitrais das Catedrais, projetados para narrar a história da salvação, ocultando o conflito das relações nem sempre claras, entre as paixões da fé popular, da instituição eclesial e do Estado dominado pelas elites. Nestas, se destacam homens e mulheres, que deram à sua vida o sentido das causas a que abraçaram, pelas quais viveram e morreram. Ao serem guindados de líderes a mártires, enriqueceram a mística combativa deste ‘continente sofrido e maravilhoso’, como escreveu Gutiérrez.

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=1slXgR3NAmo

sábado, 3 de novembro de 2012

Ato inter-religioso evoca a memória dos mortos e desaparecidos

Antonio Carlos Ribeiro
Fotos: João Carlos Araujo e Christine Drini

Rio de Janeiro – Um ato ecumênico e inter-religioso realizado na 6ª feira, dia 2 de novembro, no Cemitério Ricardo de Albuquerque, zona oeste da cidade, evocou a memória de mortos e desaparecidos da ditadura civil-militar brasileira. O culto contou com a participação de cristãos, judeus e membros da Umbanda e do Candomblé, das quais havia bispo, monge budista, sacerdotes, pastores, babalorixás e demais lideranças.


O ato se deu em frente ao monumento do Grupo Tortura Nunca Mais, composto de uma placa de aço preta, com o nome da entidade, a reprodução da imagem do monumento às vítimas da ditadura – do arquiteto Oscar Niemeyer e que faz parte do memorial da América Latina – e dos nomes de militantes, colocados também em colunas com espelho – onde visitantes se veem como vítimas possíveis, ao olhar o próprio rosto, e o campo dos indigentes – onde há apenas cruzes, algumas numeradas.

O ato memorial lembrou ainda diversos outros militantes que morreram vitimados pela repressão, lembraram ainda adolescentes que morreram nos últimos anos sob tortura em delegacias civis, por causa da resistência da sociedade brasileira de debater o tema, negando a brasileiros a cidadania, às famílias os seus mortos e o direito de sepultamento, dificultando o debate e impedindo a nação de virar sua página mais trágica.


O ato celebrativo teve momentos como chegada, memorial e compromisso, com leituras individuais e responsos litúrgicos, o cântico de músicas como ‘Sentinela’, de Milton Nascimento e Fernando Brant; ‘Abre as asas sobre mim’, de Ney Lopes; Suíte dos pescadores, de Dorival Caymmi; ‘Para não dizer que não falei de flores’, de Geraldo Vandré; ‘Enquanto houver sol’, de Sérgio Britto; ‘Amanhã’, de Guilherme Arantes; e ‘Apesar de você’, de Chico Buarque de Hollanda.

http://www.youtube.com/watch?v=A_2Gtz-zAzM&NR=1&feature=endscreen

Houve depoimento de lideranças religiosas que atuaram durante a ditadura acolhendo pessoas, ajudando a preservar a vida de militantes, religiosos, parentes, e gestionando em nome dos que foram torturados por engano, acusados de crimes nunca provados e dos que lutavam contra o golpe de abril de 1964. A Pastora Christine Drini, da Igreja Luterana da Baviera, Alemanha, atuando a pouco mais de um ano, se mostrou chocada ao ler informações e ver as fotos dos rostos deformados pela brutalidade extrema, no cartaz do evento.


Além do Grupo Tortura Nunca Mais, a iniciativa recebeu apoio da Comissão da Verdade (Alerj), Rede Fale, Rede Ecumênica da Juventude (Reju), Movimentos Mães de Acari, Mães da Candelária, Moleque, Associação Bnai Brith, Rede Contra a Violência, Cheifa, Iser, Iser Assessoria, Ofarere, Budista Primordial, Igrejas Católica, Anglicana, Luterana, Presbiteriana Unida, Presbiteriana Independente e Aliança de Batistas, sob a coordenação de Koinonia Presença Ecumênica e Serviço, que pediram a apuração e punição dos agentes do Estado.

O ato foi encerrado com um momento de silêncio em memória das vítimas e um abraço coletivo, com as pessoas sendo chamadas a renovar esperanças e curar feridas. E por último, bradaram: ‘Pela vida e pela paz, tortura nunca mais’.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Reforma protestante: da igreja do palácio ao espírito


Antonio Carlos Ribeiro

Existem duas maneiras de refletirmos sobre a Reforma Protestante nestes seus 495 anos. A primeira é voltarmos a Wittenberg, cidade onde Lutero – um monge da Ordem dos Agostinhos e professor de Bíblia na Universidade – fixou suas 95 teses na porta da Igreja do Castelo, em 31 de outubro de 1517. A intenção era que fossem lidas pelo alto clero e a nobreza nas missas de Todos os Santos e Finados (1 e 2 de novembro), frequentadas pelo alto clero e a nobreza, e provocassem um debate. Conseguiu!


O motivo era o espírito inquieto, investigador e determinado desse padre e professor de teologia aos 34 anos que, diante da culpa e da morte, tornou-se intransigente a respeito da salvação e não conseguiu se conter diante do sistema das indulgências. O outro ingrediente era a Bíblia, que ele estudava nesta época com seus alunos, a partir do livro de Levíticos e da Carta aos Romanos.

Culto, rebelde e confrontado por um poder autoritário num universo absoluto, protestou. Era um passo decisivo e difícil, mas necessário. Como a intenção era reformar, não conseguiu prever os desdobramentos sociais, mas logo pagaria o preço por enfrentar a mais forte instituição da terra, com poder temporal – riqueza e exércitos – e espiritual.

A maior parte dos que peregrinam pela Saxônia atualmente querem ver a igreja, o púlpito, o túmulo, o liceu e a fortaleza de Wartburg, onde ele traduziu o Novo Testamento em oito meses, mantidos durante os séculos com alto custo. “Mas este não é o patrimônio da Reforma”, disse o prefeito de Wittenberg em 2002, “mas vocês, luteranos do mundo, que guardam o espírito do Reformador”.

Esse espírito, que tomou a forma da convicção de agarrar valentemente o real (das Wirkliche tapfer ergreifen) em Dietrich Bonhoeffer, levando-o a ajudar na fuga de judeus e cooperar com a resistência alemã ao nazismo, revela essa disposição de contestar a ordem dada, o pensamento definitivo ou a perda da salvação. Esse sequestro de todos os poderes, somados numa só instituição, dominando as instâncias da sociedade e até mesmo o sagrado, leva as pessoas à contestação, à negação e à desconstrução.

Em Lutero isso surge como um agarrar-se a Deus, já que nada há de mais absoluto, de mais definitivo e de mais último do que ele próprio. Mesmo que isso exija negar aquilo que o representa ou desconstruir a estrutura de poder que o sustenta. É aí que se entende o brado: “Deixem Deus ser Deus!”, porque se Ele é o amor, não estará contra nós; se é absoluto, não será controlado através da guerra; se é Castelo Forte, não nos abandonará à dor, ao escárnio ou à violência, porque onde estiver estaremos com ele!

Esse confronto legítimo, que Lutero soube associar à luta dos príncipes alemães, garantiu a existência desses que protestaram diante de Carlos V e se recusaram a participar da procissão de Corpus Christi, sendo chamados de protestantes. As igrejas que surgiram desse movimento foram chamadas evangélicas, no mesmo século que começou com uma igreja e, com a anglicana e a reformada, terminou com quatro, criando uma ruptura no cristianismo ocidental, com maior impacto do que o cisma oriental, no século XI.

Essa ruptura levanta perguntas até nossos dias, agora também estendidas à ordem que equilibra as forças no mundo ocidental. Gianni Vattimo admite crer na Igreja, porque a herdou. Mas se não fosse assim, indaga-se se deveria inventá-la. E constata não ter necessidade de uma igreja para ser religioso. Aí evoca Lutero, que criticava Roma “em nome do Evangelho e da Bíblia, não em nome de outro Evangelho ou outra Igreja”. E conclui: “necessitamos de um novo Lutero. Porém não sou eu”.

Na prática a Reforma nos fez pensar na liberdade, partindo da fé para todas as áreas da vida humana, denunciando o ab-uso do Sagrado como forma de controlar pessoas, sociedades e instituições. Na pós-modernidade as pessoas têm maior relutância em se entregar a uma fé porque “isso é a alma: a vocação pessoal, o interesse pela vida, o modo de ver o mundo. E, se alguém perde a alma, já não tem nada. O religioso é a multiplicidade e não a unidade absoluta”, observou Vattimo.

A pergunta hoje é: como anunciar o evangelho que liberta e ajuda na busca de sentido? A busca se dá na comunhão com Deus, já que instituição “não tem a última palavra sobre o sentido da história, muito menos seu domínio. Antes de possuir o sentido, é ele que a possui e ultrapassa infinitamente. A orientação em face do futuro continua aberta”, ensinou Brighenti, já que uma “instituição ou pessoa não têm o poder de encerrar a história. Têm, sim, a capacidade de atuar em favor da justiça, na perspectiva do Reino, e de inscrever um sentido parcial em seu movimento historicamente ambíguo”. Ser salvo pela graça, a partir da fé, significa em nossos dias confiar-se a Deus e buscar coragem para os dilemas que nos são trazidos.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

"Não nos entregaremos fácil", afirma Kaiowá de Pyelito Kue


Antonio Carlos Ribeiro

Brasília (ALC/Cimi) - Indígenas Kaiowá e Guarani das comunidades de Passo Piraju, Arroio Korá, Potreto Guasu, Laranjeira Nhanderu e, especialmente, Pyelito Kue, do Mato Grosso do Sul, cujo drama comoveu o Brasil e o mundo nesta semana de sociedades que trabalham com direitos humanos ao redor do mundo. Sua atitude firme diante do risco de despejo da aldeia gerou interpretações diferenciadas, a partir do clima tenso criado, entre elas a de um pacto de 'morte coletiva' de 170 pessoas, detacou a nota 1037 do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).


O jornalista Ruy Sposati entrevistou o líder Lopes ou Apykaa Rendy - Trono Iluminado, em Guarani - que é uma das principais lideranças de Pyelito Kue. Ele falou da situação da aldeia, dos problemas, expectativas e da carta que denunciou a situação e provocou diversas mobilizações internacionais.

A comunidade completa um ano de retomada do território no próximo mês, e de novo vive sob a tensão de decisões da Justiça que muda decisões, além de um ano de muitos problemas. "Não temos saída [da aldeia]. As pessoas que estão doentes não têm por onde sair. Não têm recurso. As crianças também não têm onde estudar. Não têm roupa. As cestas da Funai não estão chegando para a gente. Não temos atendimento da Funasa. Mas mesmo assim, nós estamos aqui", contou o líder.

Lopes denunciou ainda os riscos da região. "Estamos em um lugar apertado. Os fazendeiros não querem que a gente abra caminhos, não querem que a gente passe no meio do pasto. Nós atravessamos pelo rio", explicou. "Tudo acontece com a gente. Ameaças, não por indígenas, mas pelo próprio fazendeiro, ameaças pelos pistoleiros, ameaçando a gente. Por isso, nós guerreamos pela nossa terra", denunciou.

Sobre as denúncias de suicídio coletivo, Lopes explica a posição da comunidade. "Não, nós não iremos fazer isso", acrescentando que "se for para a gente se entregar, nós não nos entregaremos fácil. É por causa da terra que estamos aqui, nós estamos unidos com o mesmo sentimento e com a mesma palavra para morrermos na nossa terra. Esta terra é nossa mesmo!"

"Desde o começo que nós entramos lá, estamos firme", insistiu. "A comunidade falou que não vai desistir. Queremos retomar a terra que foi dos nossos avós, onde os nossos parentes morreram. Queremos realmente ocupar essa terra. Viveremos realmente neste lugar! Esta terra não é dos brancos, é nossa e de nossos antepassados. Se a gente perder a nossa vida será por causa da terra", insistiu Lopes.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Aceitamos o amor que cremos merecer


Antonio Carlos Ribeiro

Os traumas da infância não são enfrentados por razões como a inconsciência e a falta de estrutura e condições, registradas no corpo. Antes que ganhem dimensões de expressão, causam danos, provocam sofrimentos e se mostram nas dores da alma. Essa é a estória trazida pelo filme A vantagem de ser invisível, (The Perks of Being a Wallflower, comédia dramática dirigida por Stephen Chbosky, com Logan Lerman, Emma Watson, Ezra Miller e Paul Rudd, Estados Unidos) do mesmo autor do romance, em cartaz a partir de hoje.


Com a história toda ambientada no universo adolescente, a película conta a história de Charlie, um rapaz que tem sérias dificuldades de interação com os colegas da nova escola. Em meio a hostilidades que variam da colega que o chama de ‘Nada’ ao grandalhão que lhe tira um livro das mãos, rasga a capa e joga no chão, expressando mais que simples ingenuidade – sempre sensível – próxima mesmo da indiferença rude.

Ambiente de conflitos não assumidos e nem tratados, Charlie tem uma sensibilidade que se expressa pelo silêncio, pelo isolamento que se impôs desde o suicídio do amigo e pela paixão por Sam, meia irmã de Patrick, que agrega ainda a condição de homossexual, sempre um incômodo para quem se antecipou ao conceito (pré-conceito) e tem um volume de músculos inversamente proporcional ao do cérebro. O silêncio intelectual e a violência, sempre mais requisitada, completam o quadro de conflito tensionado.

Outro cenário em favor de Charlie, e em conflito com o conjunto, é que sua inteligência é percebida pelo professor de literatura. Este se inquieta porque o aluno responde as perguntas no caderno, sem levantar a voz. Isso provoca uma cumplicidade como a de sempre levar livros para casa. Também na contramão da turma. Com o correr do tempo, o professor faz sugestões, pede opiniões e indica novos autores, no ritmo da voracidade intelectual.

Mas os conflitos não lhe exigem pouco, o bullying cresce e a autoestima só está garantida no grupo que o acolhe. Assiste e depois participa de uma peça musical, substituindo o amigo, até que a relação homossexual com o colega gere um conflito familiar, que eclode numa briga de refeitório. Ao ver Patrick apanhando de três rapazes e Sam empurrada por um deles, Charlie agiganta-se emocionalmente, entra no conflito e enfrenta os agressores. O silêncio do grupo, em seguida, também é o seu, já que não lembra do que fez.

A obra ganha ares de atualidade nesta cidade, em que na maior e mais bem avaliada escola católica, um adolescente vítima de estresse continuado precipita-se do 5º andar, como a menina da música Pais e Filhos, do cantor Renato Russo. Drama cotidiano de pais e familiares, vez ou outra faz explodir conflitos, provocando culpas e interesses últimos, dos pais ao Ministério Público, mas logo com os adolescentes voltando a serem as partes mais fragilizadas pelas crises acumuladas.

O personagem chamou a atenção de quem leu o livro. “Ele fala tão naturalmente de como sua vida mudou em nove meses de amizade com Sam e Patrick, descrevendo tão honestamente todas as coisas que experimentou, que viveu e sentiu que a impressão que eu tinha era que as cartas foram escritas para mim”, suscitando sentimentos, especialmente quando “se descobre de certa forma o porquê de alguns bloqueios e rompantes de Charlie”.


A obra consegue segurar a densidade do drama, quando Charlie cresce emocionalmente, pega livros para as férias, não consegue esconder o amor pela moça de quem o namorado se aproveita,  e nem se aproveitar quando tem oportunidade, aceitando até ‘ser substituído’, ao entender que ela  aceita o amor que entende merecer, mesmo que isso provoque certo ‘lamento’.

A integridade dos três atores principais, os sentimentos que mobilizam a cada conflito, e o professor que desiste de mudar para Nova York porque ama as aulas e seus alunos, dão os contornos últimos da película que poderia ter efeitos especiais, explorar a sensualidade e contar uma história mirabolante, mas cujo diretor contentou-se em assegurar a humanidade e contar uma história tocante. 

Stephen Chbosky, autor do livro e diretor do filme é um autor norte-americano e roteirista. Ele levou ao telão o livro As Vantagens de Ser Invisível, publicado em 1999, entre muitas outras tarefas levadas a cabo na TV americana. Por não ser uma obra didática, não almeja educar o leitor ou ensiná-lo a lidar com os conflitos. Despretensioso neste sentido, Chbosky aceita o desafio de contar uma história. Sugiro assistir e apresentar sua opinião.

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=mZyNG6O7apg

sábado, 6 de outubro de 2012

A fúria da juventude, a repressão bestial e a arte de intensidade tropical


Antonio Carlos Ribeiro

A Tropicália atenuou parte da fúria da juventude, ousada e inteligente, frente à bestialidade da repressão. Ao lidar com os sentimentos, através de diversas formas de expressão artística e cultural, atenuou em pequena escala a desumanidade oficial, que quanto mais demente, menos causas tinha e sempre mais consequências. Esse conjunto de manifestações aparece no filme Tropicália (Direção: Marcelo Machado, Produção: Denise Gomes e Paula Cosenza, Roteiro: Di Moretti e Marcelo Machado, Trilha Sonora: Kassin, 82 min., Documentário, Brasil, 2012).


O Tropicalismo ou Movimento Tropicalista foi um movimento cultural surgido da influência de diversas correntes artísticas de vanguarda e da cultura popular nacional e estrangeira, o pop, especialmente o pop-rock e o concretismo. Tomou de empréstimo diversas formas das manifestações tradicionais da cultura brasileira a inovações estéticas radicais. Tinha grupos com objetivos comportamentais, que encontraram eco em boa parte da sociedade, sob o regime militar, em manifestações realizadas no final da década de 1960.

Tendo como maiores expressões Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto, Os Mutantes e Tom Zé, o movimento tropicalista se mostrou principalmente na música, mas teve outras manifestações artísticas, como as artes plásticas, onde se destacou amplamente o artista Hélio Oiticica, o cinema, com destaque para o Cinema Novo de Gláuber Rocha, com as influências que sofreu, e o teatro brasileiro, no qual a grande dramaturgia surgiu nas peças de José Celso Martinez Corrêa, com traços tipicamente anárquicos.

Provavelmente a maior expressão do conjunto do movimento tropicalista foi a canção Tropicália, de Caetano Veloso. Mas o leque de participações artísticas inclui nomes como Capinam, Gal Costa, Gilberto Gil, Glauber Rocha, Guilherme Araújo, Jards Macalé, Jorge Mautner, Júlio Medaglia, Lanny Gordin, Os Mutantes, Rita Lee, Rogério Duarte, Rogério Duprat, Tom Zé, Torquato Neto, Waly Salomão, os mais expressivos.

As circunstâncias da ditadura – sistema autoritário, gente com baixa formação nos governos nomeados por eles, sem humanidade, sensibilidade e, sobretudo criatividade – expunha a Tropicália, até porque ela tinham qualidade. O movimento desperta a atenção não porque se oponha ao regime, mas porque enche os olhos do público, acostumado a coisas sem valor estético como armas, uniformes e AI5. Ao lado disso, figuras tão midiáticas quanto Gil e Caetano, que naturalmente despertaram a atenção.

O filme situa historicamente o fator tempo, recuando para contextualizar seus personagens, período de 1967 a 1969, que cobre um bastante conflituoso e no qual o movimento aconteceu de verdade. Assim, o início da década de 1970 e o exílio de Caetano e Gil na Inglaterra, além da repressão brutal, era uma forma do regime dizer que tinha as rédeas, aliás, uma imagem rural para lidar com um fenômeno culturalmente urbano. Ao focar alguns desses elementos o documentário mostra boa pesquisa e um quadro fiel das manifestações.

A obra não tem intenção didática, mas dar um perfil do conjunto, as manifestações, os principais artistas, a contradição da crítica e a junção desta com a manifestação dos estudantes secundaristas e universitários. O risco e omissão nos detalhes é uma consequência de cobrir um período curto, mas muito intenso de produção cultural, diante de um governo sem mecanismos de gestão do Estado e ameaçado pelo movimento estudantil.

A presença de intelectuais na Tropicália é perturbadora para o regime militar. Não apenas militares, mas mesmo agentes civis eram muito mal formados, o que os fragilizava. Entre os nomes já citados, agregam-se os do escritor José Agripino de Paula, do artista Rubens Gerchman, do músico Jorge Ben e de letristas como Torquato Neto e José Carlos Capinam.

Marcelo Machado faz composições de imagens que integram registros de documentários, reconstruções posteriores do período, notícias de jornais e revistas, as canções dos Festivais de Música, que reúne um significativo volume de informações. O movimento integrou ainda a Jovem Guarda, o cinema de Glauber Rocha, especialmente o filme Terra em Transe, os parangolés e instalações de Hélio Oiticica – que cunhou a expressão tropicália e o teatro de Zé Celso Martinez Corrêa, com a montagem da peça O Rei da Vela, com a linguagem antropofágica de Oswald de Andrade – ao incorporar estrangeirismos e recriá-las na língua nacional.

A montagem dos diversos fragmentos na obra deve ter sido prazerosa para Oswaldo Santana. Imagens, trilha sonora, recortes de noticiário, cartazes, fotos e depoimentos foram a matéria prima de Tropicália. Essas sequências, cadenciadas com o ritmo das músicas e os sinais letais da repressão dão o tom. A outra vem dos ‘devaneios’ reproduzidos através de cores psicodélicas na tela, as animações criativas e fotos de pessoas, situações e cenas que marcaram época. As imagens montadas vão te reconduzir ao fim dos anos 60. A emoção pode ser forte! Preparados?

http://www.youtube.com/watch?v=Icb1y0K_tPg&feature=player_embedded

domingo, 30 de setembro de 2012

Os evangélicos e o voto


Antonio Carlos Ribeiro

O debate em torno da campanha eleitoral tem como questão de fundo o exercício da autoridade, para o qual se necessita de Autoridade. Antes de estar associada a um nome, a autoridade supõe uma linha de sustentação legítima que implica o estatuto da função a exercer, a base social-política - atuar em nome do conjunto da sociedade e representar a polis - e ter claro que a tarefa não é conquista pessoal ou posse, mas fundamentalmente conquista da confiança, baseada em princípios, e que pode ser negada do mesmo modo como foi concedida. Melhor ainda a tarefa é datada, situada e circunscrita aos limites do cargo que a coletividade atribui ao postulante, para atuar em seu nome e não a despeito dele.


Por isso, o texto do apóstolo Paulo a respeito (Romanos 13.1, 2) é significativo para as pessoas de fé e até as que não creem. “Toda pessoa esteja sujeita às autoridades superiores, pois não há autoridade que não venha de Deus. As autoridades que há foram ordenadas por Deus. Por isso quem resiste à autoridade resiste à ordenação de Deus, e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação”.

A autoridade supõe a legitimidade da condição humana, razão pela qual quem a exerce também está submetido. Aqui começam os conflitos da sociedade que passou pela ditadura, mas não tem decência (dec, decor, do latim beleza). É um critério estético, de quem quer ser bem visto. Já sofremos a humilhação de ter as elites mais fechadas, obtusas e sem visão social da modernidade. Em consequência fomos o último país a abrir mão da escravidão, no fim do século XIX. E nos últimos 40 anos, sem ter caráter sequer para debater a ditadura e se defrontar com o passado. Até porque fazer isso nos faria lidar com males como a tortura, a corrupção, a violência, e os golpismos dos meios de comunicação... Que não temem ninguém! Ou melhor, só o wikileaks!

No tempo de Jesus o que os demônios mais temem é o diálogo. Eles fogem, se escondem, vão para os túmulos ou entram na manada de porcos que se precipita no mar, por saberem que milhares de monólogos não equivalem a um diálogo. Aliás, quem come carne de porco na Palestina? Até onde se sabe, apenas as tropas romanas lá estacionadas. Mais: qual é a moeda tirada da boca do peixe e mostrada a Jesus? O denário, que valia um dia de trabalho e era usado para cobrar impostos na Palestina. E Jesus mandou dar a César a única coisa que ele tinha: a moeda, com a qual explorava, já que a terra era dádiva de Jahweh.

Para um rabino pobre e nômade, Jesus é um jovem inteligente, sensível e falante. Ele pensa rápido, ora e prega. E assim, estabelece relações e dialoga com as pessoas. E o povo o ouve. A razão é simples: esse rabino tem boa teologia. E boa teologia não é só um discurso sobre o Sagrado, é uma fala que começa em O Sagrado e perpassa todos os sagrados da nossa vida (o alimento, o trabalho, o descanso, o amor, o cuidado e os espaços de vida, à volta), sintetizados, segundo Lutero, na expressão Pão Nosso, na oração do Pai Nosso. A teologia que merece o nome de tal, parte da realidade e a ela retorna, ensinou o metodista José Míguez Bonino.

"Sou apolítico. Não gosto de política. Sou neutro”. Então está morto. Na função pastoral, um serviço que não é educado oferecer é o sepultamento eclesiástico, por óbvio. Portanto, todos fazemos política o tempo todo. Até usar esse discurso é fazer política... ruim, sem debate, de má qualidade. Política é como respiração. A gente respira e conspira. Política refere-se ao exercício de alguma forma de poder, como nos ensina Bertold Brecht em "O Analfabeto Político”, nos mostrando que “a política, como vocação, é a mais nobre das atividades; como profissão, a mais vil”.

"Diga-me com quem andas...”. Quem os financiam? Fujam das candidaturas ricas, as que têm as maiores campanhas. Fujam dos candidatos que pagam cabos eleitorais. Esses fazem política como negócio. Investem na campanha para lucrar depois com as benesses que ganharão do poder público. Vejam a vida pregressa dos que se oferecem candidamente à função. E os partidos? Também. Tem compromisso?, tem proposta?, não tem corrupção?
Como lembrou Malcolm Muggeridge, só os peixes mortos nadam com a correnteza (Nur tote Fische, schwimmen mit dem Strom), especialmente na ‘piracema’, quando a vida da espécie está em jogo. Então aí, é dever evangélico falar, denunciar.

Lembrem de Tiago 1.27:  “a religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo”. A palavra não é religião, é adoração (latria), lembro-me bem do Prof. Darci Dusilek nos ensinando isso em Teologia Sistemática.

Um líder religioso que apoia candidatos comprometidos consigo mesmo e com os “amigos”, está diante de um dilema: 1 (concedendo o benefício da dúvida) é o ingênuo, tolo, sem horizonte de visão – sobretudo teologicamente, e assim não serve sequer à atividade pastoril [os europeus preferem cães pastores], quanto mais à pastoral. Ou, 2 é mau-caráter, ideologicamente corrompido, e então comprometido, que não serve sequer ao esperto (mercenário) após o pleito. É apenas necessário, já que se torna a conditio sine qua non para a atuação do mercenário. O rabino de Nazaré, era pobre e nômade, mas nos deixou o ensino de mover-se sempre a partir do absoluto do Pai. E ao agir assim, tudo o mais se tornou relativo!


segunda-feira, 24 de setembro de 2012

As paredes e as muitas falas


Antonio Carlos Ribeiro

O espetáculo teatral Contos para as paredes, apresentado pela atriz Joana Ferry, reconstrói o ambiente do claustro através do discurso, da gestualidade e da leitura de certo religioso clássico, com as marcas da inserção dos personagens e da forte atualidade. Seja pelo monólogo, alternando a narrativa com a fala dos personagens, seja pelas situações com enredo emocional correlato, seja pela recriação da aura das paredes da foto do programa.

As paredes são parte significativa do espetáculo por serem a interface visual do tema tratado. E, mais, por lembrarem os muros que escondem situações, protegendo do olhar público o que supõe a penumbra para ser contemplado, compondo espaços ‘sagrados’ em construções sacras e com registros de cultura nas clássicas, que servem para guardar o que não pode vir à luz.


Ao mesmo tempo, os monólogos de Joana Ferry possibilitam que as paredes dos diversos claustros sejam rompidas, criando o acesso do público a esse conteúdo de natureza espiritual – mais que apenas religioso – reelaborado a partir das literaturas portuguesa, espanhola e russa. A densidade espiritual do que é dito, somado ao significado literário dos autores, transportam o impacto da mística à cultura.

Os contos já revelam certa rebeldia, ao arrancar para fora do claustro – seja uma ilha, uma cidade ou um mosteiro cluniacense do século XII – os aspectos da vida tensa e densa dos que abandonam a vida dos seres humanos para buscar a mneme (memória), diária e ininterruptamente ao encontro do sagrado, que lhes permite voltar à vida dos outros seres humanos para lhes sinalizar o caminho da busca de sentido.

Escritos em forma mesma de conversa com a própria alma, esses solilóquios trazem as marcas dos diálogos profundos, através dos escritos remotos de mestres – da literatura russa, Leon Tolstoi, com Três Eremitas e Onde Existe o Amor, Deus Aí Está; da literatura espanhola, Leopoldo Lugones, com A Estátua de Sal; e da literatura portuguesa, Eça de Queirós, com Frei Genebro – reconhecidos por sua expressão na literatura. 

A este quarto trabalho calmo, conciso e consistente de Joana Ferry, soma-se a contribuição do diretor Evandro Meirelles Santos, que acrescenta densidade à atuação, ao lembrar que “o ator, sem fé no ofício, despreza a solidez das paredes do teatro. Esquece que elas existem há séculos, à espera que as palavras ali guardadas sejam colhidas com cuidado. O texto é, portanto, o senhor do jogo. Só ele deve sobressair no palco”.


O espetáculo dedicado à exposição das paredes da Igreja mostra outro aspecto da personalidade da atriz, sua formação psicanalítica, na qual o próprio diretor também tem participação. Santos, valendo-se da textura mesma dos textos encenados, observa que há muitos anos ele fala para as paredes. Mas nos últimos 20 anos, Joana Ferry está entre os que decodificam essas palavras através do eco das paredes.

Ainda sem patrocínio, Joana se inscreve entre aqueles profissionais que vivem da confiança última no trabalho que escolheram, e da busca permanente de seu aprimoramento através do palco, das luzes, das cenas, mas, sobretudo do rigor do texto, onde a qualidade é o mais importante.


quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Sociólogo português relaciona violência de gênero com atavismo cultural


Antonio Carlos Ribeiro

Rio de Janeiro – O sociólogo e professor Manuel Lisboa, da Universidade Nova de Lisboa, relaciona a violência contra as mulheres como um atavismo cultural forte, que tenta codificar até mesmo a relação entre pessoas do mesmo sexo. A afirmação foi feita em aula ministrada nesta terça-feira, dia 18, na Cátedra UNESCO de Leitura, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).


Lisboa, que participou da banca de doutorado de Moíza Fernandes Almeida, do curso de Letras da PUC-Rio, é Licenciado, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa. Além dessa formação, é especializado em Sociologia das Organizações, Sociologia do Gênero e da Vida Privada, e Metodologia de Investigação Sociológica. Segundo ele, seu país é um exemplo de como “foi possível passar de um lugar tradicional e conservador, até 1974, para um país que adota políticas de igualdade de direitos para as mulheres a partir dos anos 80”.

Ele relaciona o tema da violência contra as mulheres com a violência no âmbito dos direitos humanos. E afirma categoricamente que ela não é estrutural, mas conjuntural, mesmo que esta noção seja combatida nos domínios jurídicos e policiais. E reforça o argumento dizendo que “até a procura das causas que produzem e reproduzem a violência e intervenção situa-se mais na prevenção”.

Ele observa que a investigação científica desempenhou um papel fundamental, descobrindo que o fenômeno é holístico. Por esta razão, dimensões separadas do mesmo fenômeno não dão conta. Informou que primeiro estudo de âmbito nacional sobre a violência contra as mulheres em Portugal é de 1995, desenvolvido por uma equipe de investigação da Universidade Nova de Lisboa.

Entre as descobertas está que uma a cada duas mulheres é vítima de pelo menos um ato de violência física, psicológica e sexual. Que a grande maioria dos atos ocorre no espaço familiar da casa. Que só menos de 1% das vítimas recorre à polícia e aos tribunais, mesmo que a legislação de 1991 já penalizasse grande parte dos atos. E que a vitimação em geral é transversal a todos os estratos sociais e faixas etárias.

Há ainda estudos da década de 2000 mostrando a violência extrema, detectada nos Institutos de Medicina Legal, tem a incidência dos custos da violência sobre a família, na atividade profissional, na saúde e na educação. Foi feita a comparação dessa violência de homens contra mulheres, detctando suas causas socioculturais. Segundo ele, os Institutos de Medicina Legal mostram que as trajetórias da violência podem vir desde a fase do namoro e, consequentemente, os filhos são vítimas diretas, E, que mis de 90% dos filhos assistem à agressão contra as mães.

Já existem cálculos estimativos dos custos individuais da violência entre familiares e amigos, e colegas de profissão, com danos à saúde física e psicológica, e efeitos sobre o processo educativo. Segundo Lisboa, a combinação deste conjunto de evidências demonstra a causas socioculturais da violência, que essa violência contra mulheres é de gênero, e que se desdobra nas denúncias de violência contra as mulheres e contra homens mostrada nos estudos feitos entre 2007 e 2010.

Em relação ao local, o professor mostra que o local mais frequente da violência são a casa e locais públicos e de trabalho e que a reação das vítimas vem da violência exercida contra as mulheres, tendo como pano de fundo a desigualdade de gênero, que surge nos papeis sociais e nos valores e modelos estigmatizados que condicionam a ação dos agressores e das vítimas. A pesquisa revelou que os opressores agem segundo os modelos mais ‘esteriotipados’ da masculinidade. E por último, as chamadas vítimas da feminilidade. A conclusão geral é que “a violência contra as mulheres é realmente de gênero”, enfatizou o palestrante.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Caminhos possíveis à vigília na adolescência


Antonio Carlos Ribeiro

O filme Insônia (drama, Brasil-Argentina, dir. Beto, com Lara Rodrigues, Daniel Kusnieka e Luana Piovani, 90 min), que ainda entrará em exibição para o grande público, trata do mundo insone dos adolescentes.  Baseada na obra homônima de Marcelo Carneiro da Cunha, reeditada pela Projeto Editora, a película trata da dificuldade de adaptação cultural.


A história narra o cotidiano do drama de filhos de brasileiros e seus cônjuges argentinos e uma peculiaridade: a dificuldade de adaptação cultural por razões emocionais. Histórias conjugadas de fugas, ajudas recíprocas, acolhimento e novo campo de trabalho, ou como neste caso, da viuvez inesperada. Retornar é voltar à dor e por isso segue sendo postergado ad infinitum.

A história é ambientes em cidades do sul do Brasil, cujo território fronteiriço, certo ambiente cultural composto de estancieiros, prendas, peões, escravos e índios dão um tecido histórico dos limites, demarcados a ferro e fogo. Mas, superados conflitos como a revolução farroupilha, ficou uma cultura rica, que os jovens passaram a reinventar nos blogs e websites, trocando toda sorte de experiência com registro eletrônico e distribuída em forma de kbytes.

É justo esse ritmo insone, da pressa acelerada, de relações que reengrenam com novos pares entre pais e mães, que se estabelece a trama com novo desenho, criadora de novas sintaxes e codificadora de novas estéticas, que o diretor do filme abusou criativamente. As cenas têm rupturas rápidas, novos planos se sobrepõem, desenhos animados sobre imagens para distinguir o real do sonho, e o ambiente da adolescência, em que conflitos tomam  a dimensão de ondas insuperáveis.

O enredo entrelaça a solidão do pai, a forte amizade entre a filha e uma colega, uma pessoa que conhecem num clube e as teias em que pontas aparentemente soltas começam a conectar a outras, fechando clarões no tecido complexo, fazendo a história ganhar ritmo, surpresas e emoções. A narrativa adota uma linguagem ágil, uma estética cibernética e um universo virtual ainda mais rápido de troca de informações, para chegar aos jovens.

A conversa com o autor do livro flui como as imagens das ruas das cidades às rodovias gaúchas, partindo de shopping centers para descobrir clubes rurais, onde intelectuais se reúnem para conferências, alguns levando os filhos. Nesses ambientes brotam relacionamentos que crescem, se firmam no enfrentamento de conflitos, através de conversas, da disposição de canais abertos, ambientados em tomadas que vão dos armazéns do Rio Guaíba, em Porto Alegre, a praças, monumentos e pontes em Buenos Aires.

Isento de cenas dramáticas fortes e tensão acima do suportável, Insônia encanta pela beleza, pela gestão dos conflitos familiares, pela história verossímil e pelo elenco que, mesmo tendo apenas uma atriz de projeção nacional, Luana Piovani, tem um desempenho bom e propicia uma história densa, mas palatável e com algumas surpresas. Para quem tem filhos adolescentes ou trabalha diretamente com esse público no Brasil, é uma obra plenamente recomendável.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A emoção da amizade possível

Antonio Carlos Ribeiro

O filme Intocáveis (Intouchables - dir. Eric Toledano, Olivier Nakache, com François Cluzet, Omar Sy, Anne Le Ny, comédia, França) tem arrancado aplausos insistentes das plateias. Diferente da versão anterior, a intocabilidade não resulta do pleno poder dado a policiais para investigarem a rede criminosa de Al Capone em Chicago nos anos 30, nem da condição dos párias, pessoas pertencentes ao grupo mais simples e socialmente discriminado na Índia, que sequer faz parte de uma classe social. Mas, pelas mesmas vergonhosas razões, para descrever um homem rico e culto, e jovem negro, simples e autêntico, que com ele partilha a cumplicidade na luta pela vida.


Trata-se da relação de trabalho – na qual as pessoas não estão imunizadas da condição humana, ao contrário, podem atuar por causa dela – em que o aristocrata rico Philippe (François Cluzet), tetraplégico por causa de um acidente após a perda da mulher amada, contrata Driss (Omar Sy), um jovem negro, descendente dos povos colonizados pelos franceses, para ser seu condutor, mesmo não tendo experiência no atendimento a deficientes físicos.

Driss é escolhido após uma lista de candidatos, após saltar na frente apenas para conseguir uma assinatura para que possa recorrer ao seguro desemprego, e por isso sem os cuidados básicos para tratar ricos como semideuses, ser formalmente educado e cumprir as tarefas que lhe cabem. Ah, e se possível, ter alguma empatia com a pessoa de quem vai cuidar até durante o sono. Do empregado, claro.

E então, acontece o possível, mas no mais das vezes, inimaginável. O aristocrata tem sensibilidade humana, percebe a naturalidade do empregado, ri de sua linguagem e das suas expressões culturais, diverte-se com sua espirituosidade e, a despeito dos cuidados e cautelas dos que o cercam, decide contratá-lo.

Qualidades o distinguia dos que o cercavam. O empregado não tem piedade dele, nem o trata como uma babá, interage em situações do cotidiano, tem uma autenticidade que conquista sua confiança e, da qual surge a cumplicidade imprevista, e depois a amizade. Driss na realidade está descrente das possibilidade e quer apenas um atestado para solicitar o auxílio desemprego do governo. Já esteve preso, tem uma conduta conturbada, mas mesmo assim Philippe o contrata e os dois desenvolvem um vínculo forte, unindo valores e descobertas do conflituoso entrechoque dos mundos distintos.

O público se diverte, assiste o filme com emoção, o enredo toca em situações limítrofes das perspectivas em contradição. De um lado, a ousadia e as novidades trazidas por quem tem uma visão desobrigada dos deveres da aristocracia, e de outro, o rico que encontra uma amizade autêntica, desinteressada e sem valer-se da convivência e das proximidades econômicas do outro. Depois começou a segunda parte irônica da película: perceber como a imprensa informada por valores elitista lidou com o tema.

Os primeiros comentários diziam que o enredo é plausível mas muito improvável. Outros disseram que roteirista, diretor e produtores fizeram uma aposta grande. Engendraram riscos mil ao contar o que seria um drama – redimir um tetraplégico rico pelas façanhas do ‘bobo da corte’ – onde histórias de superação que a Europa se acostumou a ver durante séculos. E que o Brasil começou a vivenciar na última década.

As suspeitas, as emendas descabidas e os limites que ‘não poderiam ser superados’ nos dramas reais do cotidiano, pretendia ensinar a imprensa da axiologia ‘correta’. E finalmente uma surpresa agradável para a maioria dos que viram o filme: ele agradou ao público e à crítica, arrancou aplausos, não terminou em tragédia e dramas intermináveis, e começou a levantar suspeitas sobre o enredo que aproxima um rico e doente de um negro, simpático e espirituoso.

Quase chegando à tragédia, houve quem indagasse se seria um drama, enfatizando o sofrimento do ‘condenado’ à cadeira de rodas e de um pobre sem teto e com familiares em conflito com a lei. Com uma suspeita remota e desconsiderada de que a amizade surgida dos dramas cotidianos pode ajudar na superação de sofrimentos. Mais que isso, empolga pessoas diferentes, mostrando o elo entre amigos de universos que têm na colisão o momento de reconstrução de novos cenários, ricos e propositivos.

Ao começar a filmar Intocáveis, os diretores Eric Toledano e Olivier Nakache não tinham completa certeza de estar no caminho certo, embora soubessem que era um grande papel para um comediante que já fez três filmes sob sua direção. E que tem crescido artisticamente. Daí ao fato do filme ter se tornado um sucesso, para alguns um fenômeno, é uma sequência de ganhos imprevistos e surpreendentes.

Ter se tornado a segunda maior bilheteria da história do cinema francês – o povo que venceu uma copa de futebol por ter a base do time com integrantes das antigas colônias – desaprendida na copa seguinte e com problemas de discriminação e desrespeito a imigrantes ter feito perder jogos praticamente ganhos, com cenas patéticas como a rejeição da solidariedade do técnico brasileiro, já tendo sido visto por 19 milhões de pessoas, atrás dos 25 milhões de espectadores de A Riviera Não É Aqui, de Dany Boon.

Uma expectativa de Toledano é ganhar o público brasileiro, no qual o Tropa de Elite 2, de José Padilha, é o filme mais visto, com 12 milhões de expectadores. O que torna o Brasil um mercado preferencial do cinema francês, com um público que privilegia o cinema de autor. Nas duas últimas semanas, Intocáveis já cruzou os principais mercados brasileiros, com muito aplauso no Rio, São Paulo, Porto Alegre e Recife.

Indagado sobre a fórmula, negou sua existência e rebateu críticos dos EUA, que “nos acusaram de ser manipuladores, imagine, logo os norte-americanos, que manipulam tanto com o cinema deles. Mas é compreensível. Eles dominam o mercado de cinema no mundo, não podiam aceitar que a gente entrasse num território que é deles, o das duplas birraciais", falando da “força da amizade e superando os limites”.

http://www.youtube.com/watch?v=FpwuGtn8aGA&feature=player_embedded

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Merkel e Hollande debatem euro, homossexualidade e casamento

Antonio Carlos Ribeiro

Berlim – A chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente da República Francesa, François Hollande, se reuniram esta semana para debater a crise no Euro. Ela está disposta a fazer esforços para assegurar a moeda. Ele disse querer abrir "um novo caminho na Europa". Divergências dos líderes das maiores economias europeias tocou no casamento homossexual e na reação da Igreja Católica.


De tradição evangélica e filha de pastor, Merkel está determinada a manter a estabilidade da moeda europeia. Já Hollande, lembrou que o país “sempre soube superar os desafios", falou da dívida, do crescimento frágil, do desemprego, da falta de competitividade, do casamento homossexual e da adoção de crianças.

Merkel joga na cadência da correlação de forças políticas, na desigualdade Baviera-Saxônia e na atuação de um presidente ex-pastor. Já Hollande fez mudanças estruturais, vendeu parte da frota oficial, diminuiu salários em alguns postos, organizou a economia e cortou recursos, incluídos € 2,3 milhões da Igreja Católica.

O arcebispo de Paris e presidente da Conferência Episcopal Francesa, cardeal André Vingt-Trois, decidiu romper a tradição de laicidade e pediu orações "por aqueles e aquelas que foram recentemente eleitos para legislar e governar: que o seu senso do bem comum da sociedade prevaleça sobre demandas particulares e que tenham a força de seguir as indicações da sua consciência", sem garantias da audição divina.

Já Hollande soube, por pesquisa recentemente publicada, que 65% dos franceses é favorável ao casamento homossexual, e 53 à adoção. O casamento homossexual já é legal em vários países europeus católicos, como Portugal e Espanha.

Merkel parece jogar numa conjuntura conservadora, torcendo pela inexistência de conflitos, especialmente políticos e sociais, mas com os olhos nos índices da economia. Já o presidente francês gostou ao saber que uma jovem considera “que o que há de melhor para uma criança é um pai e uma mãe, mas isso não significa que os homossexuais sejam rejeitados da igreja”.

O Governo de Hollande causou impacto nos últimos meses. Milhões de euros que financiavam escolas privadas foram usados na construção de 4.500 creches e 3.700 escolas fundamentais. Além de recuperar a infraestrutura nacional, tem proposta que desagrada à Igreja: casamento homossexual, adoção e eutanásia.

A reação da Igreja, de orar pedindo senso de bem comum, propôs uma oração para crianças e jovens, pedindo "para que deixem de ser o objeto dos desejos e dos conflitos dos adultos para se beneficiarem plenamente do amor do pai e da mãe", uma crítica se dirige “aos genitores", que agora podem ser dois pais ou duas mães.

Hollande leiloou carros oficiais, aboliu o carro da empresa, usou dinheiro para criar institutos e garantir o emprego de 2560 jovens cientistas desempregados. Aboliu o paraíso fiscal, decretou a taxa de emergência de aumento de 75% de impostos para famílias que ganham mais de 5 milhões de euros/ano. Com esse dinheiro e sem um euro do orçamento, contratou 59.870 diplomados desempregados, 6.900 a partir de 1 de julho e de 2012, e outros 12.500 em 1 de setembro, como professores na rede pública.

Aprovou o "bonus-cultura", permitindo pagar zero de impostos se criar uma cooperativa, abrir uma livraria ou contratar licenciados desempregados, economizar dinheiro de gastos públicos e contribuir para o emprego e o novos investimentos. Substituiu subsídios estatais para revistas, fundações e editoras por "empreendedores estatais" de atividades culturais com base nos planos de negócios e estratégias de marketing avançado.

Aos bancos, Hollande deu uma escolha, sem impostos: quem fizer empréstimos bonificados às empresas francesas que produzem bens, recebe benefícios fiscais. Quem oferecer investimentos financeiros, pagará taxa adicional: pegar ou sair. E reduziu 25% do salário dos funcionários do executivo, 32% dos deputados e 40% dos funcionários públicos com mais de € 800.000/ano.

Merkel usa as políticas próprias de seu partido. Não recebe críticas da Igreja, por ter no presidente - um pastor aposentado, o presidente. E não abandonou os esforços para proteger a moeda e a Comunidade Europeia. Já o líder francês tem preocupações mais objetivas: desonerar a folha de pagamentos, garantir empregos de cientistas e técnicos e cuidar de minorias desprivilegiadas. E a Igreja francesa, cuja laicidade não resistiu ao corte orçamentário -  volta a tentar envolver-se em questões de Estado, atitude posta sob suspeita.

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