sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Aceitamos o amor que cremos merecer


Antonio Carlos Ribeiro

Os traumas da infância não são enfrentados por razões como a inconsciência e a falta de estrutura e condições, registradas no corpo. Antes que ganhem dimensões de expressão, causam danos, provocam sofrimentos e se mostram nas dores da alma. Essa é a estória trazida pelo filme A vantagem de ser invisível, (The Perks of Being a Wallflower, comédia dramática dirigida por Stephen Chbosky, com Logan Lerman, Emma Watson, Ezra Miller e Paul Rudd, Estados Unidos) do mesmo autor do romance, em cartaz a partir de hoje.


Com a história toda ambientada no universo adolescente, a película conta a história de Charlie, um rapaz que tem sérias dificuldades de interação com os colegas da nova escola. Em meio a hostilidades que variam da colega que o chama de ‘Nada’ ao grandalhão que lhe tira um livro das mãos, rasga a capa e joga no chão, expressando mais que simples ingenuidade – sempre sensível – próxima mesmo da indiferença rude.

Ambiente de conflitos não assumidos e nem tratados, Charlie tem uma sensibilidade que se expressa pelo silêncio, pelo isolamento que se impôs desde o suicídio do amigo e pela paixão por Sam, meia irmã de Patrick, que agrega ainda a condição de homossexual, sempre um incômodo para quem se antecipou ao conceito (pré-conceito) e tem um volume de músculos inversamente proporcional ao do cérebro. O silêncio intelectual e a violência, sempre mais requisitada, completam o quadro de conflito tensionado.

Outro cenário em favor de Charlie, e em conflito com o conjunto, é que sua inteligência é percebida pelo professor de literatura. Este se inquieta porque o aluno responde as perguntas no caderno, sem levantar a voz. Isso provoca uma cumplicidade como a de sempre levar livros para casa. Também na contramão da turma. Com o correr do tempo, o professor faz sugestões, pede opiniões e indica novos autores, no ritmo da voracidade intelectual.

Mas os conflitos não lhe exigem pouco, o bullying cresce e a autoestima só está garantida no grupo que o acolhe. Assiste e depois participa de uma peça musical, substituindo o amigo, até que a relação homossexual com o colega gere um conflito familiar, que eclode numa briga de refeitório. Ao ver Patrick apanhando de três rapazes e Sam empurrada por um deles, Charlie agiganta-se emocionalmente, entra no conflito e enfrenta os agressores. O silêncio do grupo, em seguida, também é o seu, já que não lembra do que fez.

A obra ganha ares de atualidade nesta cidade, em que na maior e mais bem avaliada escola católica, um adolescente vítima de estresse continuado precipita-se do 5º andar, como a menina da música Pais e Filhos, do cantor Renato Russo. Drama cotidiano de pais e familiares, vez ou outra faz explodir conflitos, provocando culpas e interesses últimos, dos pais ao Ministério Público, mas logo com os adolescentes voltando a serem as partes mais fragilizadas pelas crises acumuladas.

O personagem chamou a atenção de quem leu o livro. “Ele fala tão naturalmente de como sua vida mudou em nove meses de amizade com Sam e Patrick, descrevendo tão honestamente todas as coisas que experimentou, que viveu e sentiu que a impressão que eu tinha era que as cartas foram escritas para mim”, suscitando sentimentos, especialmente quando “se descobre de certa forma o porquê de alguns bloqueios e rompantes de Charlie”.


A obra consegue segurar a densidade do drama, quando Charlie cresce emocionalmente, pega livros para as férias, não consegue esconder o amor pela moça de quem o namorado se aproveita,  e nem se aproveitar quando tem oportunidade, aceitando até ‘ser substituído’, ao entender que ela  aceita o amor que entende merecer, mesmo que isso provoque certo ‘lamento’.

A integridade dos três atores principais, os sentimentos que mobilizam a cada conflito, e o professor que desiste de mudar para Nova York porque ama as aulas e seus alunos, dão os contornos últimos da película que poderia ter efeitos especiais, explorar a sensualidade e contar uma história mirabolante, mas cujo diretor contentou-se em assegurar a humanidade e contar uma história tocante. 

Stephen Chbosky, autor do livro e diretor do filme é um autor norte-americano e roteirista. Ele levou ao telão o livro As Vantagens de Ser Invisível, publicado em 1999, entre muitas outras tarefas levadas a cabo na TV americana. Por não ser uma obra didática, não almeja educar o leitor ou ensiná-lo a lidar com os conflitos. Despretensioso neste sentido, Chbosky aceita o desafio de contar uma história. Sugiro assistir e apresentar sua opinião.

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=mZyNG6O7apg

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