segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A emoção da amizade possível

Antonio Carlos Ribeiro

O filme Intocáveis (Intouchables - dir. Eric Toledano, Olivier Nakache, com François Cluzet, Omar Sy, Anne Le Ny, comédia, França) tem arrancado aplausos insistentes das plateias. Diferente da versão anterior, a intocabilidade não resulta do pleno poder dado a policiais para investigarem a rede criminosa de Al Capone em Chicago nos anos 30, nem da condição dos párias, pessoas pertencentes ao grupo mais simples e socialmente discriminado na Índia, que sequer faz parte de uma classe social. Mas, pelas mesmas vergonhosas razões, para descrever um homem rico e culto, e jovem negro, simples e autêntico, que com ele partilha a cumplicidade na luta pela vida.


Trata-se da relação de trabalho – na qual as pessoas não estão imunizadas da condição humana, ao contrário, podem atuar por causa dela – em que o aristocrata rico Philippe (François Cluzet), tetraplégico por causa de um acidente após a perda da mulher amada, contrata Driss (Omar Sy), um jovem negro, descendente dos povos colonizados pelos franceses, para ser seu condutor, mesmo não tendo experiência no atendimento a deficientes físicos.

Driss é escolhido após uma lista de candidatos, após saltar na frente apenas para conseguir uma assinatura para que possa recorrer ao seguro desemprego, e por isso sem os cuidados básicos para tratar ricos como semideuses, ser formalmente educado e cumprir as tarefas que lhe cabem. Ah, e se possível, ter alguma empatia com a pessoa de quem vai cuidar até durante o sono. Do empregado, claro.

E então, acontece o possível, mas no mais das vezes, inimaginável. O aristocrata tem sensibilidade humana, percebe a naturalidade do empregado, ri de sua linguagem e das suas expressões culturais, diverte-se com sua espirituosidade e, a despeito dos cuidados e cautelas dos que o cercam, decide contratá-lo.

Qualidades o distinguia dos que o cercavam. O empregado não tem piedade dele, nem o trata como uma babá, interage em situações do cotidiano, tem uma autenticidade que conquista sua confiança e, da qual surge a cumplicidade imprevista, e depois a amizade. Driss na realidade está descrente das possibilidade e quer apenas um atestado para solicitar o auxílio desemprego do governo. Já esteve preso, tem uma conduta conturbada, mas mesmo assim Philippe o contrata e os dois desenvolvem um vínculo forte, unindo valores e descobertas do conflituoso entrechoque dos mundos distintos.

O público se diverte, assiste o filme com emoção, o enredo toca em situações limítrofes das perspectivas em contradição. De um lado, a ousadia e as novidades trazidas por quem tem uma visão desobrigada dos deveres da aristocracia, e de outro, o rico que encontra uma amizade autêntica, desinteressada e sem valer-se da convivência e das proximidades econômicas do outro. Depois começou a segunda parte irônica da película: perceber como a imprensa informada por valores elitista lidou com o tema.

Os primeiros comentários diziam que o enredo é plausível mas muito improvável. Outros disseram que roteirista, diretor e produtores fizeram uma aposta grande. Engendraram riscos mil ao contar o que seria um drama – redimir um tetraplégico rico pelas façanhas do ‘bobo da corte’ – onde histórias de superação que a Europa se acostumou a ver durante séculos. E que o Brasil começou a vivenciar na última década.

As suspeitas, as emendas descabidas e os limites que ‘não poderiam ser superados’ nos dramas reais do cotidiano, pretendia ensinar a imprensa da axiologia ‘correta’. E finalmente uma surpresa agradável para a maioria dos que viram o filme: ele agradou ao público e à crítica, arrancou aplausos, não terminou em tragédia e dramas intermináveis, e começou a levantar suspeitas sobre o enredo que aproxima um rico e doente de um negro, simpático e espirituoso.

Quase chegando à tragédia, houve quem indagasse se seria um drama, enfatizando o sofrimento do ‘condenado’ à cadeira de rodas e de um pobre sem teto e com familiares em conflito com a lei. Com uma suspeita remota e desconsiderada de que a amizade surgida dos dramas cotidianos pode ajudar na superação de sofrimentos. Mais que isso, empolga pessoas diferentes, mostrando o elo entre amigos de universos que têm na colisão o momento de reconstrução de novos cenários, ricos e propositivos.

Ao começar a filmar Intocáveis, os diretores Eric Toledano e Olivier Nakache não tinham completa certeza de estar no caminho certo, embora soubessem que era um grande papel para um comediante que já fez três filmes sob sua direção. E que tem crescido artisticamente. Daí ao fato do filme ter se tornado um sucesso, para alguns um fenômeno, é uma sequência de ganhos imprevistos e surpreendentes.

Ter se tornado a segunda maior bilheteria da história do cinema francês – o povo que venceu uma copa de futebol por ter a base do time com integrantes das antigas colônias – desaprendida na copa seguinte e com problemas de discriminação e desrespeito a imigrantes ter feito perder jogos praticamente ganhos, com cenas patéticas como a rejeição da solidariedade do técnico brasileiro, já tendo sido visto por 19 milhões de pessoas, atrás dos 25 milhões de espectadores de A Riviera Não É Aqui, de Dany Boon.

Uma expectativa de Toledano é ganhar o público brasileiro, no qual o Tropa de Elite 2, de José Padilha, é o filme mais visto, com 12 milhões de expectadores. O que torna o Brasil um mercado preferencial do cinema francês, com um público que privilegia o cinema de autor. Nas duas últimas semanas, Intocáveis já cruzou os principais mercados brasileiros, com muito aplauso no Rio, São Paulo, Porto Alegre e Recife.

Indagado sobre a fórmula, negou sua existência e rebateu críticos dos EUA, que “nos acusaram de ser manipuladores, imagine, logo os norte-americanos, que manipulam tanto com o cinema deles. Mas é compreensível. Eles dominam o mercado de cinema no mundo, não podiam aceitar que a gente entrasse num território que é deles, o das duplas birraciais", falando da “força da amizade e superando os limites”.

http://www.youtube.com/watch?v=FpwuGtn8aGA&feature=player_embedded

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