sábado, 7 de julho de 2012

Ao serem lembradas, são histórias

Antonio Carlos Ribeiro

O filme é humano, olhar feminino, embebido na cultura brasileira – das pessoas e da cidade à leitura iconográfica – e mostrando a fotografia como o registro do momento que , de tão belo provoca no público a ‘tentação’ de não querer que acabe. Histórias que só existem quando lembradas provoca até mesmo a ânsia de evitar a morte do momento, como ensinou Susan Sontag, e que a gente percebe quando as pessoas aplaudem!


Dirigido por Julia Murat, o drama Histórias que só existem quando lembradas – com Sonia Guedes, Lisa E. Fávero, Luiz Serra, Ricardo Merkin – vale a existência, conquistou a memória ao saber lidar com a memória. O tema dos abandonados, esquecidos, pobres e invisibilizados pelo interior começa, muito aos poucos, a ganhar notoriedade na produção cultural brasileira.

A cidade – Jotuomba – é o nome exótico de um pequeno vilarejo fictício no Vale do Paraíba, onde grandes fazendas de café foram à bancarrota e cidades ricas, desapareceram ou se tornaram quase fantasmas , nos anos 30. Uma padeira, Madalena, vive do seu trabalho e da memória do marido morto, enterrado no cemitério, há anos fechado ‘por Deus’.

Ela faz pão para o armazém do Antônio, segue os trilhos onde o trem já não passa, limpa o portão trancado do cemitério onde jaz o amado, ouve o sermão do padre e almoça comunitariamente com os demais moradores. Sua vida é a memória do marido morto.

Com casas em escombros, a cidade é pouco mais que um lugarejo perdido nos trilhos do trem que já não passa. Sua personificação é estética, por isso estampa as cicatrizes da velhice e da falta de manutenção. É habitada por moradores idosos, abandonados e que vivem com modos simples e monótonos. Esse perfil é rompido pela chegada de uma fotógrafa jovem, que entra no cotidiano, pergunta e expressa sentimentos.

A narrativa segue a influência do realismo fantásticos, com a simplicidade ganhando legitimidade, os fatos se intercalando ao ritmo do sentido e as respostas brotando em meio ao cotidiano, como a explicar toda a trama. Como a mãe Lúcia Murat, a filha Julia parece ter sofrido a influência de artistas consagrados pela crítica, como o mexicano Carlos Reygadas e o chinês Jia Zhang-Ke. A semelhança com o documentário denuncia esse modo de investigar e narrar a realidade dos moradores da região.

Essa tendência, que se confronta com as grandes produções globais, de orçamentos monumentais e estupendos vazios de arte, faz sentido especialmente depois que o filósofo Walter Benjamin lembrou que ela “é o resgate dos pecadores, dos derrotados, dos mortos antes do tempo, das vidas perdidas, por lembrança viva: no memorial e no combate. É o dom despertar no passado chispas de esperança. Senão, tão pouco os mortos estão seguros!”

A grande conquista é a capacidade de colocar o público em contato com o cultural, o circunstancial, o cotidiano, a pobreza e o abandono, restituindo a aura de heróis aos seres humanos comuns, negados nas grandes produções, resistentes à força indômita do grande espetáculo, sem se submeterem à lógica hipócrita de gente rica e vazia, de muita pompa e pouco caráter, que dirige mundos e fundos, mas não se vê no que faz! E a realidade é tão contraditória, que o nome desta estética do relato é – supreendetemente verdadeiro – o realismo fantástico! Bom proveito!

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=qwXF2YoJ1Ns

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