quarta-feira, 22 de junho de 2011

Objetivo da repatriação é divulgar fatos da tortura

Antonio Carlos Ribeiro

Recompor informações, digitalizar arquivos e divulgar informações sobre a tortura são os próximos passos do processo da repatriação de arquivos do período da ditadura militar. A informação é de Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/SP e coordenador do Armazém Memória, para quem apenas a ampla divulgação garantirá a irreversibilidade do processo.



O primeiro passo após a repatriação é recompor as informações, consolidando um acervo de dados que incluem relatos, depoimentos, fotografias, transcrições de processos dos tribunais militares, agregando documentos aparentemente soltos e fragmentos que possibilitam a reconstituição da ditadura militar. Esses dados estarão disponíveis no sítio hospedado no Ministério Público Federal, a partir do trabalho de digitalização já iniciado pelo Arquivo Público do Estado de São Paulo.

O segundo passo, afirma o documentarista, é agilizar a disponibilização destes dados em suporte digital, 'lincado' ao relatório do Projeto Brasil: Nunca Mais, cujo primeiro relatório foi a publicação homônima do levantamento iniciado em plena ditadura militar (1964-1985), quando grupo de religiosos e advogados tentou obter, junto ao Superior Tribunal Militar (STM), informações e evidências de violações aos direitos humanos, praticadas por agentes do aparato repressivo.

O Projeto financiado pelo Conselho Mundial de Igrejas objetivou a confecção de um livro que resumisse o documento-mãe numa única publicação-chave para o acesso ao conjunto das informações. Essa tarefa foi realizada pelos jornalistas Ricardo Kotscho e Carlos Alberto Libânio Christo, o dominicano Frei Betto, coordenados por Paulo de Tarso Vannuchi, sob a direção do cardeal d. Paulo Evaristo Arns e do pastor presbiteriano unido James Wright.

A terceira e mais ousada etapa é a disponibilização desta memória histórica para toda a rede de ensino pública e privada, compensando a ausência de debates nos últimos 26 anos, transformando as informações em fonte para as universidades e os pesquisadores, dos diversos estados do país. Isso propiciará o acesso aos professores e alunos dos ensinos médio e fundamental, possibilitando o acesso aos documentos da história recente do país.


O projeto servirá também à Comissão da Verdade, dando elementos factuais sólidos para que ela comece seu trabalho se valendo dos 1843 depoimentos já analisados e da lista de 444 agentes públicos envolvidos em tortura listado no Quadro 103 que, segundo o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, nunca foi contestado.


Esse esforço se enquadra no atendimento à sentença unânime dos juízes da Corte Internacional de Direitos Humanos (CIDH), que condenou o Estado Brasileiro no caso dos 144 cidadãos executados pela ditadura quando lutavam no ato conhecido como Guerrilha do Araguaia, após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido arquivar a ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que contestava a Lei da Anistia.


O voto do ministro relator Eros Grau, também torturado no regime de exceção, se baseou no jurista nazista Carl Schmitt, sendo seguido pelos ministros Cezar Peluso, presidente da Corte, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Ellen Gracie, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. O advogado Tarso Genro, à época Ministro da Justiça e hoje governador do Rio Grande do Sul, classificou a decisão de “erro jurídico e deformação histórica”.


O livro Brasil: Nunca Mais, lançado pela Editora Vozes em 15 de julho de 1985, quatro meses após a retomada do regime democrático, provocou a ira dos envolvidos por sua incontestabilidade, já transcrevia autos de processo do Superior Tribunal Militar (STM). A obra mereceu destaque na imprensa nacional e internacional e foi reimpressa 20 vezes somente nos seus dois primeiros anos. A 37ª edição é de 2009.

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