quarta-feira, 2 de maio de 2012

Amazônia: o corpo feminino, o olhar documental e a palavra profética


Antonio Carlos Ribeiro

Um tórrido triângulo amoroso envolve Cauby (Gustavo Machado), um fotógrafo de passagem pelo interior da Amazônia, que documenta o mundo da floresta; Lavínia (Camila Pitanga) uma mulher bela e instável, que se entrega com a mesma intensidade à paixão e à religião; e o ex-advogado e pastor pentecostal Ernani (Zé Carlos Machado), cuja pregação une fé e mobilização pela defesa das causas ambientais numa região só menor que a corrupção do capital predatório e sem pátria.


Baseado na obra homônima – o livro adulto mais vendido de Marçal Aquino – Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios (Brasil, 2011, dir. Beto Brant e Renato Ciasca, com Camila Pitanga, Gustavo Machado, Zecarlos Machado, Gero Camilo, Drama, 100 min) trabalha o feixe tensionado de pulsões: Lavínia, o corpo; Cauby, o olhar; Ernani, a palavra – os três vértices de uma paixão incandescente, em meio à natureza ameaçada de devastação. Dirigido em parceria com Renato Ciasca, com custo de R$ 3,5 milhões, é também o mais caro de sua carreira.



Na região mais cobiçada pela especulação internacional, os conflitos se misturam, se contaminam, ganham densidade social e, não raro, são resolvidos de forma definitiva pelo poder latifundiário, cujos representantes no Congresso usam os mesmos recursos que os visíveis na região amazônica. Muito capital que corrompe, fragiliza seguranças pétreas, talha e retalha o texto constitucional, avançando absoluto sobre os poderes da República. Com a conivência ou o apoio explícito da mídia, não por acaso em mãos das elites.


Amparada nos detentores de mandatos, com poder de voto, de veto e de vício, esse capital espúrio subjuga autoridades dos três poderes, nos três níveis, especialmente naquela ‘terra de ninguém’, obtendo carta branca para aniquilar, derrubar, destruir e matar o que quer que lhe atravesse o caminho. Além dos corruptores e dos corrompidos, fica a natureza, e o povo como sua última chance de defesa, criando focos de resistência, sustentada por uma mística simples e complexa, individual e conjunta, pontual e abrangente, da congregação do pastor.


A partir desse contexto, surge a trama em que a atriz Camila Pitanga toma o centro da cena. O roteirista e escritor Marçal Aquino se mostra empolgado com sua atuação, chamando-a “arrebatadora”, no que é acompanhado pelo diretor Beto Brant, classificando-a de “estrondosa”. Por esta mesma razão a atriz foi escolhida para circular o país na divulgação da produção, com a qual se sentiu privilegiada, afirmou.


Ela se sentiu privilegiada pelo perfil da personagem, entendendo que ganhou, na verdade, um presente. “Todo ator está em busca de desafios para alargar seus limites. A Lavínia é a essência disso: me dava oportunidade de mostrar trabalho. Correr riscos, mas acima de tudo me aprofundar em regiões existenciais muito radicais”, admitiu Camila Pitanga. Sobre o roteiro, se disse “muito comovida com a poética do Marçal”, completa.


A trama se passa no interior do Pará e descreve uma mulher dividida entre dois amores, o fotógrafo Cauby (Gustavo Machado) e o marido Ernani (Zecarlos Machado), pastor que já tinha atuado no Tribunal de Justiça, no qual perdeu toda a fé no sistema jurídico brasileiro. O ator Gero Camilo fez uma participação especial como o jornalista Vitor Laurence, uma engrenagem na relação afetiva, com dimensões políticas e religiosas.


“Foi uma humilde tentativa minha de tentar entender uma mulher. Mas é algo muito complexo. As mulheres têm muitas nuances, com variações marcadas. Lavínia é uma mulher se defendendo do mundo. Acho que a Camila captou tudo isso e foi para dentro ”, destacou o autor da obra, Marçal Aquino, em que se baseou o roteiro da obra cinematográfica. Fechado o contrato, o diretor começou a tocar a produção na região de Santarém, no Pará, enquanto a atriz tentava entender a personagem.


Camila Pitanga ficou tão encantada com a personagem e a trama que mergulhou e corpo e alma. “Li o livro em um dia e fiquei extremamente comovida com aquela história de amor”. Depois se pôs a investir na preparação corporal, inclusive para conseguir chegar aos estados emocionais – densos e tensos – da personagem. Para isso, acumulou um banco de imagens com expressões das mulheres da região e buscou referências no cinema. “Tentei criar um repertório que me ajudasse a chegar às temperaturas e aos estados dela. Fiquei quase como uma antena parabólica”, admitiu.


Sobre a filmografia, em que se destaca Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios, o diretor admitiu que correu riscos. Referiu-se à produção, chamando-a “a mais difícil” e explicou: “porque é nosso filme mais ambicioso". Havia grande deslocamento nas locações, lembrando as dificuldades de filmar na Amazônia e no Rio de Janeiro. Além disso, outro desafio grande era “tratar de temas que tocam em regiões mais abstratas do ser humano”, analisa Beto Brant.


Embora o livro seja narrado pelo fotógrafo, o enredo do filme gira em torno da figura feminina. “Desde o começo a gente sabia que o que interessava contar no filme era a história do fotógrafo que conhece uma mulher no interior do Pará. As outras questões descobriríamos à medida que o processo avançasse”, conta Marçal.


“A natureza do romance é essa. Ele tem esse caráter muito físico. Para se ter uma ideia, a primeira parte do livro se chama ‘O amor é sexualmente transmissível’. A Camila deixou a Lavínia baixar nela”, observou Aquino. “A gente vive um pouco aquela intensidade, mas tudo é construído. O bacana é quando imprime uma realidade que chega a tocar as pessoas”, comentou a atriz Camila Pitanga.

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