Antonio Carlos Ribeiro
A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça reconheceu por unanimidade, em nome do Estado, os graves danos causados a Anivaldo Padilha, 72. E por isso lhe concedeu uma indenização com base no valor que corresponde ao salário de redator de um jornal, recebido na época da prisão ilegal.
Padilha foi denunciado às forças de repressão pelo pastor metodista José Sucasas Jr. e o bispo Isaías Fernando Sucasas, já falecidos. Era uma liderança ecumênica jovem, sofreu torturas nos 20 dias em que ficou preso no Destacamento de Operações de Informações (DOI-Codi).
Mas o maior drama foi partir para o exílio com a esposa grávida, sendo obrigado a ficar distante da família, tendo ainda o déficit emocional da subtração do seu convívio, só podendo ver seu filho – hoje o médico Alexandre Padilha, Ministro da Saúde – quando tinha oito anos. Apenas por lutar por um país socialmente mais justo.
As igrejas reviveram, às inversas, seus mais duros momentos de inquisição, mas desta vez ‘sem fogueiras’ que dominaram parte da mentalidade das igrejas naquele lastimável período da história brasileira, que tanta dor trouxe à sociedade.
No agradecimento dirigido à Comissão de Anistia, Padilha observou que os vinte e um anos vividos sob a ditadura militar só pode ser comparado aos mais de três séculos de escravidão, em termos de violência contra o ser humano. Cônscio, sua atuação como um ato de fé, o levou a se colocar “de forma incondicional ao lado dos setores oprimidos e marginalizados da nossa sociedade”, insistiu.
Movido por esta mesma fé, disse ter assumido sua “condição de protestante e de líder ecumênico latino-americano”, que lhe permitiu dedicar seus “anos de exílio, especialmente nos Estados Unidos e posteriormente na Suíça, à mobilização das igrejas da América do Norte, e também do Conselho Mundial de Igrejas para o apoio à nossa luta contra as violações de Direitos Humanos no Brasil”.
De todos esses anos, lutas e esforços, sem perder a esperança, disse que lhe resta “somente a grata memória do privilégio de um dia ter sido um dos milhares de protagonistas, num período sombrio da nossa história, das lutas pela construção de um Brasil mais justo e democrático”.
A assembleia do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), realizada em fevereiro de 2006 em Porto Alegre, e a repatriação de documentos da ditadura de um centro de pesquisa nos Estados Unidos e da sede do CMI, em Genebra, dão a chancela histórica destes fatos, que o governo da Presidenta Dilma Rousseff se propõe a reconhecer e indenizar.
sábado, 26 de maio de 2012
sexta-feira, 25 de maio de 2012
Moradores debatem situação de bonde na paróquia anglicana
Antonio Carlos Ribeiro
A Associação de Moradores de Santa Teresa (Amast) realizou uma plenária para discutir a luta do bairro pela volta do bonde, esclarecer a decisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em tombar o sistema dos bondes, exigir o respeito aos cidadãos e a manutenção do serviço prestado há mais 115 anos. A reunião foi realizada no templo da Paróquia Anglicana São Paulo Apóstolo, nesta terça-feira, dia 22.
O tombamento agora obtido garante que o sistema de bondes hoje existente - seu traçado e seu veículo modelo padrão - seja mantido, impedindo assim o prosseguimento da licitação promovida pelo governo estadual para contratar um serviço totalmente novo e sem as características originais do sistema que dá identidade ao bairro, assegurou a vereadora Sonia Rabello, do Partido Verde. A vereadora é especialista em tombamentos e apoia a luta do bairro pela recuperação do sistema de bondes.
“A segurança não é incompatível com a conservação dos trens e a prestação do serviço”, enfatizou o reverendo Luiz Caetano Grecco Teixeira, pároco anglicano. O Comitê Técnico de Acompanhamento afirma que o principal argumento utilizado pelo governador – a insegurança – não se sustenta no debate público.
O atraso para que o bonde volte a trafegar em Santa Teresa, oito meses após o acidente que vitimou seis pessoas, resulta da dificuldade do governo estadual em apresentar propostas com dados administrativos e pareceres do pessoal técnico. Além disso, os esforços para explicar a venda de objetos tombados, devidamente documentados, não surtiram efeito ainda, explicou Elzbieta Mitkiewicz, presidente da Amast.
Para dar continuidade à luta dos moradores foi marcada uma manifestação em frente ao Palácio Guanabara para o dia 31, com a participação de blocos de rua do bairro. O grupo que atua na frente judicial denunciou que após ser condenado, o governo comprou novos bondes, mesmo já tendo 19 bondes tradicionais, dos quais quatro foram inutilizados para reutilização de peças.
Foram enviadas duas cartas ao Chefe da Casa Civil, que se recusou a receber a Comissão Técnica. A Amast se sente respaldada por 12 mil assinaturas de cidadãos cariocas e o apoio da Comissão Técnica do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA) e do Sindicato dos Engenheiros, que apoiam o pleito.
Eles afirmam categoricamente “não haver necessidade de modificar a estrutura de funcionamento, segura há 115 anos”. Há a convicção de que o Estado foi responsável pelo acidente, já que o secretário estadual de Transporte, Júlio Lopes, sabia da precariedade e não tomou as providências cabíveis.
A população se mostrou perplexa ao saber que o Ministério Público, baseando-se apenas no inquérito policial, ofereceu denúncia contra os funcionários do sistema de bondes, que supriam por iniciativa própria deficiências para manter o serviço, uma vez que a administração da empresa não liberava os recursos para a manutenção técnica das composições. O advogado Nilo Batista, ex-vice-governador do Estado, defenderá os funcionários na ação.
Alcebíades Fonseca, do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, afirmou à ALC que “nada justifica a decisão do governo de modificar completamente o sistema de bondes. O que se pedia era a manutenção do serviço, já que não havia registro de acidentes. O governador disse ter gasto R$ 14 milhões e há três bondes em condições de trafegar. Por que não foram colocados em circulação? Em que foram gastos os 14 milhões? Por que paralisar o serviço, já que o bairro sofre com a falta?”, indagou o engenheiro.
sábado, 19 de maio de 2012
E a Presidenta chorou!
Antonio Carlos Ribeiro
A presidenta Dilma Rousseff chorou durante o discurso no ato de instalação da Comissão da Verdade, nesta quarta-feira, dia 16. O gesto, talvez o mais suave na quebra de protocolo de solenidades, é bem mais que a simples identificação da maior mandatária da nação com as famílias dos que foram presos arbitrariamente, humilhados, violentados, torturados e mortos na ditadura. Já que esta dor também é a sua.
Esse momento é também a última pá de cal sobre o regime que emporcalhou a história brasileira, encheu de vergonha todos os que nasceram neste solo – a começar pelos indígenas, com a denúncia dos cerca de 2.000 índios Waimiri Atroari, cercados pelo Exército e trucidados no solo pelas bombas da Força Aérea, que teria levado Santos Dumont ao suicídio, de vergonha, ao ver seu invento ser usado contra os brasileiros mais originários – contemplados naquela lágrima.
Lágrima é sódio e água, quimicamente. E apenas uma foi derramada. Por uma mulher, a primeira a nos presidir. Que num gesto instala a Comissão para resgatar os dados da vergonha diante da nação. Esta é outra humilhação, a de agora pedir, em nome das tropas que comanda, o perdão pelas atrocidades cometidas. E por isso o auditório a aplaudiu de pé.
A Comissão da Verdade investiga as violações dos direitos humanos na ditadura, ainda que o período tenha sido aumentado, por muitas manobras, para que a insanidade do período 1964-1985 não tornasse opaca a vitória na luta contra o nazismo, obrigando jovens oficiais à vergonha dos crimes que não cometeram.
Fato de expressão simbólica é o de estar ladeada pelos ex-presidentes pós-ditadura, por razões políticas, sem a ameaça do constrangimento da presença dos ditadores afastada pela morte. Faltaram os presidentes Tancredo Neves, o primeiro civil, e Itamar Franco, que fez o país voltar a crescer depois dos 21 anos do arbítrio - já falecidos - mas estavam Sarney, Collor, FHC e Lula.
A instalação da Comissão e a participação das entidades de Direitos Humanos presentes, como algo do que se poderia descrer até o início da solenidade, vai garantir o levantamento das provas e a apuração das denúncias. As evidências destruídas, os corpos mutilados e espalhados por cemitérios e os registros apagados – por serem muitos crimes, em muitos anos e a serem apurados em pouco tempo – já ganharam a história.
Ademais há os lugares macabros usados para a tortura. Talvez esse trauma, por ser o maior, que matou e magoou o maior número de brasileiros em todas as guerras verdadeiras de sua história, tenha o poder de quebrar o encanto que nos impede de olhar para nosso passado. Este ato nos faz descobrir que todos os povos têm história de infâmia, dor e humilhação, mas que se redimiram quando governos decentes não lhes negaram seu passado.
A densidade política do ato não dá conta da humana. O ato político começou no enfrentamento da direita no Congresso, caudatária de autoritarismos envelhecidos, deletérios e caricaturais de todas as ordens, e irá até o fim do mandato da comissão e do relatório. O ato humano não. Este é redentor do nome, da identidade e da luta de cada brasileiro/a que ‘caiu’ naquele período. Ele é que restitui a cidadania às suas famílias, que voltam a ser brasileiras.
Além de ser o ato de uma mulher – que os ex-presidentes presentes, por razões diversas, não realizaram – é o defrontar-se com a própria dor de Dilma, vivida por 21 dias, aos 21 anos de idade. A foto da ‘menina’ diante dos algozes fardados que cobrem o rosto – dos poucos momentos em que vergonha é publicamente assumida – mostra a história de superação política, a mesma que Lula viveu no plano social.
O ato da presidenta, por se ligar à estirpe do brasileiro comum, que luta firmemente com as circunstâncias, enfrenta as dificuldades, supera os desastres, é hermenêutico. Nos faz entender que “a vida é assim: esquenta e esfria, aperta daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem", como nos ensinou Guimarães Rosa. Desta citação, o jornalista Ricardo Amaral tirou o título da biografia de Dilma: A vida quer coragem <http://www.esextante.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=7155&sid=2>
quarta-feira, 9 de maio de 2012
Bergman – o melhor cineasta desde a invenção da câmera
Rio de Janeiro - A partir desta semana o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) faz uma retrospectiva da filmografia de Ingmar Bergman (1918-2007). O diretor sueco e filho de pastor luterano, definido por Woody Allen como "provavelmente o maior diretor desde a invenção da câmera", terá 50 filmes exibidos até 10 de junho. Veja o programa http://www.bb.com.br/portalbb/page511,128,10153,1,0,1,1.bb?dtInicio=5/2012&codigoEvento=4677
Dentre os longas da mostra estarão do primeiro filme dele, Crise (Kris, 1946), ao último, Saraband (2003), passando pelos clássicos mais conhecidos do diretor, como O Sétimo Selo, Gritos e Sussurros, Morangos Silvestres, Sonata de Outono e Fanny e Alexander, entre outros. Serão exibidas também obras muito pouco conhecidas como O Olho do Diabo e Rumo à Felicidade, trazidos da Suécia.
Desde que Através de um Espelho conquistou um oscar de melhor filme estrangeiro em 1962, o diretor sueco Ingmar Bergman passou a ser perenemente associado ao cinema transcendental. Sua produção é um dos mais ricos e existenciais momentos da história do cinema. Dedicou-se a temas inerentes à condição humana – desejo, morte, grandes perdas e religiosidade –, dilatando as possibilidades do cinema, explorando dramaturgia e tecnologia até o limite e, transcendendo a própria experiência.
Descobriu o cinema como forma de expressão no natal de 1927, aos nove anos. Ao ver o irmão presenteado com um projetor e propôs uma troca: entregou um exército de chumbo em troca do cinematógrafo. Depois, interessou-se por teatro durante o tempo de estudos na Universidade de Estocolmo, voltando-se mais tarde para o cinema. Escreveu a peça Morte de Kasper, iniciou a carreira em 1941, e o primeiro argumento para o filme Hets, em 1944. O primeiro filme, Kris, foi rodado em 1945.
Filho de pastor luterano, recebeu uma educação marcada pelas contradições da época e do lugar. Conheceu a repressão autoritária, baseada em conceitos relacionados ao pecado, confissão, castigo, perdão e graça. Seus filmes não fogem de acentos autobiográficos, com sentimentos como vergonha ou humilhação. O passar do tempo, a morte e a impossibilidade de comunicação, suas obsessões mais freqüentes, estão presentes em diversas obras.
Da experiência como diretor do Teatro Municipal de Götheborg e do Teatro de Malmoe, o cineasta trabalhou em seus filmes com um elenco quase inalterado: Harriet Andersson, Erland Josephson, Max Von Sydow, Ingrid Thulin, Liv Ullman e Gunnar Bjornstrand, que mostraram rostos, gritos, silêncios e sussurros. Além dos vários casamentos, foi acusado de burlar o fisco, sendo condenado a viver na ilha de Faro, onde reside até hoje.
Bergman não usou efeitos especiais, do fim do século XX, mas sua excelente direção de atores e a profundidade filosófica dos temas o transformaram num mito cultuado por cinéfilos e intelectuais de diversas áreas. Discreto na vida pessoal e incansável na criação, o mestre sueco criou um mundo próprio, íntegro e reconhecível, aprendendo a lidar com a tentativa do homem de definir a própria personalidade, removendo as muitas máscaras para ver o rosto que surge por trás.
O filme As melhores intenções (Den Goda viljan), dirigido por Bille August e exibido em 1992, conta a história de vida dos seus pais. Henrik Bergman é um pobre estudante de teologia em 1909, que se apaixona por Anna Åkerbloom, filha de uma rica família de Uppsala. Após o casamento, ele tornou-se pároco no norte da Suécia. Após poucos anos, Anna não pôde ficar vivendo num condado rural com pessoas rudes e sem educação formal. Ela retorna a Uppsala, deixando o marido.
Esse homem muito piedoso, severo e com pouco senso de humor, não teve conflitos para deixar a namorada para se casar com a mulher por quem se apaixonou, mãe de Ingmar. Ao mesmo tempo, Henrik é um defensor intransigente dos trabalhadores pobres, chegando até mesmo a ceder o templo para uma reunião do sindicato.
Ele narra o atendimento pastoral que seu pai prestou a alguém da realeza sueca, em crise de depressão. Nessa obra que ele apenas roteirizou, parece ter aprendido a lidar com as dores, entender o pai e perceber a inconsistência e a dificuldade de expressar emoções, nesta sociedade rica, marcada pela decadência européia e com dificuldade para lidar com os movimentos sociais, da revolução industrial de fins do século 19 e primórdios do século 20.
A genialidade da cinematografia aparece em “Cenas de um casamento (1973), que tem sua continuidade em 2003. Os atores estão mais velhos 30 anos. Liv Ulmann e Erland Josephson, um casal que está se separando em Cenas de um Casamento e, 30 anos depois estão se reencontrando”.
O filme de Bergman que trata da parte luterana é Luz de inverno, aquele em que ele questiona o papel da igreja como orientadora. É a história de um pastor que está celebrando um culto, que é casado e tem os problemas ‘do mundo’. Há um fiel que está em desespero porque a China descobriu a fórmula da bomba atômica. Ele têm pânico porque eles podem passar e jogar um bomba, e fica totalmente alucinado com essa situação. O pastor não dá a orientação que ele precisava. Quando ele sai, o fiel tinha se suicidado. Ele vai celebrar o culto em outro lugar. Lá, a igreja está totalmente vazia, mas ele celebra assim mesmo.
quinta-feira, 3 de maio de 2012
Fazendeiros e empresários são expulsos da terra Pataxó Hã-Hã-Hãe
Antonio Carlos Ribeiro
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu anular os títulos de fazendeiros na terra indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe. Mais de 30 fazendeiros e empresas agropecuárias terão que desocupar uma área indígena de 54 mil hectares nos municípios de Camacan, Pau-Brasil e Itaju do Colônia, no sul da Bahia. A decisão – por um placar de 7 votos a 1 – tomada nesta 4ª feira, dia 2, foi considerada histórica.
Os ministros firmaram entendimento de que os títulos são nulos porque estarem dentro de reserva indígena demarcada desde 1930. A ação, ajuizada há quase três décadas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), defendeu o direitos dos índios pataxós hã-hã-hães à posse e ao usufruto exclusivo da terra Caramuru-Paraguassu.
Mesmo que o assunto não estivesse na pauta, foi incluído pelo presidente do STF, atendendo pedido da ministra Cármen Lúcia. Ela argumentou que a situação no local é grave, já que os índios estão ocupando o terreno à força e já houve morte e agressões, devido ao conflito.
Já havia liminar concedida em 2008 pelo ministro relator, Eros Grau, favorável aos indígenas. No entanto, a execução dessa decisão provisória nunca aconteceu. Meses depois o caso foi a plenário, e após o voto de Grau, o ministro Menezes Direito pediu vistas. Ele faleceu logo em seguida e seu substituto, Antonio Dias Toffoli, se declarou impedido de participar do julgamento.
O julgamento foi retomado nesta tarde com o voto da ministra Cármen Lúcia que, assim como Grau, entendeu que os títulos emitidos dentro da reserva eram nulos. Ao mesmo tempo, rejeitou pedido da FUNAI para a desocupação de áreas fora da reserva, segundo o órgão, em terreno ocupado por indígenas, comprovado por estudos antropológicos.
Os ministros Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Cezar Peluso, Celso de Mello e o presidente Ayres Britto, votaram pela desocupação. “O patrimônio nosso, um terreno, uma casa, é material, mas para o índio é muito mais que material, é imaterial. A terra é uma alma, é algo espiritual. A terra não é um bem, mas um ser, um ente, um espírito protetor. Eles não aceitam indenização, porque acreditam que nessas terras vivem seus ancestrais”, enfatizou o presidente.
O único voto contrário foi o do ministro Marco Aurélio Mello, que já tinha rejeitado o julgamento neste dia. Ele chegou a afirmar que “não pode deixar de considerar os títulos concedidos pelo governo da Bahia numa área que não estava ocupada pelos silvícolas”. Os demais ministros votaram pela nulidade e argumentaram que os indígenas não estavam ali por causa do esbulho praticado pelos invasores.
Os ministros garantiram o direito dos indígenas, mas decidiram que a desocupação ficará a cargo do ministro Luiz Fux, que substituiu Eros Grau quando este se aposentou. A ministra Cármen Lúcia sugeriu solicitar presença das forças de segurança do Estado e da Federação.
A luta dos índios pataxó hã-hã-hães já tinha provocado tensões, incluído o assassinato do índio Galdino Jesus dos Santos, queimado em Brasília por jovens de classe média em 1997. Ele tinha ido à capital numa comitiva para tratar das terras do seu povo com o Ministério Público Federal.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu anular os títulos de fazendeiros na terra indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe. Mais de 30 fazendeiros e empresas agropecuárias terão que desocupar uma área indígena de 54 mil hectares nos municípios de Camacan, Pau-Brasil e Itaju do Colônia, no sul da Bahia. A decisão – por um placar de 7 votos a 1 – tomada nesta 4ª feira, dia 2, foi considerada histórica.
Os ministros firmaram entendimento de que os títulos são nulos porque estarem dentro de reserva indígena demarcada desde 1930. A ação, ajuizada há quase três décadas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), defendeu o direitos dos índios pataxós hã-hã-hães à posse e ao usufruto exclusivo da terra Caramuru-Paraguassu.
Mesmo que o assunto não estivesse na pauta, foi incluído pelo presidente do STF, atendendo pedido da ministra Cármen Lúcia. Ela argumentou que a situação no local é grave, já que os índios estão ocupando o terreno à força e já houve morte e agressões, devido ao conflito.
Já havia liminar concedida em 2008 pelo ministro relator, Eros Grau, favorável aos indígenas. No entanto, a execução dessa decisão provisória nunca aconteceu. Meses depois o caso foi a plenário, e após o voto de Grau, o ministro Menezes Direito pediu vistas. Ele faleceu logo em seguida e seu substituto, Antonio Dias Toffoli, se declarou impedido de participar do julgamento.
O julgamento foi retomado nesta tarde com o voto da ministra Cármen Lúcia que, assim como Grau, entendeu que os títulos emitidos dentro da reserva eram nulos. Ao mesmo tempo, rejeitou pedido da FUNAI para a desocupação de áreas fora da reserva, segundo o órgão, em terreno ocupado por indígenas, comprovado por estudos antropológicos.
Os ministros Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Cezar Peluso, Celso de Mello e o presidente Ayres Britto, votaram pela desocupação. “O patrimônio nosso, um terreno, uma casa, é material, mas para o índio é muito mais que material, é imaterial. A terra é uma alma, é algo espiritual. A terra não é um bem, mas um ser, um ente, um espírito protetor. Eles não aceitam indenização, porque acreditam que nessas terras vivem seus ancestrais”, enfatizou o presidente.
O único voto contrário foi o do ministro Marco Aurélio Mello, que já tinha rejeitado o julgamento neste dia. Ele chegou a afirmar que “não pode deixar de considerar os títulos concedidos pelo governo da Bahia numa área que não estava ocupada pelos silvícolas”. Os demais ministros votaram pela nulidade e argumentaram que os indígenas não estavam ali por causa do esbulho praticado pelos invasores.
Os ministros garantiram o direito dos indígenas, mas decidiram que a desocupação ficará a cargo do ministro Luiz Fux, que substituiu Eros Grau quando este se aposentou. A ministra Cármen Lúcia sugeriu solicitar presença das forças de segurança do Estado e da Federação.
A luta dos índios pataxó hã-hã-hães já tinha provocado tensões, incluído o assassinato do índio Galdino Jesus dos Santos, queimado em Brasília por jovens de classe média em 1997. Ele tinha ido à capital numa comitiva para tratar das terras do seu povo com o Ministério Público Federal.
quarta-feira, 2 de maio de 2012
Amazônia: o corpo feminino, o olhar documental e a palavra profética
Antonio Carlos Ribeiro
Um tórrido triângulo amoroso envolve Cauby (Gustavo Machado), um fotógrafo de passagem pelo interior da Amazônia, que documenta o mundo da floresta; Lavínia (Camila Pitanga) uma mulher bela e instável, que se entrega com a mesma intensidade à paixão e à religião; e o ex-advogado e pastor pentecostal Ernani (Zé Carlos Machado), cuja pregação une fé e mobilização pela defesa das causas ambientais numa região só menor que a corrupção do capital predatório e sem pátria.
Baseado na obra homônima – o livro adulto mais vendido de Marçal Aquino – Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios (Brasil, 2011, dir. Beto Brant e Renato Ciasca, com Camila Pitanga, Gustavo Machado, Zecarlos Machado, Gero Camilo, Drama, 100 min) trabalha o feixe tensionado de pulsões: Lavínia, o corpo; Cauby, o olhar; Ernani, a palavra – os três vértices de uma paixão incandescente, em meio à natureza ameaçada de devastação. Dirigido em parceria com Renato Ciasca, com custo de R$ 3,5 milhões, é também o mais caro de sua carreira.
Na região mais cobiçada pela especulação internacional, os conflitos se misturam, se contaminam, ganham densidade social e, não raro, são resolvidos de forma definitiva pelo poder latifundiário, cujos representantes no Congresso usam os mesmos recursos que os visíveis na região amazônica. Muito capital que corrompe, fragiliza seguranças pétreas, talha e retalha o texto constitucional, avançando absoluto sobre os poderes da República. Com a conivência ou o apoio explícito da mídia, não por acaso em mãos das elites.
Amparada nos detentores de mandatos, com poder de voto, de veto e de vício, esse capital espúrio subjuga autoridades dos três poderes, nos três níveis, especialmente naquela ‘terra de ninguém’, obtendo carta branca para aniquilar, derrubar, destruir e matar o que quer que lhe atravesse o caminho. Além dos corruptores e dos corrompidos, fica a natureza, e o povo como sua última chance de defesa, criando focos de resistência, sustentada por uma mística simples e complexa, individual e conjunta, pontual e abrangente, da congregação do pastor.
A partir desse contexto, surge a trama em que a atriz Camila Pitanga toma o centro da cena. O roteirista e escritor Marçal Aquino se mostra empolgado com sua atuação, chamando-a “arrebatadora”, no que é acompanhado pelo diretor Beto Brant, classificando-a de “estrondosa”. Por esta mesma razão a atriz foi escolhida para circular o país na divulgação da produção, com a qual se sentiu privilegiada, afirmou.
Ela se sentiu privilegiada pelo perfil da personagem, entendendo que ganhou, na verdade, um presente. “Todo ator está em busca de desafios para alargar seus limites. A Lavínia é a essência disso: me dava oportunidade de mostrar trabalho. Correr riscos, mas acima de tudo me aprofundar em regiões existenciais muito radicais”, admitiu Camila Pitanga. Sobre o roteiro, se disse “muito comovida com a poética do Marçal”, completa.
A trama se passa no interior do Pará e descreve uma mulher dividida entre dois amores, o fotógrafo Cauby (Gustavo Machado) e o marido Ernani (Zecarlos Machado), pastor que já tinha atuado no Tribunal de Justiça, no qual perdeu toda a fé no sistema jurídico brasileiro. O ator Gero Camilo fez uma participação especial como o jornalista Vitor Laurence, uma engrenagem na relação afetiva, com dimensões políticas e religiosas.
“Foi uma humilde tentativa minha de tentar entender uma mulher. Mas é algo muito complexo. As mulheres têm muitas nuances, com variações marcadas. Lavínia é uma mulher se defendendo do mundo. Acho que a Camila captou tudo isso e foi para dentro ”, destacou o autor da obra, Marçal Aquino, em que se baseou o roteiro da obra cinematográfica. Fechado o contrato, o diretor começou a tocar a produção na região de Santarém, no Pará, enquanto a atriz tentava entender a personagem.
Camila Pitanga ficou tão encantada com a personagem e a trama que mergulhou e corpo e alma. “Li o livro em um dia e fiquei extremamente comovida com aquela história de amor”. Depois se pôs a investir na preparação corporal, inclusive para conseguir chegar aos estados emocionais – densos e tensos – da personagem. Para isso, acumulou um banco de imagens com expressões das mulheres da região e buscou referências no cinema. “Tentei criar um repertório que me ajudasse a chegar às temperaturas e aos estados dela. Fiquei quase como uma antena parabólica”, admitiu.
Sobre a filmografia, em que se destaca Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios, o diretor admitiu que correu riscos. Referiu-se à produção, chamando-a “a mais difícil” e explicou: “porque é nosso filme mais ambicioso". Havia grande deslocamento nas locações, lembrando as dificuldades de filmar na Amazônia e no Rio de Janeiro. Além disso, outro desafio grande era “tratar de temas que tocam em regiões mais abstratas do ser humano”, analisa Beto Brant.
Embora o livro seja narrado pelo fotógrafo, o enredo do filme gira em torno da figura feminina. “Desde o começo a gente sabia que o que interessava contar no filme era a história do fotógrafo que conhece uma mulher no interior do Pará. As outras questões descobriríamos à medida que o processo avançasse”, conta Marçal.
“A natureza do romance é essa. Ele tem esse caráter muito físico. Para se ter uma ideia, a primeira parte do livro se chama ‘O amor é sexualmente transmissível’. A Camila deixou a Lavínia baixar nela”, observou Aquino. “A gente vive um pouco aquela intensidade, mas tudo é construído. O bacana é quando imprime uma realidade que chega a tocar as pessoas”, comentou a atriz Camila Pitanga.
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