Antonio Carlos Ribeiro*
A
presença dos evangélicos no mundo político-partidário brasileiro tem se tornado
frequente e visível. Com a expressiva votação, fortemente direcionada para o
Poder Legislativo estadual e federal, como neste pleito. A consistência e
abrangência dessa presença só mostra disparidades no quesito ‘distribuição
entre as denominações’, com nítido destaque para as pentecostais e
neopentecostais. Da que tem maior número de templos, pastores e membros até as
que têm sua presença concentrada nas mídias radiofônica e televisiva.
Nesta
eleição, recente e já consumada, salta aos olhos o poder adquirido pela
Assembleia de Deus, com 13 deputados federais, seguida de longe pela Igreja
Universal do Reino de Deus com seis – somados ao segundo maior conglomerado de
mídia televisiva – a Igreja Batista com quatro, as Presbiteriana, Evangelho
Quadrangular e Mundial do Poder de Deus com três, e as demais, com apenas um
parlamentar, integrantes de uma rede que partilha visão de mundo – com acentos
e atenuantes – a relação com um poder midiático crescente, mantida com o grupo
religioso e para dentro da sociedade, hoje já sob menor pressão do que a vivida
por Benedita da Silva, quando iniciou a carreira como vereadora na cidade do
Rio de Janeiro.
Essas
características as distinguem, do ponto de vista da crônica urbana – como o
homem de terno escuro com a bíblia debaixo do braço e a mulher de cabelos e
vestidos longos, como observou o antropólogo Rubem Cesar Fernandes, já nos anos
80 –, da social, ainda sofrendo discriminação enquanto crescia sorrateiramente,
assim como os maometanos na Europa, e da
econômica, com templos monumentais em bairros centrais e de alto poder de
consumo, superando a estética litúrgica dos shoppings, atuais templos do
consumo, às quais se soma a ascensão social e o poder decisório, essenciais à visão
mística, que substitui a moralidade na vida privada (o religioso) e na pública
(o voto em plenário), cuja junção eleva o ato acima do juízo da sociedade. E
dos cidadãos.
A ascensão mesma deste grupo, direta ou
indiretamente resulta da ascensão de 37 milhões de pessoas da miséria para a
classe média baixa e desta para a classe média alta, aparentemente sem terem
tido tempo de elaborarem as mudanças. Um aprendizado que partidos populares
como o PT ainda devem a esse grupo humano é o de entender que eles mesmos
resultam desse esforço, efetivado a partir de 2006. Isso vai propiciar que siga
sendo um partido sensível ao sofrimento dos pobres, com clara aproximação da
classe média que resultou desta mudança.
Os dados divulgados
pelo levantamento preliminar do Departamento Intersindical de Assessoria
Parlamentar (Diap) indicam que o conjunto da bancada parlamentar eleita para a
Câmara dos Deputados, no dia 5 de outubro, é o mais conservador desde o golpe
militar de 1964 – com ruralistas e militares – os mesmos que instauraram duas
décadas de ditadura no Brasil e estimularam as ocorridas nos países do cone sul,
que vieram em seguida. 43 lideranças políticas desta bancada são evangélicas.
Esse fato
determina que a ‘nova’ bancada evangélica - só chamada assim pelo critério
cronológico – será maior do que a do último pleito. O fenômeno mais intrigante
é o da ‘reeleição com votação em dobro’, de personalidades com articulações e
práticas próximas das que a sociedade quis afastar da vida pública, após vencer
a luta para aprovar a ‘lei da ficha limpa’. Nesse caso, sua ‘legitimação’ não
vem da votação, mas de sua origem numa comunidade religiosa, que busca
empoderamento, visibilidade e ascensão social, nunca antes possíveis. Moral: a
legitimidade é ilegítima!
A safra dos
32 deputados reeleitos e dos 11 novos é composta de bispos, pastores e cantores
gospel, além de deputados - homens e mulheres - que têm suas bases eleitorais no
segmento ‘evangélico’. A primeira suspeita recai sobre os depositários de
vocações ‘religiosas’, de cantores a bispos, ou da junção delas, como é o caso
de Marcos Feliciano, poucas vezes oriundas dos leigos. Outra, com subsídios, é
serem baseadas no ‘voto de cajado’, entenda-se o ‘poder pastoral’,
consagrando-se com resultados entre 40 e 400 mil votos. A terceira é que os
pobres estendem às eleições a ‘troca de bens simbólicos’, de Bourdieu. Mas com
números menores, já que Garotinho obteve 693.600 votos em 2010 no Rio. E a
última, no pior cenário, sofrendo influência religiosa e sem consciência política e de classe (lumpenoperariat),
de Marx, de novo curvadas à burguesia. Estes retalhos, Marina Silva tentou costurar, sem sucesso.
Outros
elementos vêm dos partidos com vocação para essa fatia do eleitorado
(comprometido, fiel e dedicado), que se entrega em nome de uma escatologia
(coisas últimas) – o amarramento de suas convicções e expectativas de mudança
numa personalidade – sem se dar conta do clientelismo, que ao fim cobra caro
pelas supostas ‘vantagens’ e ainda lhe captura a alma, como no Fausto, de Goethe. Quando isso é
cimentado por uma fé religiosa comunitária, tem maior durabilidade. Mas o pior,
é que o sentimento de culpa atormenta apenas a quem, sem a esperteza jagunça do
Riobaldo, personagem do conto Grande
Sertão: veredas, de Guimarães Rosa, ‘vendeu a alma’. Sem ter guardado o
recibo.
Veja a lista
preliminar do Diap:
Parlamentar
|
Partido
|
UF
|
Votação
|
Situação
|
Evangélica
|
Silas Câmara
|
PSD
|
AM
|
166.194
|
Reeleito
|
Assembleia de Deus
|
Irmão Lazaro
|
PSC
|
BA
|
161.438
|
Novo
|
Batista
|
Márcio Marinho
|
PRB
|
BA
|
117.470
|
Reeleito
|
IURD
|
Sérgio Brito
|
PSD
|
BA
|
83.658
|
Reeleito
|
Batista
|
Erivelton Santana
|
PSC
|
BA
|
74.836
|
Reeleito
|
Assembleia de Deus
|
Ronaldo Martins
|
PRB
|
CE
|
117.930
|
Novo
|
IURD
|
Ronaldo Fonseca
|
Pros
|
DF
|
84.583
|
Reeleito
|
Assembleia de Deus
|
Sérgio Vidigal
|
PDT
|
ES
|
161.744
|
Novo
|
Batista
|
Manato
|
SD
|
ES
|
67.631
|
Reeleito
|
Cristã Maranata
|
João Campos
|
PSDB
|
GO
|
107.344
|
Reeleito
|
Assembleia de Deus
|
Lincoln Portela
|
PR
|
MG
|
98.834
|
Reeleito
|
Batista Nacional
|
Leonardo Quintão
|
PMDB
|
MG
|
118.470
|
Reeleito
|
Presbiteriana
|
George Hilton
|
PRB
|
MG
|
146.792
|
Reeleito
|
IURD
|
Josué Bengtson
|
PTB
|
PA
|
122.995
|
Reeleito
|
Evangelho Quadrangular
|
Pastor Eurico
|
PSB
|
PE
|
233.762
|
Reeleito
|
Assembleia de Deus
|
Anderson Ferreira
|
PR
|
PE
|
150.565
|
Reeleito
|
Assembleia de Deus
|
Rejane Dias
|
PT
|
PI
|
134.157
|
Nova
|
Batista
|
Christiane Yared
|
PTN
|
PR
|
200.144
|
Nova
|
Catedral do Reino de Deus
|
Takayama
|
PSC
|
PR
|
162.952
|
Reeleito
|
Assembleia de Deus
|
Edmar Arruda
|
PSC
|
PR
|
85.155
|
Reeleito
|
Mundial do Poder de Deus
|
Eduardo Cunha
|
PMDB
|
RJ
|
232.708
|
Reeleito
|
Sara Nossa Terra
|
Sóstenes Cavalcante
|
PSD
|
RJ
|
104.697
|
Novo
|
Ministério Vitória em Cristo (AD)
|
Washington Reis
|
PMDB
|
RJ
|
103.190
|
Reeleito
|
Nova Vida
|
Arolde de Oliveira
|
PSD
|
RJ
|
55.380
|
Reeleito
|
Batista
|
Francisco Floriano
|
PR
|
RJ
|
47.157
|
Reeleito
|
Mundial do Poder de Deus
|
Marcos Soares
|
PR
|
RJ
|
44.440
|
Novo
|
Evangelho Quadrangular
|
Antônio Jácome
|
PMN
|
RN
|
71.555
|
Novo
|
Assembleia de Deus
|
Nilton Capixaba
|
PTB
|
RO
|
42.353
|
Reeleito
|
Assembleia de Deus
|
Marcos Rogério
|
PDT
|
RO
|
60.780
|
Reeleito
|
Assembleia de Deus
|
Jhonatan de Jesus
|
PRB
|
RR
|
20.677
|
Reeleito
|
IURD
|
Onyx Lorenzoni
|
DEM
|
RS
|
148.302
|
Reeleito
|
Luterana
|
Ronaldo Nogueira
|
PTB
|
RS
|
77.017
|
Novo
|
Assembleia de Deus
|
Pastor Jony
|
PRB
|
SE
|
53.455
|
Novo
|
IURD
|
Laércio Oliveira
|
SD
|
SE
|
84.198
|
Reeleito
|
Presbiteriana
|
Pastor Marco Feliciano
|
PSC
|
SP
|
398.087
|
Reeleito
|
Catedral do Avivamento (AD)
|
Jorge Tadeu Mudalen
|
DEM
|
SP
|
178.771
|
Reeleito
|
Internacional da Graça
|
Jefferson Campos
|
PSD
|
SP
|
161.790
|
Reeleito
|
Evangelho Quadrangular
|
Missionário José Olimpio
|
PP
|
SP
|
154.597
|
Reeleito
|
Mundial do Poder de Deus
|
Antônio Bulhões
|
PRB
|
SP
|
137.939
|
Reeleito
|
IURD
|
Pastor Gilberto Nascimento
|
PSC
|
SP
|
120.044
|
Novo
|
Assembleia de Deus
|
Edinho Araújo
|
PMDB
|
SP
|
112.780
|
Reeleito
|
Presbiteriana
|
Paulo Freire
|
PR
|
SP
|
111.300
|
Reeleito
|
Assembleia de Deus
|
Roberto de Lucena
|
PV
|
SP
|
67.191
|
Reeleito
|
O Brasil para Cristo
|
Fonte: Congresso em Foco
* Jornalista, teólogo e professor
(Doutor em Teologia, Pós-Doutor em Letras (PUC-Rio) e Pós-Doutorando em Letras
(UFT-Capes)
Um comentário:
Prezado Professor Antônio,
Estive mês setembro de 15 a 19, numa conferência sobre as religiões e sua imbricada relação para uma melhor perspectiva acadêmica: Promovido pela (LHER-IH/UFRJ) cujo tema foi "História, Experiências Religiosas e Democracia". Saliento que em sua maioria os relatos convergiram para o bom relacionamento existente entre as religiões atuantes no país e as ditas "minorias" de matrizes africanas. Resumindo apontava-se o crescimento vertiginoso dos movimentos evangélicos; deixando claro que mesmo por trás de um tema tão sugestivo. O objetivo na verdade seria apontar, discutir e isolar com medidas, pontuais, se possível no campo intelectual. Pois, no campo político já obtiveram algumas vitórias.
Confesso, ao professor que cheguei a reclamar com o professor André. Visto que em um dos dias o massacre foi tão grande que tive medo ao sair do evento!!!
Um dos preletores compararam os evangélicos a bandidos que ficam armados nos Morros e Favelas do Rio de Janeiro; O termo foi "bandidos evangélicos" sem tirar nem por; este era o termo utilizado, à bem da verdade, dias antes das eleições.
Ao atentar para a visão do amado professor ora sempre bem detalhada pontual e concisa; percebo que no meio acadêmico estão tendo, êxito. Corrija-me se estiver errado, estamos presos a séculos pelos posicionamentos determinados pela igreja católicos na política e sociedade brasileira. As quais em sua maioria tiveram suas igrejas construídas com ativos públicos. Enquanto que as igrejas ditas evangélicas em sua maioria são construídas com ativos da própria igreja; como o professor o sabe.
Reconheço e também preocupa-me a ascensão das igrejas neopentecostais, mas a termos de colocar-nos em pé de igualdade a bandidos seria o cumulo e um profundo desrespeito das outras “ditas” religião, a coisa é tão grave (isso em minha visão) que um representante do governo em sua preleção afirmou que eles são os fundadores legítimos das comunidades de base na sociedade enquanto que a igreja?!... Continua a dar ópio ao povo (ilusão de céu). Podemos, até fazer o que ele disse, mas como o professor bem ressaltou a aproximação destes com as classes dominantes fez com que aderissem em sua forma de governar a antiga termologia romana “pão e circo”.
O medo não esta no crescimento evangélico, mas, sim, num real e profundo crescimento das classes dominadas. Pois, onde existe o crescimento de nossos filhos surge dentro de nossos lares à dita liberalidade que tem como profunda raiz a DEMOCRACIA.
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