segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Razão-Paixão-Emoção - a tensão para chegar ao curso superior

Antonio Carlos Ribeiro

Virando o bicho (direção: Alexandre Carvalho e Silvia Fraiha, com Ana Deise de Souza, Carolina Fairbanks, Erick Rocha, Olivia Zanetti, Renan Campari, Samara Viana, Roteiro: Alexandra Garnier e Renan Garcia Miranda; Videografismo: Toni Cid Guimarães e Thiago Pires. Fraiha Produções, Brasil, 2012), provoca debates ao tratar o tema do acesso ao ensino universitário, com graça, emoção e leveza de abordagem. Sem negar a dureza!


O filme Virando o bicho documenta a luta de jovens estudantes brasileiros – de lugares, condições sociais e vocações diferentes – para chegar ao curso superior, tendo professores de cursos preparatórios como coadjuvantes e, não raro, mostrando sua dedicação na exposição de conteúdos, esbanjando paciência, conteúdo elaborado, didática possível para o formato. E bom humor.

A película mostra uma visão objetiva, cotidiana e meticulosa das condições de vida dos estudantes, dos sonhos acalentados, dos projetos iniciados e interrompidos, dos sucessos e frustrações, sem largar a determinação, dos seis jovens que se preparam para as provas de ingresso na Faculdade. Sem deixar de mostrar as contradições sociais e nem as dificuldades delas decorrentes.

Esses jovens são acompanhados durante o tempo em que se preparam para o baccaleaureat, sistema criado na França para formar universitários, que implicava o uso do vestíbulo onde pudessem se trajar para os ritos acadêmicos, com pompa e circunstância, em louvor ao saber que engrandecia pelo conhecimento, pelo poder e pela sabedoria.

A passagem pelo vestíbulo significa esforço, estudo, leitura, exigências à memória (mneme). Sacrifício, esforço, insônias e o rito quase macabro de assistir aulas, fazer testes, enfrentar exames simulados. Decorar, codificar, memorizar (anamnesis). Os que precisam trabalhar para se manter, sacrificam parte do tempo de almoço, o tempo que suportarem acordados após as aulas, os sábados, domingos e feriados, consagrados ao estudo e aprovação.

A guerra é a sobrevivência, a superação de dificuldades que vão da vida sem acesso aos melhores cursos, professores, materiais didáticos ao empenho do ritmo sofrido, dos sacrifícios, das superações e das conquistas para uns poucos e a frustração para grande parte dos candidatos ao rígido processo de seleção e ingresso na universidade.

Assim, as histórias desses rapazes e moças, unidos pelo sacrifício, alguns com esforços extras, que compensem o que não receberam da vida, das famílias, das oportunidades. Virando o bicho mostra os jovens heróis brasileiros, mais autênticos, dedicados e movidos a emoções genuínas que qualquer dos participantes dos reality shows, que sequer a garra latina, os valores de sua cultura e os registros de sua história, preservam.

Dos que participam da superprodução fake, com parafernália eletrônica, que capta os sussurros mais íntimos, simula ímpetos da intimidade devassada de personalidades de régio pagamento, em contraposição as que lutam pelos sonhos, os seus, de suas famílias, das quais muitas sequer tiveram um filho graduado, uma filha licenciada. Mesmo depois que as histórias de superação saltaram de Os miseráveis, de Victor Hugo, para nossa realidade.

O filme cuja ideia foi apresentada pelo professor Renan Garcia, do Anglo Vestibulares, registra a emoção em ritmos frenéticos, soturnos e noturnos, de gente que tem urgência de colocar o tempo a seu favor, enquanto têm forças, são empurrados pelas expectativas da família e ainda sobra paixão para viver, estudar, amar e se formar.

A obra cria o espaço para o debate da educação brasileira, dos que são marcados pela elitização dos internatos e dos que trazem as marcas da vida sem muitas possibilidades, sem sobras nem desperdícios, sequer de pensamento. A educação é a novela trágica do revés da história mudada por um operário que ousou “colocar o Brasil na modernidade”, como publicou o diário conservador francês Le Figaro. Sem o bestiário político da mídia tupiniquim, disfarçado de modernidade.

O décimo de maturidade política negado pela imprensa é compensado pelos seis jovens escolhidos dos 60 entrevistados para as filmagens. A busca conduziu a “pessoas articuladas e com histórias marcantes, que realmente fizessem a diferença no documentário”, aos quais se integraram índios da tribo Xokó – do interior de Alagoas – que também se preparam para o vestibular, a partir do projeto da Universidade Federal.

As histórias se misturam e são mostradas pelas situações reais, somadas aos esforços, descontada a invisibilização ditada pelos que controlam a comunicação, condição que proporcionou a narrativa que trocou o bucólico pelo frenético, a imutabilidade pela jovialidade, a ingenuidade do nada em troca da luta pelo futuro.

E por trás dessa gente, professores e professoras cultos, criativos, alegres, que dinamizam maracanãs de estudantes com hormônios à flor da pele, ensinam o esforço, motivam para a conquista e propiciam as razões para que riam das circunstâncias e sigam sem olhar para os lados. E secundando essa presença, coordenadores, gestores, médicos, familiares e colegas. Agora preparem-se para os muitos relatos, as conquistas, alcançadas e adiadas, por quem está Virando o bicho.

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=ouXSy_Hrsb4


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