sábado, 26 de janeiro de 2013

Assistentes sociais reclamam do 'sanitarismo’ da Prefeitura


Antonio Carlos Ribeiro

O cuidado com o humano em situação de fragilidade está em risco nos centros urbanos. Eventos internacionais como a Copa do Mundo (2014) e as Olimpíadas (2016) têm um impacto deletério nas populações de rua.

O conflito entre gestores e assistentes sociais é frequente, já que o primeiro isola a pessoa com o objetivo de "sanear" o ambiente urbano, enquanto o segundo, do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), conta com assistentes sociais do Serviço Especializado de Abordagem Social.

Indagado sobre a diferença fundamental entre os agentes do Corpo de Bombeiros, Guarda Municipal, Hospital Geral, Polícia Militar e Centro Municipal de Trabalho e Renda, e dos Assistentes Sociais, Marcelo Jaccoud, assistente social do Serviço Especializado de Abordagem Social do CREAS Zilda Arns, em Campo Grande, respondeu seguro: "Para enfrentar a situação de isolamento é precisa dar voz!

Ele relatou que a primeira coisa que fez na rua foi uma pesquisa. "Para a minha surpresa, descobri que o que mais incomoda quem mora na rua não é a fome ou a falta de um teto, mas o preconceito, a discriminação e a indiferença".

Atuando com as assistentes sociais, Karla Mônica e Denise Assunção, sendo dirigido pela também assistente social Adriana Gonçalves, Marcelo relatou o que entende serem avanços alcançados pela equipe.

O primeiro foi a criação do grupo de convivência. Os moradores de rua se reúnem na sede do CREAS, já que o primeiro objetivo é promover o entrosamento entre eles. Isso é muito importante, determinante, fundamental para quem perdeu vínculos sociais e familiares. A maior dor é a solidão!

Órgãos governamentais buscam soluções práticas como tirar da rua, desmontar a moradia improvisada em pontos de ônibus, rodoviárias, becos, vielas e favelas, sem enfrentar o conjunto de problemas que atormentam aquela pessoa sob a intensa dor do trauma, da perda e da consequente incapacidade de reorganizar sua vida.

“A pessoa foi parar na rua porque teve algum problema e precisa achar saída para ele.” Diante dessa situação, o assistente social é definitivo: “Ninguém tira ninguém da rua".

No trabalho cotidiano com as populações de rua, a equipe faz abordagens, realiza reuniões, promove atividades como passeios ao teatro, ao circo e à praia. Faz visitas aos locais onde essas populações residem e mantém encontros semanais com as instituições de serviço público, conhecidas dessas populações.

Além da dor emocional e dos entraves gerados para a reorganização da vida, existem os óbices cotidianos que impedem o acesso de condições mais saudáveis e adequadas à vida humana. Além de romper o isolamento individual e estabelecer relações com os assistentes, era preciso avançar mais.

O que Marcelo chama de conquista foi fazer “um churrasco para comemorarmos os aniversariantes do mês. Quem morava na rua levou carne ou refrigerante. Quem tinha casa levou arroz, maionese e farofa. Valorizar o que cada um pode conquistar – a capacidade de fazer um simples churrasco, por exemplo – é muito importante”, enfatizou.

Os números dos resultados não enchem os olhos, mas significam grande conquista quando vistos percentualmente. Em 2011, o número de pessoas em situação de rua acompanhadas com certa regularidade pelo grupo de convivência do CREAS de Campo Grande era de 95 pessoas. Dessas, 33 conseguiram voltar para suas casas ou arranjaram uma nova casa, e apenas 24 permaneceram em abrigos. Isso significa que 60% delas deixaram a rua.

O assistente disse ainda que atuou também na Embaixada da Liberdade, equipamento inaugurado pela Prefeitura em dezembro de 2009, perto da região de venda de crack de Manguinhos e Jacarezinho. O trabalho era voltado para crianças e adolescentes usuários e atendeu mais de 1 mil pessoas em menos de um ano.

Meninos e meninas tinham banho e comida, podiam dormir e participar de oficinas de carnaval, capoeira, beleza, hip-hop etc. Eram atendidos por uma equipe multidisciplinar, com assistente social, psicólogo, terapeuta ocupacional e pedagogo.

“Enxergar aquelas crianças e adolescentes como de fato eram – crianças e adolescentes e não usuários de drogas – fez toda a diferença. A Embaixada é uma alternativa viável e muito mais eficaz do que o recolhimento compulsório”, disse Marcelo.

Mas com a ocupação militar do Complexo do Alemão em 2010, a Embaixada foi fechada e não abriu mais, apesar do abaixo-assinado dos moradores de Manguinhos e Jacarezinho pedindo ao poder público para reabri-la.

Apesar do trabalho de assistência social já realizado, o recolhimento compulsório diário feito por equipes de agentes da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) da Prefeitura do Rio, leva pessoas que estão nas ruas do Centro e Zona Sul da cidade para um abrigo em Paciência.

Para o assistente social Marcelo, “essa ação afasta as pessoas dos seus vínculos familiares e comunitários, o que é contrário aos objetivos da política nacional de assistência social”.

Ainda pior que esse encaminhamento é que algumas dessas operações são realizadas com o apoio da polícia. E o resultado é que “os usuários acabam identificando a assistência social com ações de repressão. Se não preciso de um policial na porta da minha sala de atendimento, também não preciso de um ao meu lado quando atendo pessoas na rua".

Mais danoso do que não ter uma política de atendimento satisfatório a essa população, é o trabalho desenvolvido por equipes profissionais, como a que Jaccoud integra, e está sendo ameaçado pela política da Prefeitura. Se a perspectiva é sanitarista não são necessários profissionais de assistência, que abordam de forma respeitosa o morador de rua.

A situação é tão grave e desumana, que no primeiro mandato do prefeito Eduardo Paes a violência usada nos recolhimentos provocou denúncia de assassinato e investigação do Ministério Público. A Prefeitura teve que assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), se comprometer a não recolher à força e garantir a presença de um assistente social nas ações. Mas Marcelo enfatizou que o assistente social não coordena nem participa do planejamento dessas ações.

As operações são desastrosas. “O resultado é inócuo”. Os agentes não conhecem a rede de serviços e a única coisa que se oferece é o abrigo em Paciência, a 70 km do centro do Rio. “As pessoas aceitam ir só para almoçar e, em alguns casos, comprar drogas na boca de fumo que fica ao lado do abrigo”, denunciou o assistente social.

Além da denúncia, o Conselho Regional de Serviço Social do Rio de Janeiro (CRESS-RJ) decidiu fortalecer a atuação dos assistentes sociais elaborando um termo de orientação que auxilie os profissionais na afirmação dos princípios ético-profissionais.

O maior temor dos assistentes sociais – conscientes de que devem fortalecer os direitos dessa população – é, ao atuar com gestões administrativas que desrespeitam procedimentos básicos, venham a corroborar com práticas que, além de serem comprovadamente ineficientes, violam os Direitos Humanos e ferem a ética profissional.

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