Antonio Carlos Ribeiro
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20) começa a mobilizar a sociedade brasileira – que hospeda comitivas técnicas e diplomáticas dos países, encabeçadas por chefes de Estado ou de governo – nesta sociedade marcada por contradições como a impunidade da ditadura militar, a mídia controlada por um conglomerado privado e latifundiários que impõem o Código Florestal à sociedade civil organizada – que elegeu o governo mas não controla os votos para aprovar projetos de seu interesse no Congresso.
Para entender o papel da sociedade civil organizada, a ALC ouviu o depoimento do psicólogo Rafael Soares de Oliveira, que coordena o Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço, uma das entidades-chave na coordenação da Cúpula dos Povos, a coalizão de ONGs, organizações de atuação na área ambiental, entidades populares, igrejas e religiões. Essa parcela representativa da população, sem poder direto mas com forte influência nas diversas camadas sociais das populações ao redor do mundo, une forças, articula atores sociais e elabora estratégias para deixar sua marca neste debate de impacto mundial.
Para Oliveira, a Cúpula dos Povos tem “um foco muito grande em agroecologia, sistemas renováveis e florestas que, com consumo de alimentos e produção em abundância, são temas colocados na pauta, e também a preocupação com a mudança climática em todas as suas direções. Essas três estão se parecendo mais com a agenda internacional super forte”.
Mas deixa claro que “em termos da governança global, as restrições não são apenas à questão ambiental”. A questão é democrática mesmo. “Como as democracias e os Estados vão dar conta desse fervilhar de novos movimentos e processos de insatisfação que estão presentes no planeta”, indagou. Ele tem claro que os governos e o sistema financeiro global “estão gerenciando para uma minoria muito drástica, que deixa de fora muita gente e muitos processos de oportunidades. E pior, não procura abrir a mão ou os olhos para outras alternativas”.
Os governos, na verdade, estão “tentando aplicar um pouco mais do mesmo remédio – neo-liberalismo – para ver se resolvem o problema em que a Europa está tropeçando desde 2008”, explicou. No caso do Brasil, é diferente, mas não sem conflitos. A posição do “governo brasileiro como um todo a gente pode abstrair da fala da presidente. Ela disse o seguinte: eu entendo as reivindicações da sociedade civil, mas eu sou governo e vocês são sociedade. Vocês têm que fazer alguma coisa por vocês, e nós faremos a nossa parte”.
Isso possibilita que a sociedade delineie sua proposta de intervenção. “O nosso papel vem do fato de fazermos parte de um projeto de um Brasil sem miséria, com projeto para 85 milhões de brasileiros, que precisam de qualidade de vida e de serviços públicos, e que não alcançamos a solução progressiva para essa qualidade e para a distribuição efetiva de riqueza sem crescer menos que 4% ao ano”, definiu. As entidades que integram a Cúpula dos Povos lidam com o “governo nos seus vários matizes, incluindo os lugares onde ele não é assim rápido. Mas na fronteira do debate central em torno da economia, ainda temos muito que avançar”. Daí surge a posição “de que nós não vamos privilegiar a discussão setorial, de grupos específicos ou temáticos”, assumiu.
“Essa discussão é pautada nas políticas de Estado”, admitiu o líder de Koinonia, “mas ela sempre vai ser secundarizada” em função do “projeto para 85 milhões de brasileiros que precisam de qualidade de vida e de serviços públicos”. Não é suficiente “ter políticas setoriais para mulheres, crianças, negros e indígenas”, porque se "em algum momento elas atrapalharem a luta” – o não crescimento de 4% ao ano com distribuição de riqueza e manutenção do crescimento do país – “elas vão sim ser trituradas na máquina de desenvolvimento, o que para nós não dá para concordar”, deixou claro.
Ao relembrar que “democracia supõe direitos de minorias, se fossem minorias, todos esses grupos que eu citei”, resta ainda que “as execuções delas são contraditórias”. Assim, a Cúpula dos Povos vai “invocar o governo brasileiro a dar o exemplo global, emitindo uma posição firme e contrária a que se continue uma política de depredação ambiental ou de deterioração do planeta, vetando o Código Florestal alterado atual, ou avançando em propostas em relação aos acordos climáticos, rejeitando as metas do milênio, que aumentam a responsabilidade de quem mais polui e investindo em tecnologia alternativa limpa, mas também pensando num lugar comum, nesse que é um detalhe para mim importante em termos de defesa política”, enfatizou.
Rafael Oliveira dá a dimensão política do embate ao enunciar que “quando falamos de bem comum, se deve incluir tecnologia, que hoje é propriedade privada”. Se pensarmos no futuro do planeta, indagamos: “vai ter tecnologia limpa, mas com controle da tecnologia por parte de alguns? Vai continuar tendo concentração de riqueza, quem quer vender o que vai limpar mais ou limpar menos a energia ou a produção? Enfim, se vai continuar no ciclo da desigualdade constante”, elucidou.
Para colocar balizas, afirma que “outro ponto na cooperação com o governo é que nós não estamos necessariamente fechados a cooperar com ele em diferentes áreas como democracia, direitos humanos, etc”. Mas lembra as “dificuldades do próprio governo”, que tornam “difícil estar num evento global como este que vai acontecer no Rio de Janeiro. Com a Vale do Rio Doce concorrendo a ser a pior empresa de mineração do mundo?, com Belo Monte, que é chamada hoje de Belo Monstro?”. Esses são os problemas com que ONGs, organizações e militantes da área ambiental, entidades populares, igrejas e religiões têm considerado ao debater nas diversas fronteiras de aceleração do crescimento, explicou.
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