quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Ensino religioso pluralista ou confessional?

Antonio Carlos Ribeiro*

Rio de Janeiro – Às vésperas da votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), relatada pelo Ministro Carlos Ayres Britto, o canal GloboNews exibe programa indagando a legimitidade da República Federativa do Brasil assumir postura independente em relação às Igrejas e religiões.



A matéria versa sobre o Brasil, um estado laico desde o fim do Império (1889), que teve sua segunda constituinte a partir deste mesmo ano e votada em 24 de fevereiro de 1891, na qual consagrou a Separação Igreja-Estado. Isso significa que o país assume plenamente a doutrina política e legal que estabelece que governo e instituições religiosas devem ser mantidos separados e independentes.

http://g1.globo.com/globo-news/jornal-das-dez/videos/v/saiba-mais-sobre-o-ensino-religioso-nas-escolas-publicas/1811498/

A aparente contradição não se dá entre o princípio de separação Igreja-Estado, por um lado, e ensino religioso, por outro. Até porque o Estado não imiscuir-se em questões doutrinais e a Igreja não interferir em assuntos de Estado funciona há bastante tempo e com claro respeito entre as partes nos países mais desenvolvidos do mundo. Já se a questão for conflito entre estado religioso e saber científico, especificamente orientação pedagógica, aí existem problemas de sobra, inclusive no país em que dias santificados de uma religião se tornaram feriados nacionais.

O ensino religioso em escolas públicas também não é uma dificuldade em países com alto nível de desenvolvimento e pluralidade religiosa entre seus habitantes. A propósito, é exatamente o Estado laico o que reúne mais condições jurídicas, pedagógicas e técnicas para gabaritar esse atendimento, com independência e respeito à diferença. Como o que já vem sendo feito, seguindo a legislação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), respaldada na Constituição atual.

A tendência começa com vinheta ‘Fé na Educação’, ao suscitar dois sentidos: o da população crer na educação ministrada e o de legitimar a educação como propagadora da fé. O primeiro é legítimo e ao mesmo tempo, vigente. Já o segundo chega às raias da dúvida se igrejas e religiões têm condições de levar adiante sua pregação por conta própria, ou se precisam amparar-se no Estado. Ou, ainda mais dúbio, se é a pedagogia um saber voltado à vida em sociedade, valores morais e deveres para a cidadania, ou aos princípios de uma confissão de fé.

A menção à origem das religiões em terras brasileiras tem elementos de preconceito. Tenta associar a legitimidade da Igreja Católica pelo fato de ter sido a fé dos colonizadores portugueses. Além disso, ao referir-se a judeus e muçulmanos incluiu a frase “que vivem se enfrentando pelo mundo”, tentando desqualificar a importância e influência destes dois credos, sobretudo porque um é anterior ao cristianismo e o outro tem a mesma população e melhores índices de crescimento.

Nas escolas, a imagem da professora ensinando uma oração suscita a ideia de desrespeito à alteridade e à pluralidade, por mais bela e singela que pareça! Respeitar a criança hindu, maometana, budista ou judia não é impor-lhe a fé cristã. Nem é o melhor testemunho desta fé. Lembrem-se que Gandhi lia diariamente o Sermão da Montanha – uma série de ensinos e pregações de Jesus – mas deplorava a arrogância e violência dos soldados cristãos que dominavam seu povo. Até o modelo confessional-pluralista é contraditório. Pluralista é o que já existe na maior parte do país.

O depoimento da antropóloga Débora Diniz é basilar para a população pensar no que pode esperar do Estado laico: isenção na prestação de serviços, na elaboração de leis que assegurem o Estado de Direito e na atividade judiciária que garanta a isonomia – direito a tratamento igual – e isso deve ficar assegurado já pela via religiosa. Um perigo é vermos aqui a decisão do Supremo Tribunal da Espanha, que obrigou o Ministério da Educação a readmitir uma professora afastada do ensino religioso por ter se casado com um homem divorciado, garantindo a remuneração dos mais de 10 anos em que lutava por seu direito na justiça.

Na prática, o ensino interconfessional é o assegurado pela Constituição de 1988 e tem resultados muito bons. Veja a pesquisa já disponibilizada por especialistas (http://www.gper.com.br/). A propósito, esta é a pergunta central da Adin, redigida pela Procuradora-Geral em exercício Deborah Duprat, que explica como o Acordo Brasil-Vaticano – um documento diplomático, sem força normativa e constitucional – pode induzir a uma filiação religiosa, situação incompatível com a atuação da escola pública.

A proposta feita em São Paulo significa um avanço, porque trabalha em base mais objetiva – o ensino de história das religiões – exige formação duplamente qualificada, respeita a diversidade e aposta que o Estado independente cria mais interlocução com seus grupos, incluídos os religiosos. E tratará a todos com a mesma deferência.

Ao mesmo tempo, levante suspeitas sobre as críticas da própria emissora ao Irã e ao regime dos aiatolás, veja como trata outros credos e os termos usados para se referir a outras manifestações religiosas. A discriminação por causa de orientação sexual, etnia, cultura e gênero não é possível, qualquer que seja a interpretação religiosa. Sobretudo em espaço público. Observar isso o ajudará a ser mais crítico e indagará os interesses em jogo na adoção de um modelo em que maioria é cristã e em que complexos de mídia se empenham para implantar em nosso país, incluídos modelos de relação com o Estado que são rejeitados em vários países.

*Doutor em Teologia, especializado em Eclesialidades e Diálogo Inter-religioso na América Latina.

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