quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Carnaval: do folclore à paixão

Antonio Carlos Ribeiro

A palavra carnaval vem do latim carne levare (abstenção de carne) (séc. XI), que passou por variantes nos dialetos italiano, francês e alemão, até chegar ao português, com o folião sendo chamado carnavalesco e outras variações, até chegar à nossa realidade. Isso o caracteriza o Carnaval como os folguedos populares dos três dias que antecedem o início da Quaresma, associados a atividades lúdicas como disfarce, dança, canto e gozo da liberdade de comunicação, fortemente refreadas pelos poderes político e religioso durante o ano, tendo a Igreja como guardiã da ordem.



O entrudo

Esse confronto entre a instituição síntese dos poderes e os populares sempre teve alto custo humano, mas ela o fazia a partir dos interesses que representava. A repressão produziu sofrimento, registrado na pintura Combate entre o Carnaval e Quaresma, de Brueghel, obrigando a Igreja à atitude de tolerância. As elites perceberam que a festa proporcionava uma catarse sem a qual o ressentimento surgido da exploração, dominação e opressão poderia resultar numa reação popular explosiva. A sacralização da festa pagã afirmou o Sagrado, impôs as cinzas da penitência e a aprisionou no calendário religioso. A um só tempo.

No Brasil as festas do carnaval se desenvolveram nos últimos séculos como manifestações populares que traduzem as facetas originais e inconfundíveis da nossa cultura, cujas principais matrizes são o frevo e o maracatu, de Pernambuco, os afoxés e o samba da Bahia, e os diversos amálgamas que acompanharam as transformações do entrudo no Rio de Janeiro. Isso estimulou a manifestação das ricas culturas regionais, especialmente nas últimas décadas.



Os bonecos gigantes

Matriz dos festejos no Brasil colonial e monárquico, o entrudo incluiu da violência à festa. Consistiu em atirar água de bisnagas, limões de cera, pó ou cal nos transeuntes. Com o avanço da urbanização, passou a jogar água perfumada – os limões de cheiro – vinagre, groselha e vinho, com a intenção molhar ou sujar o passante despercebido. Em princípios do séc. XVII surgiram alvarás e avisos contra essa prática, sem sucesso. Nem com a denúncia da imprensa ou o apelo das autoridades.

O primeiro baile carnavalesco foi em janeiro de 1840 no largo do Rocio, centro da capital imperial, tendo vindo com a notícia dos bailes de máscaras na Europa. Depois passaram às casas de espetáculos. Chegaram os “arrastados”, feitos em casas de família, ao ar livre, matinês dançantes, em circos e só para crianças. A partir de 1900 passaram a ser feitos em clubes como o ‘High Life, os Teatros Fênix e Municipal do Rio de Janeiro, o Baile dos Artistas’, em hotéis de luxo como o ‘Glória, o Palace, o Copacabana e o Quintandinha’, em Petrópolis, e em cassinos, boates e grêmios recreativos como ‘Cordão do Bola Preta, Baile dos Pierrôs’. E, por último, os ensaios de ‘escolas de samba’ e ‘blocos’.



Desfile das Escolas e Samba na Av. Marquês de Sapucaí

Os ritmos que animaram essas expressões folclóricas também mudaram. Primeiro veio a polca, a quadrilha, a valsa, o tango, o cake walk, o charleston e o maxixe. Eram as overtures de ópera, os corpos de coros e instrumentos de percussão que faziam o salão ‘pular’. De 1834 a 1930 a participação exigia máscara – introduzidas pelos franceses em 1834 – retratando personagens folclóricos como o diabinho, o velho, a caveira, o burro doutor, o palhaço, o índio, a mula-ruça, o sujo e as disformidades. As máscaras eram de cera, de veludo, de papelão e com acabamento sofisticado.

As fantasias retratavam princesas, pajens, dançarinas, dominós, pierrôs, arlequins e colombinas, fidalgos, polichinelos, vivandeiras, guerreiros, odaliscas, borboletas e jardineiras. Essa diversidade fez surgirem concursos de fantasias, com fino acabamento e disputas entre figurinistas. A população foi perdendo a inibição para brincar o carnaval e os trajes foram ficando sumários, em resposta ao calor e à liberdade de movimentos.



Bloco O Galo da Madrugada

Depois veio o Corso, uma carreata carnavalesca de foliões que brincavam entre si e com os pedestres se confraternizando nas calçadas. É dessa época o confete, o lança-perfume e a serpentina, com a população cantando músicas de carnaval, ouvidas do rádio. A moda passou quando os carros conversíveis deram lugar aos de teto fechado. E a etapa atual é a das Escolas de Samba, que açambarcaram o prestígio dessas manifestações e as disseminaram pelo país.

Do folclore, o carnaval avançou para o conteúdo. Nas últimas décadas, ganhou consistência para confrontar credos religiosos, criticar costumes e fazer denúncias sociais, como o poder conservador das elites, a corrupção nos poderes republicanos, o sofrimento das classes populares, e sobretudo o poder religioso com apoio dos demais. Estes perceberam o efeito da publicidade ao ridicularizar suas falhas. Esse avanço propiciou a maturidade. No carnaval passado a Igreja conseguiu proibir uma imagem, mas a escola de samba venceu o desfile. No júri popular e no oficial.

Extraído de Novolhar, v. 10/43, jan.-fev. 2012, p. 18-19.









Um comentário:

lysias junior disse...

Muito bonito. Gostei e vou compartilhar. Obrigado

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