sexta-feira, 4 de outubro de 2013

‘Igreja mais fonte do que reflexo’, ensinou Garcia

Antonio Carlos Ribeiro

Rio de Janeiro – A conferência ‘Caminhos da Teologia’, proferida pelo Professor Alfonso Garcia Rubio, foi o ponto alto do encerramento da XIV Semana Teológica, do Departamento de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). O evento, realizado no dia 3 de outubro, foi coordenado pela Professora Ana Maria Lopes Tepedino e contou com a presença do vice-reitor, Francisco Ivern Simó, e do arcebispo do Rio, D. Orani Tempesta, além de alunos, ex-alunos, religiosos e convidados.

Garcia fala para os participantes da XIV Semana Teológica

Garcia é um teólogo espanhol, doutor em teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG) de Roma e atua como padre e professor de teologia desde a década de 1960. Arguto, crítico e com leituras em saberes como antropologia e psicanálise, consegue traçar um quadro lúcido do perfil da Igreja Católica, para a qual tem contribuído o curso de teologia que completa 45 anos.

Garcia destaca as principais dificuldades para ser uma ‘Igreja mais fonte que reflexa’. O fator mais positivo do curso de teologia é estar dentro da Universidade e assim poder dialogar com outros saberes. Isto força a teologia a se tornar cada vez mais aberta, repetindo esse adjetivo por quatro vezes. Em seguida, lembrou outro fator: atuar ‘olhando para a realidade brasileira’.

Durante este quase meio século, professores e alunos se defrontaram com situações como os impactos da modernidade, mudando a realidade de forma radical, alterando a cosmovisão, fazendo surgir novas mediações, obrigando a substituição de métodos – que não dialogavam com a realidade – especialmente no contato diário com as ciências, que rejeitavam os paradigmas nos quais a teologia era articulada. Explicitou o dilema ao indagar: “o mundo deve ser evangelizado ou ser condenado ao Quinto dos Infernos?”

Lembra o impacto gerado pelo Concílio Vaticano II, a resistência nas igrejas, ao tempo que a relativizou dizendo que era apenas ‘uma’ reação. Chamou Aquino de melhor teólogo medieval, exatamente porque sua teologia reflete o debate com seu tempo. A teologia deve ser escrita para ser lida pelas comunidades e não por outros teólogos. O diálogo com a modernidade/pós-modernidade ainda está distante, por isso sugere pistas na sua busca.

A opção pelos pobres é a primeira prioridade, porque se trata do seguimento de Jesus e porque mesmo mudadas as estruturas e as mediações, o dilema permanece. À frase ‘Igreja pobre para os pobres’, do Papa Francisco, ele acrescenta: ‘com os pobres’, cujo rosto é ‘do negro, do indígena e das mulheres’. As interpelações culturais e religiosas alargaram o horizonte, chamando a teologia a ser pluricultural e plurireligiosa.

Os mais atentos já perceberam que a cultura ocidental é uma entre outras, com seus valores e limitações, o espaço em que a fé cristã se desenvolveu, privilegiando o quantitativo e o institucional em nome da unidade. Hoje já se percebe a importância da experiência de Deus. Isso explica porque há muita doutrina e pouca mística, responsáveis pela Igreja ainda ser monocultural e eurocêntrica, em grande parte.

A possibilidade da unidade real e profunda na diversidade das culturas deve desafiar a teologia de hoje. Para tal deve superar a compreensão do ‘Deus onipotente’, que gerou a tendência ao individualismo e intimismo e predominou sobre o ‘Deus do amor’, espaço onde surgiu o ‘fascínio pelo poder’. Para lidar com este impasse, sugere superar a tendência a ser o ‘centro’. Lembra que a mulheres não têm protagonismo e devem cuidar para não fazer o mesmo quando o alcançarem.

Essas superações devem se basear no ‘encontro com Jesus Cristo vivo’, se dispondo a revisar o ministério ordenado, a renovar a liturgia, a responder à demanda de espiritualidade – diminuir a ênfase na religião e aumentar na mística – considerando o cultural na evangelização, na pastoral da comunicação, nos diálogos multiculturais e multiétnicos, no protagonismo dos leigos, sempre informadas por uma antropologia aberta na pastoral, pelo diálogo com saberes como ciência, artes e cultura.

A superação destes medos vai iluminar essa realidade complexa, propiciar uma visão do humano que integre as dimensões afetiva e espiritual à política, cultural e econômica. Diante da dificuldade, ‘olhem para Jesus’, bradou, ‘que não foi filósofo, nem teólogo, mas assumiu adequadamente o humano’. ‘O aleluia não substitui o compromisso ético’, percebendo que ‘não nos serve um Cristo abstrato, que na verdade é o seu ocultamento’, enfatizou.

E concluiu, chamando todos a repensarem a imagem de Deus ao compreender a subjetividade moderna. Um Deus absoluto responde à subjetividade medieval, mas não à moderna. Pessoas como autonomia interior rejeitam a visão do 'deus onipotente' e veem nela a base da ideologia da dominação. Para apresentar um Deus para nosso tempo, é preciso considerar isso.

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