domingo, 30 de setembro de 2012

Os evangélicos e o voto


Antonio Carlos Ribeiro

O debate em torno da campanha eleitoral tem como questão de fundo o exercício da autoridade, para o qual se necessita de Autoridade. Antes de estar associada a um nome, a autoridade supõe uma linha de sustentação legítima que implica o estatuto da função a exercer, a base social-política - atuar em nome do conjunto da sociedade e representar a polis - e ter claro que a tarefa não é conquista pessoal ou posse, mas fundamentalmente conquista da confiança, baseada em princípios, e que pode ser negada do mesmo modo como foi concedida. Melhor ainda a tarefa é datada, situada e circunscrita aos limites do cargo que a coletividade atribui ao postulante, para atuar em seu nome e não a despeito dele.


Por isso, o texto do apóstolo Paulo a respeito (Romanos 13.1, 2) é significativo para as pessoas de fé e até as que não creem. “Toda pessoa esteja sujeita às autoridades superiores, pois não há autoridade que não venha de Deus. As autoridades que há foram ordenadas por Deus. Por isso quem resiste à autoridade resiste à ordenação de Deus, e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação”.

A autoridade supõe a legitimidade da condição humana, razão pela qual quem a exerce também está submetido. Aqui começam os conflitos da sociedade que passou pela ditadura, mas não tem decência (dec, decor, do latim beleza). É um critério estético, de quem quer ser bem visto. Já sofremos a humilhação de ter as elites mais fechadas, obtusas e sem visão social da modernidade. Em consequência fomos o último país a abrir mão da escravidão, no fim do século XIX. E nos últimos 40 anos, sem ter caráter sequer para debater a ditadura e se defrontar com o passado. Até porque fazer isso nos faria lidar com males como a tortura, a corrupção, a violência, e os golpismos dos meios de comunicação... Que não temem ninguém! Ou melhor, só o wikileaks!

No tempo de Jesus o que os demônios mais temem é o diálogo. Eles fogem, se escondem, vão para os túmulos ou entram na manada de porcos que se precipita no mar, por saberem que milhares de monólogos não equivalem a um diálogo. Aliás, quem come carne de porco na Palestina? Até onde se sabe, apenas as tropas romanas lá estacionadas. Mais: qual é a moeda tirada da boca do peixe e mostrada a Jesus? O denário, que valia um dia de trabalho e era usado para cobrar impostos na Palestina. E Jesus mandou dar a César a única coisa que ele tinha: a moeda, com a qual explorava, já que a terra era dádiva de Jahweh.

Para um rabino pobre e nômade, Jesus é um jovem inteligente, sensível e falante. Ele pensa rápido, ora e prega. E assim, estabelece relações e dialoga com as pessoas. E o povo o ouve. A razão é simples: esse rabino tem boa teologia. E boa teologia não é só um discurso sobre o Sagrado, é uma fala que começa em O Sagrado e perpassa todos os sagrados da nossa vida (o alimento, o trabalho, o descanso, o amor, o cuidado e os espaços de vida, à volta), sintetizados, segundo Lutero, na expressão Pão Nosso, na oração do Pai Nosso. A teologia que merece o nome de tal, parte da realidade e a ela retorna, ensinou o metodista José Míguez Bonino.

"Sou apolítico. Não gosto de política. Sou neutro”. Então está morto. Na função pastoral, um serviço que não é educado oferecer é o sepultamento eclesiástico, por óbvio. Portanto, todos fazemos política o tempo todo. Até usar esse discurso é fazer política... ruim, sem debate, de má qualidade. Política é como respiração. A gente respira e conspira. Política refere-se ao exercício de alguma forma de poder, como nos ensina Bertold Brecht em "O Analfabeto Político”, nos mostrando que “a política, como vocação, é a mais nobre das atividades; como profissão, a mais vil”.

"Diga-me com quem andas...”. Quem os financiam? Fujam das candidaturas ricas, as que têm as maiores campanhas. Fujam dos candidatos que pagam cabos eleitorais. Esses fazem política como negócio. Investem na campanha para lucrar depois com as benesses que ganharão do poder público. Vejam a vida pregressa dos que se oferecem candidamente à função. E os partidos? Também. Tem compromisso?, tem proposta?, não tem corrupção?
Como lembrou Malcolm Muggeridge, só os peixes mortos nadam com a correnteza (Nur tote Fische, schwimmen mit dem Strom), especialmente na ‘piracema’, quando a vida da espécie está em jogo. Então aí, é dever evangélico falar, denunciar.

Lembrem de Tiago 1.27:  “a religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo”. A palavra não é religião, é adoração (latria), lembro-me bem do Prof. Darci Dusilek nos ensinando isso em Teologia Sistemática.

Um líder religioso que apoia candidatos comprometidos consigo mesmo e com os “amigos”, está diante de um dilema: 1 (concedendo o benefício da dúvida) é o ingênuo, tolo, sem horizonte de visão – sobretudo teologicamente, e assim não serve sequer à atividade pastoril [os europeus preferem cães pastores], quanto mais à pastoral. Ou, 2 é mau-caráter, ideologicamente corrompido, e então comprometido, que não serve sequer ao esperto (mercenário) após o pleito. É apenas necessário, já que se torna a conditio sine qua non para a atuação do mercenário. O rabino de Nazaré, era pobre e nômade, mas nos deixou o ensino de mover-se sempre a partir do absoluto do Pai. E ao agir assim, tudo o mais se tornou relativo!


segunda-feira, 24 de setembro de 2012

As paredes e as muitas falas


Antonio Carlos Ribeiro

O espetáculo teatral Contos para as paredes, apresentado pela atriz Joana Ferry, reconstrói o ambiente do claustro através do discurso, da gestualidade e da leitura de certo religioso clássico, com as marcas da inserção dos personagens e da forte atualidade. Seja pelo monólogo, alternando a narrativa com a fala dos personagens, seja pelas situações com enredo emocional correlato, seja pela recriação da aura das paredes da foto do programa.

As paredes são parte significativa do espetáculo por serem a interface visual do tema tratado. E, mais, por lembrarem os muros que escondem situações, protegendo do olhar público o que supõe a penumbra para ser contemplado, compondo espaços ‘sagrados’ em construções sacras e com registros de cultura nas clássicas, que servem para guardar o que não pode vir à luz.


Ao mesmo tempo, os monólogos de Joana Ferry possibilitam que as paredes dos diversos claustros sejam rompidas, criando o acesso do público a esse conteúdo de natureza espiritual – mais que apenas religioso – reelaborado a partir das literaturas portuguesa, espanhola e russa. A densidade espiritual do que é dito, somado ao significado literário dos autores, transportam o impacto da mística à cultura.

Os contos já revelam certa rebeldia, ao arrancar para fora do claustro – seja uma ilha, uma cidade ou um mosteiro cluniacense do século XII – os aspectos da vida tensa e densa dos que abandonam a vida dos seres humanos para buscar a mneme (memória), diária e ininterruptamente ao encontro do sagrado, que lhes permite voltar à vida dos outros seres humanos para lhes sinalizar o caminho da busca de sentido.

Escritos em forma mesma de conversa com a própria alma, esses solilóquios trazem as marcas dos diálogos profundos, através dos escritos remotos de mestres – da literatura russa, Leon Tolstoi, com Três Eremitas e Onde Existe o Amor, Deus Aí Está; da literatura espanhola, Leopoldo Lugones, com A Estátua de Sal; e da literatura portuguesa, Eça de Queirós, com Frei Genebro – reconhecidos por sua expressão na literatura. 

A este quarto trabalho calmo, conciso e consistente de Joana Ferry, soma-se a contribuição do diretor Evandro Meirelles Santos, que acrescenta densidade à atuação, ao lembrar que “o ator, sem fé no ofício, despreza a solidez das paredes do teatro. Esquece que elas existem há séculos, à espera que as palavras ali guardadas sejam colhidas com cuidado. O texto é, portanto, o senhor do jogo. Só ele deve sobressair no palco”.


O espetáculo dedicado à exposição das paredes da Igreja mostra outro aspecto da personalidade da atriz, sua formação psicanalítica, na qual o próprio diretor também tem participação. Santos, valendo-se da textura mesma dos textos encenados, observa que há muitos anos ele fala para as paredes. Mas nos últimos 20 anos, Joana Ferry está entre os que decodificam essas palavras através do eco das paredes.

Ainda sem patrocínio, Joana se inscreve entre aqueles profissionais que vivem da confiança última no trabalho que escolheram, e da busca permanente de seu aprimoramento através do palco, das luzes, das cenas, mas, sobretudo do rigor do texto, onde a qualidade é o mais importante.


quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Sociólogo português relaciona violência de gênero com atavismo cultural


Antonio Carlos Ribeiro

Rio de Janeiro – O sociólogo e professor Manuel Lisboa, da Universidade Nova de Lisboa, relaciona a violência contra as mulheres como um atavismo cultural forte, que tenta codificar até mesmo a relação entre pessoas do mesmo sexo. A afirmação foi feita em aula ministrada nesta terça-feira, dia 18, na Cátedra UNESCO de Leitura, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).


Lisboa, que participou da banca de doutorado de Moíza Fernandes Almeida, do curso de Letras da PUC-Rio, é Licenciado, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa. Além dessa formação, é especializado em Sociologia das Organizações, Sociologia do Gênero e da Vida Privada, e Metodologia de Investigação Sociológica. Segundo ele, seu país é um exemplo de como “foi possível passar de um lugar tradicional e conservador, até 1974, para um país que adota políticas de igualdade de direitos para as mulheres a partir dos anos 80”.

Ele relaciona o tema da violência contra as mulheres com a violência no âmbito dos direitos humanos. E afirma categoricamente que ela não é estrutural, mas conjuntural, mesmo que esta noção seja combatida nos domínios jurídicos e policiais. E reforça o argumento dizendo que “até a procura das causas que produzem e reproduzem a violência e intervenção situa-se mais na prevenção”.

Ele observa que a investigação científica desempenhou um papel fundamental, descobrindo que o fenômeno é holístico. Por esta razão, dimensões separadas do mesmo fenômeno não dão conta. Informou que primeiro estudo de âmbito nacional sobre a violência contra as mulheres em Portugal é de 1995, desenvolvido por uma equipe de investigação da Universidade Nova de Lisboa.

Entre as descobertas está que uma a cada duas mulheres é vítima de pelo menos um ato de violência física, psicológica e sexual. Que a grande maioria dos atos ocorre no espaço familiar da casa. Que só menos de 1% das vítimas recorre à polícia e aos tribunais, mesmo que a legislação de 1991 já penalizasse grande parte dos atos. E que a vitimação em geral é transversal a todos os estratos sociais e faixas etárias.

Há ainda estudos da década de 2000 mostrando a violência extrema, detectada nos Institutos de Medicina Legal, tem a incidência dos custos da violência sobre a família, na atividade profissional, na saúde e na educação. Foi feita a comparação dessa violência de homens contra mulheres, detctando suas causas socioculturais. Segundo ele, os Institutos de Medicina Legal mostram que as trajetórias da violência podem vir desde a fase do namoro e, consequentemente, os filhos são vítimas diretas, E, que mis de 90% dos filhos assistem à agressão contra as mães.

Já existem cálculos estimativos dos custos individuais da violência entre familiares e amigos, e colegas de profissão, com danos à saúde física e psicológica, e efeitos sobre o processo educativo. Segundo Lisboa, a combinação deste conjunto de evidências demonstra a causas socioculturais da violência, que essa violência contra mulheres é de gênero, e que se desdobra nas denúncias de violência contra as mulheres e contra homens mostrada nos estudos feitos entre 2007 e 2010.

Em relação ao local, o professor mostra que o local mais frequente da violência são a casa e locais públicos e de trabalho e que a reação das vítimas vem da violência exercida contra as mulheres, tendo como pano de fundo a desigualdade de gênero, que surge nos papeis sociais e nos valores e modelos estigmatizados que condicionam a ação dos agressores e das vítimas. A pesquisa revelou que os opressores agem segundo os modelos mais ‘esteriotipados’ da masculinidade. E por último, as chamadas vítimas da feminilidade. A conclusão geral é que “a violência contra as mulheres é realmente de gênero”, enfatizou o palestrante.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Caminhos possíveis à vigília na adolescência


Antonio Carlos Ribeiro

O filme Insônia (drama, Brasil-Argentina, dir. Beto, com Lara Rodrigues, Daniel Kusnieka e Luana Piovani, 90 min), que ainda entrará em exibição para o grande público, trata do mundo insone dos adolescentes.  Baseada na obra homônima de Marcelo Carneiro da Cunha, reeditada pela Projeto Editora, a película trata da dificuldade de adaptação cultural.


A história narra o cotidiano do drama de filhos de brasileiros e seus cônjuges argentinos e uma peculiaridade: a dificuldade de adaptação cultural por razões emocionais. Histórias conjugadas de fugas, ajudas recíprocas, acolhimento e novo campo de trabalho, ou como neste caso, da viuvez inesperada. Retornar é voltar à dor e por isso segue sendo postergado ad infinitum.

A história é ambientes em cidades do sul do Brasil, cujo território fronteiriço, certo ambiente cultural composto de estancieiros, prendas, peões, escravos e índios dão um tecido histórico dos limites, demarcados a ferro e fogo. Mas, superados conflitos como a revolução farroupilha, ficou uma cultura rica, que os jovens passaram a reinventar nos blogs e websites, trocando toda sorte de experiência com registro eletrônico e distribuída em forma de kbytes.

É justo esse ritmo insone, da pressa acelerada, de relações que reengrenam com novos pares entre pais e mães, que se estabelece a trama com novo desenho, criadora de novas sintaxes e codificadora de novas estéticas, que o diretor do filme abusou criativamente. As cenas têm rupturas rápidas, novos planos se sobrepõem, desenhos animados sobre imagens para distinguir o real do sonho, e o ambiente da adolescência, em que conflitos tomam  a dimensão de ondas insuperáveis.

O enredo entrelaça a solidão do pai, a forte amizade entre a filha e uma colega, uma pessoa que conhecem num clube e as teias em que pontas aparentemente soltas começam a conectar a outras, fechando clarões no tecido complexo, fazendo a história ganhar ritmo, surpresas e emoções. A narrativa adota uma linguagem ágil, uma estética cibernética e um universo virtual ainda mais rápido de troca de informações, para chegar aos jovens.

A conversa com o autor do livro flui como as imagens das ruas das cidades às rodovias gaúchas, partindo de shopping centers para descobrir clubes rurais, onde intelectuais se reúnem para conferências, alguns levando os filhos. Nesses ambientes brotam relacionamentos que crescem, se firmam no enfrentamento de conflitos, através de conversas, da disposição de canais abertos, ambientados em tomadas que vão dos armazéns do Rio Guaíba, em Porto Alegre, a praças, monumentos e pontes em Buenos Aires.

Isento de cenas dramáticas fortes e tensão acima do suportável, Insônia encanta pela beleza, pela gestão dos conflitos familiares, pela história verossímil e pelo elenco que, mesmo tendo apenas uma atriz de projeção nacional, Luana Piovani, tem um desempenho bom e propicia uma história densa, mas palatável e com algumas surpresas. Para quem tem filhos adolescentes ou trabalha diretamente com esse público no Brasil, é uma obra plenamente recomendável.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A emoção da amizade possível

Antonio Carlos Ribeiro

O filme Intocáveis (Intouchables - dir. Eric Toledano, Olivier Nakache, com François Cluzet, Omar Sy, Anne Le Ny, comédia, França) tem arrancado aplausos insistentes das plateias. Diferente da versão anterior, a intocabilidade não resulta do pleno poder dado a policiais para investigarem a rede criminosa de Al Capone em Chicago nos anos 30, nem da condição dos párias, pessoas pertencentes ao grupo mais simples e socialmente discriminado na Índia, que sequer faz parte de uma classe social. Mas, pelas mesmas vergonhosas razões, para descrever um homem rico e culto, e jovem negro, simples e autêntico, que com ele partilha a cumplicidade na luta pela vida.


Trata-se da relação de trabalho – na qual as pessoas não estão imunizadas da condição humana, ao contrário, podem atuar por causa dela – em que o aristocrata rico Philippe (François Cluzet), tetraplégico por causa de um acidente após a perda da mulher amada, contrata Driss (Omar Sy), um jovem negro, descendente dos povos colonizados pelos franceses, para ser seu condutor, mesmo não tendo experiência no atendimento a deficientes físicos.

Driss é escolhido após uma lista de candidatos, após saltar na frente apenas para conseguir uma assinatura para que possa recorrer ao seguro desemprego, e por isso sem os cuidados básicos para tratar ricos como semideuses, ser formalmente educado e cumprir as tarefas que lhe cabem. Ah, e se possível, ter alguma empatia com a pessoa de quem vai cuidar até durante o sono. Do empregado, claro.

E então, acontece o possível, mas no mais das vezes, inimaginável. O aristocrata tem sensibilidade humana, percebe a naturalidade do empregado, ri de sua linguagem e das suas expressões culturais, diverte-se com sua espirituosidade e, a despeito dos cuidados e cautelas dos que o cercam, decide contratá-lo.

Qualidades o distinguia dos que o cercavam. O empregado não tem piedade dele, nem o trata como uma babá, interage em situações do cotidiano, tem uma autenticidade que conquista sua confiança e, da qual surge a cumplicidade imprevista, e depois a amizade. Driss na realidade está descrente das possibilidade e quer apenas um atestado para solicitar o auxílio desemprego do governo. Já esteve preso, tem uma conduta conturbada, mas mesmo assim Philippe o contrata e os dois desenvolvem um vínculo forte, unindo valores e descobertas do conflituoso entrechoque dos mundos distintos.

O público se diverte, assiste o filme com emoção, o enredo toca em situações limítrofes das perspectivas em contradição. De um lado, a ousadia e as novidades trazidas por quem tem uma visão desobrigada dos deveres da aristocracia, e de outro, o rico que encontra uma amizade autêntica, desinteressada e sem valer-se da convivência e das proximidades econômicas do outro. Depois começou a segunda parte irônica da película: perceber como a imprensa informada por valores elitista lidou com o tema.

Os primeiros comentários diziam que o enredo é plausível mas muito improvável. Outros disseram que roteirista, diretor e produtores fizeram uma aposta grande. Engendraram riscos mil ao contar o que seria um drama – redimir um tetraplégico rico pelas façanhas do ‘bobo da corte’ – onde histórias de superação que a Europa se acostumou a ver durante séculos. E que o Brasil começou a vivenciar na última década.

As suspeitas, as emendas descabidas e os limites que ‘não poderiam ser superados’ nos dramas reais do cotidiano, pretendia ensinar a imprensa da axiologia ‘correta’. E finalmente uma surpresa agradável para a maioria dos que viram o filme: ele agradou ao público e à crítica, arrancou aplausos, não terminou em tragédia e dramas intermináveis, e começou a levantar suspeitas sobre o enredo que aproxima um rico e doente de um negro, simpático e espirituoso.

Quase chegando à tragédia, houve quem indagasse se seria um drama, enfatizando o sofrimento do ‘condenado’ à cadeira de rodas e de um pobre sem teto e com familiares em conflito com a lei. Com uma suspeita remota e desconsiderada de que a amizade surgida dos dramas cotidianos pode ajudar na superação de sofrimentos. Mais que isso, empolga pessoas diferentes, mostrando o elo entre amigos de universos que têm na colisão o momento de reconstrução de novos cenários, ricos e propositivos.

Ao começar a filmar Intocáveis, os diretores Eric Toledano e Olivier Nakache não tinham completa certeza de estar no caminho certo, embora soubessem que era um grande papel para um comediante que já fez três filmes sob sua direção. E que tem crescido artisticamente. Daí ao fato do filme ter se tornado um sucesso, para alguns um fenômeno, é uma sequência de ganhos imprevistos e surpreendentes.

Ter se tornado a segunda maior bilheteria da história do cinema francês – o povo que venceu uma copa de futebol por ter a base do time com integrantes das antigas colônias – desaprendida na copa seguinte e com problemas de discriminação e desrespeito a imigrantes ter feito perder jogos praticamente ganhos, com cenas patéticas como a rejeição da solidariedade do técnico brasileiro, já tendo sido visto por 19 milhões de pessoas, atrás dos 25 milhões de espectadores de A Riviera Não É Aqui, de Dany Boon.

Uma expectativa de Toledano é ganhar o público brasileiro, no qual o Tropa de Elite 2, de José Padilha, é o filme mais visto, com 12 milhões de expectadores. O que torna o Brasil um mercado preferencial do cinema francês, com um público que privilegia o cinema de autor. Nas duas últimas semanas, Intocáveis já cruzou os principais mercados brasileiros, com muito aplauso no Rio, São Paulo, Porto Alegre e Recife.

Indagado sobre a fórmula, negou sua existência e rebateu críticos dos EUA, que “nos acusaram de ser manipuladores, imagine, logo os norte-americanos, que manipulam tanto com o cinema deles. Mas é compreensível. Eles dominam o mercado de cinema no mundo, não podiam aceitar que a gente entrasse num território que é deles, o das duplas birraciais", falando da “força da amizade e superando os limites”.

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