sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Os crimes das ditaduras e a construção da identidade

Antonio Carlos Ribeiro

Os crimes praticados nas ditaduras latino-americanas têm provocado reações de vergonha e orgulho. As primeiras, tem a ver com a incapacidade de admitir culpas e crimes, acertar contas com o passado e deixar a vida seguir em frente. A segunda, é a atitude honrada, independente e não corrompida dos tribunais dos países do cone sul das Américas – à exceção do Brasil – com coragem para fazer o bem, restituir os corpos às famílias, a dignidade aos revolucionários e a auto-estima à sociedade.

Num grande percentual, a vida já está seguindo em frente. A desimportância e mesmo a vergonha, dirigidas pela sociedade a quem rompeu com qualquer padrão de civilidade – especialmente a partir de 1968 – bastaria para a justiça. Mas a nação exige mais que simplesmente assumir o crime à cidadania, inclusive para salvar a instituição militar, criadas com o fim de defendê-la e não de ser seu pior algoz. Então, ao invés de admitir os erros e pedir perdão, ficam presos à maldição, transformada num ranço moral, asqueroso e deprimente, a ser passado a limpo.

Além de não deixar avançar e significar um peso para jovens oficiais, que têm o amor pelas armas em defesa do país, do sentido da disciplina e do dever emporcalhados, fato compartilhado por famílias, histórias pessoais destruídas, além da história política, das décadas de desenvolvimento negadas, do martírio dos executados à memória maldita dos que não conseguem avançar simplesmente porque as chaves da prisão emocional e física – o principal registro histórico pessoal, como ensinou Michel Foucault – os transmudou em fantasmas a pairarem amorfos sobre a sociedade, sugando-lhe as energias morais, como os dementadores da saga de Harry Potter, de J. K. Rowling.

Diante da incapacidade de admitir o erro e pedir perdão pelo crime, vivem sobressaltados, com as fardas escondidas, sem direito à expressão social, sempre associados a um período de horror. E quando aparecem estão se defendendo – mesmo com a linguagem violenta e ameaçadora – a única que conhecem e que levou deles até a si mesmos. Mesmo os gritos nos jornais de elite, também decadentes, mais parecem sussurros de leões desdentados, sem direito a rugido. Os ecos dessa mídia que aprisiona consciências e chama outros de ditadores, tentando afastar para longe o que está perto, escondendo dores de todo tipo, sem se dar conta que o dia da música Apesar de você, do Chico Buarque de Holanda, já raiou! E, na maldição, fantasmas precisam da noite, já que a luz do dia – para os demais força – é para eles o contrário do submundo em que vivem!

Assim, deve ser ver vista a crítica de associações de militares à publicação de lista de 233 militares e policiais acusados de tortura durante o governo do general Ernesto Geisel (1974-1979), o único luterano durante a ditadura militar. A lista publicada na edição de janeiro da Revista de História da Biblioteca Nacional http://www.revistadehistoria.com.br/secao/na-rhbn/a-lista-de-prestes, editada pela Sociedade de Amigos da Biblioteca Nacional, faz parte do acervo de Luís Carlos Prestes (1898-1989).

Houve acertos, em todo esse processo, e por isso merecem destaque. O general Clóvis Bandeira, vice-presidente do Clube Militar, disse que a publicação "não deixa dúvida de que lado está o órgão público", no que conta com o apoio da sociedade brasileira, inclusive júbilo, já que finalmente o Estado está em seu papel constitucional de defender seu povo. O coronel Abelmídio Sá Ribas, presidente da Associação dos Oficiais Militares Estaduais do Brasil, também acertou. "Isso cria uma situação de conflito gratuito, que já deveríamos ter superado há muito tempo". Só faltou dizer a palavrinha mágica, que as crianças aprendem nas primeiras séries – perdão! – mas eles ainda não. Será que lhes falta a infância?

A Justiça Argentina distingue-se da nossa pela coragem e honradez. Compromissada com seu povo e com a justiça que juraram fazer, puniram os ditadores pelos crimes contra a humanidade cometidos apenando militares, de soldados a generais, com a prisão perpétua. O último ditador, ex-general Reynaldo Bignone (1982-1983) – já sem o título que deveria honrar - foi condenado em 29 de dezembro a 15 anos de prisão, pelos crimes da prisão clandestina de “El Chalet”, localizada dentro de um hospital público, de 1976 e 1983.

A decisão do Tribunal Oral Federal Número 2, de Buenos Aires, se soma as duas penas de prisão perpétua que o ex-general, de 83 anos, já cumpre. Isso significa que sua vida será insuficiente, já que depois de gastá-la cumprindo a pena, ainda deverá 15 anos, do que não terá mais, à sociedade, decidiu a justiça. O tribunal condenou e mandou prender o ex-brigadeiro Hipólito Rafael Mariani por oito anos, e o civil Luis Muiña, por 13 anos, por privação ilegal de liberdade e torturas, cometidas contra pessoas detidas ilegalmente no hospital estatal de Posadas, também na capital. Segundo o jornal Clarín, o acusado Argentino Ríos, não estava presente por razões de saúde, mas ainda será julgado. Esses militares tiveram o bom senso de não comentar a sentença, sem que lhe fossem indagadas as razões, que agora lhes deve sobrar, e que à época lhes faltou por completo.

A punição de perder o título e cumprir a prisão no domicílio, por causa de sua avançada idade, é moral, mas efetiva. Essa é a maior ameaça aos fantasmas de verdugos brasileiros. Além de ser declarada a desonra em que já vivem, obrigarão as famílias a carregarem seu opróbrio, e em consequência o do país – cuja justiça que manda remunerar criminosos, aposentar juízes corruptos com ganhos altos e generosa liberdade – como se fosse sua e não da sociedade que lhe atribui poder para isso. A não ser que esteja correto o ministro Marco Aurélio Mello, primo do único presidente impedido de governar, que parece ter algum poder e nenhum respeito popular, outra punição, também moral!

Finalmente, o orgulho que a sociedade deseja é o de recobrar poder sobre seus tiranos, ver decidida pela justiça a condenação que ela já exarou contra os criminosos – fardados, togados ou engravatados – que se tornaram eles mesmos a expressão da maldição da sociedade subalterna, que carrega as marcas emocionais das senzalas, dos maus-tratos da elites, da insegurança afetivo-intelectual, também chamada complexo de bastardia. E não a das novas gerações, construída a duras penas, entre as quais organizar a economia, esconjurar os corruptos e prender criminosos. Essa luta de agora também é de construção da identidade. Mas não como a desses heróis de papel. E nem a qualquer custo!

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Sociedade espera voz das Igrejas

Antonio Carlos Ribeiro

Duas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) desta semana chocaram a sociedade, expuseram a guerra entre magistrados ficha limpa e ficha suja, e clamaram pela intervenção de setores moralmente idôneos. A primeira foi a decisão do ministro Cesar Peluso no julgamento da lei da ficha limpa, mesmo votando duas vezes para que Jader Barbalho, que responde a processos na Justiça, volte ao senado. E uma sessão exclusiva para empossar a ministra Rosa Weber, sem que ela tivesse votado, sob o risco de garantir a moralidade do ato.


A desfaçatez do ministro exigiu que a posse do senador ficha suja fosse imediata, após o recesso parlamentar, obrigando a uma reconvocação do Senado, além de onerar a nação com direitos e recebimentos do ano em que não trabalhou. A despeito da lei, que deveria cumprir e fazer cumprir, além de mostrar desrespeito pela cidadania, já que esta já demonstrou seguidas vezes desejar a moralização do poder público. A interpretação popular é que, apesar da população querer se livrar dos bandidos no poder, o Poder Judiciário deseja outra coisa.

A outra decisão, em forma de liminar, exarada pelo ministro Marco Aurélio Mello, o único nomeado pelo único Presidente da República a sofrer impeachment no Brasil e na história moderna, em nome do único poder da República sem legitimidade popular – e portanto incólume à vontade dos cidadãos – impedindo que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão criado para fiscalizá-la, investigue seus membros. Isso levou o ministro Ricardo Lewandowski a entrar para a lista dos suspeitos ao negar a investigação de juízes, impedindo que o nome de 216.800 magistrados fossem submetidos ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), do Ministério da Justiça. Sem transparência.

Como sabe a Justiça, a plena liberdade de acesso dos réus – alguns desembargadores – às provas, possibilitará a destruição de provas e a fraude, intocáveis pelo cerco à Corregedoria Nacional da Justiça, criada para tal. Mais complicado que saber da atitude de juízes que, corporativamente, asseguram a impunidade dos colegas em detrimento da sociedade brasileira, é saber que são os que mais e melhor sabem dos desvios de conduta, de que só serão julgados por colegas e, pior, que a sentença máxima que receberão é a de serem aposentados com todos os recebimentos intocados. Na verdade, uma premiação para funcionários públicos corruptos, frente à qual a possibilidade de condenação não chega a ser um risco.

Por trás de todo o processo de moralização da Justiça, especialmente dos Juízes, está a atuação da ministra Eliana Calmon, Corregedora Geral da Justiça, que inevitavelmente entrou em conflito com o Presidente do STF e CNJ, especialmente porque ela referiu-se em público a “bandidos que se escondem atrás das togas”, vista como uma afronta ao judiciário e não como o que é, uma denúncia do comportamento de juízes, desembargadores e ministros corruptos, isto sim uma afronta à sociedade. Ocorre que a ministra, por dizer a verdade, alcançou o apoio da sociedade e do poder legislativo e o ódio dos colegas corruptos, obrigando às ações vergonhosas, recursos vis utilizados pelo presidente, e recurso comum aos que ‘precisam’ se afirmar, diante da afronta.

O fato de isso ter ocorrido na semana de lançamento de A Privataria Tucana também é sintomático. O escândalo tem proporções geométricas, alcança dos mandatos da presidência, governadores, prefeitos a outros funcionários. Sem falar na cobertura da GAFE (Globo, Abril, Folha e Estadão), que se confirma no silêncio sobre a obra. Se foi comprada aos milhares para ser destruída, só mudou porque a editora vendeu mais, aumentou a procura e se tornou opção de presente de natal. Além das versões disponibilizadas distribuídas na internet.

Aqui entra o papel das igrejas provocando o debate da convivência humana, especialmente no que diz respeito à ‘convivência dos interesses diversos, determinando leituras com proximidades em algumas parte e divergências brutais. A contribuição das igrejas vem do fato de também serem elas comunidades humanas, marcadas pela busca do Sagrado, com um mandato e hermenêuticas as mais diversas, que vão desde o sentido da salvação que anunciam, da qual nascem e para a qual existem, até a clareza de que não detêm um discurso absoluto – aprendida a duras penas por algumas, e não aprendidas por outras – causando dor e sofrimento a si e à sociedade.

As igrejas, desde a idade média e a modernidade, têm séculos de aprendizagem da convivência dos semelhantes e dos diferentes, a partir do evangelho que vê os seres humanos em igualdade, e a elaboração do conceito de graça, indispensável no cristianismo. Este tema reflete a dificuldade de transigir entre a afirmação de fé e a elaboração da prática, já que a prática mostra se o conceito de graça é apenas formal, sem se comprometer com a humanidade plena, noção a que Dietrich Bonhoeffer chamou de graça barata, em contraposição à graça cara, que vai além dos discursos, busca relações igualitárias, sem negar a todos o que afirma a si (Res-publica).

Mas essa situação obriga as igrejas a reverem seu estatuto ontológico básico, a partir de suas origens europeias e portadoras da mesma discriminação trazidas por suas culturas à sociedade brasileira. O problema é que a reflexão das igrejas deve avançar mais, já que a sociedade avançou décadas em uns poucos anos, e com controles religiosos e ideológicos fragilizados, os membros das comunidades são apanhados rejeitando propostas como cidadania, direitos humanos, respeito ao diferente, solidariedade com os fracos, fazendo-as descobrir, surpresas, que aqueles eram os valores que deveriam anunciar.

Ao se descobrirem identificadas com o mesmo sistema de privilégio que defendem – conscientemente ou não, interna e externamente, incluindo ou excluindo pessoas – devem pedir perdão, confessar o pecado e viver de forma a sinalizar novo caminho para a sociedade, sendo o melhor exemplo prático da mensagem que anunciam.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Amizade, ganhos, perdas e... amor duradouro

Antonio Carlos Ribeiro

A capacidade de distinguir sentimentos profundos e inesquecíveis como o amor e a amizade – mesmo que esta nunca deixe sua condição – sofre o teste definitivo quando sacudida pela perda. Este é o principal argumento do enredo do filme Um Dia (One Day) (2011, 107 min., drama), roteirizado por David Nicholls e dirigido pela Lone Scherfig, tempero de gênero que talvez explique a beleza da narrativa.



A história é longa, cobrindo um período de 20 anos após o curso universitário, em que um casal vive encontros e desencontros afetivos, profissionais e familiares, cujo fio vermelho é a data de 15 de julho de 1988, de um encontro, daí o título Um dia, em que a experiência de cada um deles conquistou o status de eternidade existencial, da qual se lembrariam por décadas.

Momento intensamente vivido, mais bem gravado do que imagem em película ao abrir do diafragma, se transforma em memória quase em sentido místico, que subsiste às trajetórias, aos amores, às oscilações e às crises identitárias, tendo como pano de fundo a bela Edimburgo, a cidade escocesa das tradições inventadas, como ensinou Emanuel Fraisse. Veja o trailer: http://www.youtube.com/watch?v=3C1dSEK27L0&feature=related

O outro elemento são as personalidades. Emma Morley (Anne Hathaway) é profunda, intensa, dedicada à educação, tem sentimento e paixão, faz o que ama e ama o que faz, mesmo ao preço da baixa condição sócio-econômica. Já Dexter Mayhew (Jim Sturgess) é um playboy, mulherengo – que consome sem saborear – transformando o íntimo em descartável, escravo da beleza estética, mais volátil que fumaça de café, marcado por descompromisso atávico. Numa paixão natimorta, sempre abortada antes do parto.

A amizade dura a vida toda, mas em meio às contradições existenciais. Ela é uma menina, de família operária, cheia de princípios e ambição sempre embarreirados pelo cotidiano financeiramente medido, mas que mantém o sonho de tornar o mundo um lugar melhor. Ele, apenas um conquistador, belo e rico, que não sonha e não acorda, preso no labirinto inebriante das facilidades, dos prazeres, do nenhum vínculo e sob a ilusão de que o mundo é um playground.

Mas apenas com um amor duradouro, que não se torna experiência, vivem quase toda a vida ao lado de quem não amam, por quem não são amados e com quem não conseguem se corresponder (cor + res + pondere). E sem por coisas no coração do outro, passam-se duas décadas, em que o 15 de julho traz sempre o leitmotiv (motivo condutor), sem nunca chegar a um lugar de encontro.

Dexter vive um dublê de ser humano, em fantasias e brigas, esperanças e desperdício de oportunidades, riso frugal e lágrimas sentidas. De forma inversa, Emma, sempre intensa, vívida, fábrica de sonhos, mas em empregos medíocres que sequer são sombras remotas de sua emoção, alegria e sentimento. O espaço de superação da prisão emocional dele, mesmo diante da morte da mãe, se assemelha ao dela, para quem a ascensão social está sempre a dever, condenados à exclusão inversamente definida do encontro consigo mesmo e com o outro.

Enfim, o momento chegou, mas foi apenas um suspiro. E definitivo.

O filme deixa sensações de resignação, como o mito de Sísifo que sempre empurra a pedra de volta ao alto do monte, do qual rolará de volta, ou como o destino da contraposição de formas humanas e animais aos amantes de O Feitiço de Áquila (Ladyhawke, dir. Richard Donner), ou ainda como o conto que termina irreversivelmente com as últimas linhas, como Cem anos de Solidão, de Gabriel Garcia Márquez.

E para lidar com os sonhos, sem chegar ao desespero, aponho a esta resenha as palavras maduras do poeta gaúcho, que eternizou-se por escrever tão simples e lindamente, mas nunca chegou à Academia Brasileira de Letras:

Um dia
...Um dia descobrimos que beijar uma pessoa para esquecer outra, é bobagem.
Você não só não esquece a outra pessoa como pensa muito mais nela...
Um dia nós percebemos que as mulheres têm instinto "caçador" e fazem qualquer homem sofrer ...
Um dia descobrimos que se apaixonar é inevitável...
Um dia percebemos que as melhores provas de amor são as mais simples...
Um dia percebemos que o comum não nos atrai...
Um dia saberemos que ser classificado como "bonzinho" não é bom...
Um dia perceberemos que a pessoa que nunca te liga é a que mais pensa em você...
Um dia saberemos a importância da frase: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas..."
Um dia percebemos que somos muito importantes para alguém, mas não damos valor a isso...
Um dia percebemos como aquele amigo faz falta, mas ai já é tarde demais...
Enfim...
Um dia descobrimos que apesar de viver quase um século esse tempo todo não é suficiente para realizarmos
todos os nossos sonhos, para beijarmos todas as bocas que nos atraem, para dizer o que tem de ser dito...
O jeito é: ou nos conformamos com a falta de algumas coisas na nossa vida ou lutamos para realizar todas
as nossas loucuras...
Quem não compreende um olhar tampouco compreenderá uma longa explicação
(Mário Quintana).

domingo, 4 de dezembro de 2011

Do olhar firme ao envergonhado

Antonio Carlos Ribeiro

O tempo possibilita uma leitura dos fatos que permite a aproximação e o distanciamento. A primeira se fixa nas imagens que, como ensinaram os chineses, valem mais que mil palavras. O segundo, o distanciamento, possibilita o olhar decorrente da ação do tempo, a posteriori e movidos pelas razões que elucidaram os fatos, buscaram seus sentidos e revelaram seus significados.

O substantivo surge da necessidade de fixar o sentido da substantia, a essência da coisa, mas que muitas vezes trai esse sentido. É o caso da imprensa de elite que busca controlar nossa relação com a realidade, de forma a seguir lucrando com os interesses que levaram o maior grupo a conquistar cerca de 70% do mercado de comunicação.

Depois do fim da ditadura a imprensa começou a perder lentamente seus instrumentos de poder. Só recentemente – com os novos critérios de distribuição das verbas de comunicação do governo federal – esse processo começou a sofrer mudança mais significativa, chegando à pequena imprensa, com custos muito menores e muito maior alcance.

Esse processo, com todos os limites e pressões das elites brasileiras, tem possibilitado o acesso à informação de um número maior de pessoas e, consequentemente, de intervenção em quantidade cada vez maior e de melhor qualidade.

Esses grupos da sociedade, que apoiaram a ditadura militar, sofreram certo revés com a publicação da foto da guerrilheira Dilma Vana Rousseff, com apenas 22 anos e após 22 dias de tortura na carceragem em São Paulo.


Dilma “aparece” em novembro de 1970 – numa época em centenas de militantes desapareceram – na sede da Auditoria Militar no Rio de Janeiro. Ao fundo, os oficiais nervosos e envergonhados, que a interrogavam sobre sua participação na luta armada. O surpreendente é que os militares, uniformizados e no exercício das funções, escondem o rosto com a mão, envergonhados, ao tempo que a guerrilheira mantém o olhar firme, mesmo que o corpo franzino dê sinais da sevícia.

A foto aparece no livro A vida quer coragem, do jornalista Ricardo Amaral e publicado pela editora Primeiro Plano, que chega às livrarias essa semana. A obra conta a trajetória da universitária, que não faltou à época em que o país esteve entregue ao arbítrio – durante um interrogatório na sede da Auditoria Militar do Rio de Janeiro – da qual saiu para se tornar a primeira mulher a chegar ao Palácio do Planalto.

E, em decorrência das eleições, nas quais parte dessas forças era composta dos ressentidos da guerra, do submundo das igrejas e das tramas políticas, empresariais e da imprensa, ela foi eleita Presidenta e se tornou a comandante em chefe das Forças Armadas.

Com o olhar que ressignifica os fatos a partir das imagens, é possível perceber a guerrilheira de olhar firme e decidido e o olhar envergonhado dos militares. E, consequentemente, entender como e porque ela chegou lá, ao tempo que quem exerceu o poder com tanta truculência e tão pouca dignidade, se prepara para ouvir a história que protagonizaram, apenas ouvindo, já que o direito de intervir no relato, lhes exige apenas admitir as culpas.

domingo, 27 de novembro de 2011

Igrejas e Koinonia apóiam luta dos moradores de Santa Teresa

ALC

Rio de Janeiro – Representantes das Igrejas Anglicana, Luterana, Presbiteriana Unida, Batista e Koinonia Presença Ecumênica e Serviço participaram no sábado, dia 27, do Ato Ecumênico Iluminando os trilhos da Justiça, na Luta dos Moradores de Santa Teresa e em memória das vítimas do descaso do Governo Estadual com o sistema de bondes, que resultou em 8 mortes e 50 feridos nos últimos três meses. A celebração teve momentos de reflexão, canto e informação sobre as etapas da luta por justiça.


Da esquerda: Rev. Artur Cavalcante, secretário geral da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB), Rev. Eduardo Dutra, da Igreja Presbiteriana Unida (IPU), Pastor Nilo Tavares (Aliança de Batistas do Brasil), Rev. Daniel Rangel Cabral Jr (IEAB), D. Filadelfo Oliveira, bispo diocesano (IEAB), Prof. Jorge Atílio Iulianelli (Koinonia), Pastor Antonio Carlos Ribeiro, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), Rev. Luiz Caetano Grecco Teixeira (IEAB) e a teóloga Marilia Schüler (Koinonia)

O ato começou com procissão que saiu da Igreja São Paulo e foi reunindo pessoas até chegar ao largo do Curvelo, a poucos metros da travessia dos Arcos da Lapa, marco da tradição cultural, no centro da cidade, e foi realizado pelo terceiro mês consecutivo após o acidente. O sistema de bondes, que funciona há 115 anos, não é apenas um marco turístico da cidade maravilhosa, mas meio de transporte para os moradores e atrativo fundamental da vida econômica do bairro.

As ordens judiciais que determinam a recuperação do serviço são de 2008, data desde a qual são descumpridas pelo governo estadual, atitude com a qual o governador Sérgio Cabral e o secretário de transportes Júlio Lopes – com a omissão do Ministério Público do Rio de Janeiro, ao não exigir o cumprimento da sentença – assumiram o risco de provocar morte com os acidentes, como ocorrido no dia 27 de agosto. O Conselho Nacional do Ministério Público investiga a omissão do MPRJ por causa do maior acidente da história dos bondes.

A decisão do governo estadual errou ainda ao trocar os bondes por Veículos de Transporte Leve (VTL), ao desconsiderar o decreto de tombamento, já que os bondes são tombados na aparência e no sistema, que incluem aspecto a rota e o sistema paisagístico do tradicional bairro, e ter se baseado apenas nos órgãos de patrimônio, que não se sobrepõem à lei, limitando-se a anunciar uma reforma para 2014, que não atende o prazo da sentença judicial e conjuga interesses comerciais e eleitorais, com a realização dos jogos de futebol da Copa e a realização de eleições.


As igrejas e entidades consideraram justas e manifestaram apoio às reivindicações da população, que sofria com o transporte de baixa, agravado com o acidente com vítimas fatais e o descaso tornado decisão com a paralisação do serviço. A celebração no local do acidente, com uma réplica do “bondinho” e a lembrança do nome das vítimas é um manifesto que não deixa a dor dos moradores sucumbir ao brilho ofuscante dos prédios e praças do centro e nem à indiferença das autoridades.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Ensino religioso deve respeitar diversidade religiosa

Antonio Carlos Ribeiro

A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião (ANPTECRE) publicou carta aberta propondo ensino religioso não-confessional, sem proselitismo e nos termos da legislação já existente.



O posicionamento foi expresso em documento escrito em parceria com a Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER) e o Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER). A divulgação do documento coincide com a reunião do ministro Carlos Ayres Brito, do Supremo Tribunal Federal (STF), com membros do Conselho Nacional de Educação (CNE).

A carta foi publicada pelo Grupo de Pesquisa Educação e Religião (GPER) http://www.gper.com.br/?sec=informacoes&id=2397 e elenca a fundamentação legal e os objetivos, divulga as ações já realizadas e defende a tomada de atitudes por órgãos públicos como o Ministério da Educação e Cultura (MEC), o STF, a Procuradoria Geral da República (PGR), a Coordenação de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (CONSED) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME).

O documento cita a Constituição Federal e a Lei nº 9.475/97, que altera o Art. 33 da Lei de Diretrizes de Base (LDB) nº 9.394/96 para lembrar que Ensino Religioso é atividade de horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

A atividade integra a formação básica do cidadão, assegurando o respeito à diversidade cultural religiosa, veda formas expressas ou veladas de proselitismo, contribui para o desenvolvimento do educando e prepara-o para a cidadania, valorizando conhecimentos, saberes e valores da cultura brasileira.

Enfatiza ainda que o Ensino Religioso deve atender à função social da escola, dar a conhecer elementos básicos que compõem o fenômeno religioso, adotar abordagem pedagógica e reconhecer a diversidade cultural-religiosa brasileira, tendo em vista formar cidadãos críticos, responsáveis e com discernimento dos fenômenos religiosos.

A carta informa que já há centenas de sistemas estaduais e municipais de ensino que obedecem a esses parâmetros, inclusive com propostas, diretrizes curriculares e com professores habilitados em Ensino Religioso, contratados por concursos públicos.

Destaca que foram e são realizados eventos científicos, fóruns, encontros e debates, abordando a natureza epistemológica e pedagógica do Ensino Religioso, além da publicação de obras, revistas, cadernos, documentos e páginas eletrônicas que veiculam artigos, trabalhos e fatos sobre o Ensino Religioso.

Ressalta que a ANPTECRE e a SOTER já têm grupos de trabalho atuando nessa área, com participação de docentes-pesquisadores, e que já foram incluídas cinco ementas no documento final da Conferência Nacional de Educação (CONAE) para a década de 2011-2020, propondo, entre outras medidas, que o ensino público se paute na laicidade, sem privilegiar elemento particular de cada religião.

A carta aberta defende que o Ministério da Educação e Cultura publique diretrizes curriculares nacionais para o Ensino Religioso, que o Conselho Nacional de Educação emita diretrizes curriculares nacionais para a formação dos professores, que o STF aceite a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) e assente que o Ensino Religioso em escolas públicas só pode ser de natureza não-confessional.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

500 anos de reforma - 500 árvores para Wittenberg

Antonio Carlos Ribeiro

Wittenberg Cidade de Lutero - "Mesmo se eu soubesse que o mundo iria desabar amanhã, ainda assim eu plantaria a minha macieira hoje", diz a frase atribuída a Martinho Lutero. Este fato foi lembrado neste momento em que as igrejas luteranas vão comemorar o 500º aniversário da Reforma (Jubileu) em 2017.


O ex-secretário geral da Federação Luterana Mundial, Dr Ishmael Noko, planta a primeira
árvore do Jardim Lutero

Um modo de dar expressão à comemoração, será criado um parque, o Jardim Lutero, nas fortificações da cidade antiga, em Wittenberg, onde o movimento reformador foi iniciado. A proposta do projeto é que sejam plantadas 500 árvores no Jardim Lutero e em outros lugares na cidade, dando um sinal concreto do seu otimismo, claramente expresso ao falar da macieira.

Igrejas de todo o mundo e de todas as confissões estão sendo convidadas a patrocinar uma das 500 árvores a serem plantadas em Wittenberg, ao mesmo tempo plantando uma árvore semelhante num lugar significativo para cada igreja. Também cristãos podem plantar, particularmente, a sua árvore.

Através deste projeto cooperativo, o Jardim Lutero vai estimular a interação e definir um processo de comunicação em movimento. A Federação Luterana Mundial (FLM) espera que esse gesto faça surgir impulsos positivos que se espalhem na cidade, na região, no país e, finalmente no mundo. Desta forma, o significado do longo alcance da Reforma se torna bem conhecido.

O Projeto foi proposto pela FLM, de Genebra, com apoio do Comitê Nacional Alemão da FLM e as Igrejas Evangélicas Luteranas Unidas na Alemanha, em cooperação com Wittenberg a Cidade de Lutero.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Avançar ou recuar na caminhada ecumênica

Antonio Carlos Ribeiro

O passo necessário para que as igrejas desenvolvam uma agenda ecumênica produtiva é um “impulso ecumênico para a celebração conjunta” das igrejas evangélicas entre si e a igreja católica. Quando a igreja católica romana exige o reconhecimento da centralidade para o estabelecimento da comunhão, rompe o sentido do esforço ecumênico. Se as igrejas evangélicas, reformadas, anglicanas e livres reagem com a mesma postura, fazem eco à mesma atitude. Se insistem no diálogo, avançam no esforço ecumênico.

Os dilemas vividos pelas igrejas cristãs ao elaborar sua prática ecumênica passa por sua auto-compreensão teológica, pelo relacionamento com as demais igrejas ecumênicas e com a sociedade. Aqui não se pensa em termos de comunidades locais, mas de grandes corpos eclesiásticos mundiais. Os valores centrais a partir dos quais ela elabora sua identidade determinam seu papel e atuação, bem como se estabelece relações hegemônicas ou abertas com as demais igrejas e com as sociedades humanas.

Com base nestes critérios, as igrejas ecumênicas se organizam em famílias confessionais, em organismos ecumênicos regionais e num organismo mundial, que promove um encontro de propostas, projetos e lideranças, construindo a comunhão através de experiências de serviço, com vistas a se ajudarem mutuamente, debaterem temas relevantes e buscarem a comunhão ecumênica.

A recente visita do Papa à Alemanha provocou duas reações que talvez se destaquem entre as diversas por sua sinceridade na avaliação teológica e mesmo seu senso pastoral. Trata-se das reações dos bispos Michael Bünker, presidente do Conselho da Igreja Evangélica na Áustria, e do Bispo Dr. Mark Dröge, da Igreja Evangélica Berlim-Brandenburg-Silésia. Os dois se mostraram decepcionados por causa das expectativas criadas, que a seu ver , resultaram em frustração.

Bünker afirmou que o impulso ecumênico na celebração em conjunto com bispo evangélicos – a principal tônica da visita preparatória para a celebração dos 500 anos da Reforma – falhou. Ele entendeu que deveria ser o momento para "a Igreja Católica Romana mostrar tem um interesse verdadeiramente ativo no diálogo com a Igreja Protestante”, afirmou.



O encontro começou com uma celebração ecumênica no mosteiro dos monges agostinhos, onde em seguida seria realizada uma reunião. O bispo austríaco entendeu, como parte significativa dos presentes, que o sinal deveria ser o evento ecumênico, um culto comum às duas tradições que se realiza num lugar histórico. A simples formalidade, que não estabelece relação e não se deixa tocar, entre pessoas do mesmo país e cultura, foi a pior surpresa.

Nesse contexto, é que a fala de Kathrin Göring-Eckhardt, vice-presidente do Parlamento Alemão desde 2005 e agora presidente do Sínodo Evangélico, foi chamada por Bünker de “espiritual”, por suscitar a humanidade de "um rosto diferente" entre as duas igrejas. Ela deixou claro que "a Igreja Protestante é a igreja onde mulheres e homens são eleitos da mesma maneira para todas as funções ativas” – lugar do qual podem cooperar "com respeito e como iguais" – e não apenas masculina e hierárquica.

O segundo bispo a manifestar-se de forma pública foi o Dr. Mark Dröge, da Igreja Evangélica Berlim-Brandenburg-Silésia. Mais direto, ele classificou a visita de “decepcionante, irritante, uma oportunidade perdida”. Ele já tinha considerado a expectativa absurda, mas diante do fato, disse que a aparente sobriedade desse Papa não tem nenhuma paixão, não apresenta nenhum conceito de ecumenismo e não traz sequer uma ideia de trabalho teológico, o mínimo a aguardar num ambiente de tradição e erudição.



Ele observou que sequer foram destacados os avanços da Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação, nem aproveitou a oportunidade e pouco acrescentou. Isso levou Dröger a concluir que “a atitude do Papa não afeta a nossa auto-compreensão protestante. Não estamos esperando por dádivas ecumênicas”, mas o que os evangélicos e a sociedade esperam é um debate sério, a partir do qual as igrejas entendam como corresponder ao Evangelho de Jesus Cristo.

Ele observa que não basta lembrar o Deus misericordioso, de Lutero, mas a resposta Reformada enfatiza a confiança em Cristo, a palavra por si só, e apenas a graça (sola gratia). Incisivo no cerne da proposta, Dröger não se contenta com o desapego, mas afirma “com Paulo que o verdadeiro serviço de Deus no mundo cotidiano está ocorrendo”.

Sente, como bispo, que a igreja deve debater temas como a “ordenação de mulheres – a partir da plenitude de Cristo (Gálatas 3:28)”, assim como em temas como homossexualidade, observando que “também a eles a indiminuível imagem de Deus é concedida”, e finalmente, lembrou o papel dos leigos, insistindo que “cada ser humano batizado cristão é chamado à responsabilidade na Igreja de Cristo, como o nosso convite à Ceia do Senhor, porque o próprio Cristo convida todos os batizados à partilha de pão e vinho”.

Ao que parece, o diálogo ecumênico tem se tornado tenso – mesmo entre alemães - não tanto por razões doutrinais, como seria de esperar. Mas se tem esperado outras razões, mais pastorais. Fugir ao diálogo com a modernidade não capacita as igrejas cristãs ao testemunho neste tempo, com suas interpelações.

sábado, 12 de novembro de 2011

Qual o seu nome? Quantos anos você tem? – Capitães de Areia discute a criança de rua

Antonio Carlos Ribeiro

A infância abandonada volta à telona em Capitães de Areia, (drama, 96 min., direção de Cecília Amado e trilha sonora de Carlinhos Brown), filme homônimo da obra que Jorge Amado escreveu no fim dos anos 30, aos 24 anos. A narrativa que trata de crianças abandonadas das ruas de Salvador, com seu cotidiano difícil e solidário, provoca a reflexão sobre a situação de crianças que vivem nas ruas, agravada em nossos dias, aos 75 anos desde o tema foi tratado na literatura brasileira.


Os dramas se multiplicam pelo número de crianças em situação de risco – sendo na verdade apenas um - se agravaram ao extremo neste quase um século. As ruas seguem sendo o espaço que não dá a segurança da casa, não exige a disciplina mínima para a convivência, a manutenção dos vínculos e a coesão do grupo. Nas situações-limite ganha a aura de liberdade, ausência de regras e superação de inibições, sempre ao preço da insegurança, dos riscos resultantes dos furtos em nome da sobrevivência e da exposição aos riscos físicos e emocionais, alguns extremos, vejam: http://www.youtube.com/watch?v=JGqlIu0IxIo

O filme narra a luta de crianças de rua do grupo conhecido como Capitães de Areia, liderado por Pedro Bala (Jean Luis Amorim), líder do grupo, cujo nome tem desde os 5 anos quando começou a vagabundear pelas ruas de Salvador, da qual conhece todos os becos e acessos. Conquistou a fama porque tem autoridade no olhar e na voz, sobretudo porque se arrisca, com toda a falta de condições, pelo grupo do qual é parte.

A Dora (Ana Graciela) é a única menina do grupo, que chega ao trapiche aos 14 anos, depois de perder a mãe para a epidemia de varíola e vagar pelas ruas com o irmão Zé Fuinha. No grupo ela se encontrou no papel de mãe e irmã de todos os meninos, e ‘noiva’ de Pedro Bala, a quem admirou logo após ser trazida.

O Professor (Robério Lima), que traz a Dora e Zé Fuinha ao grupo, é o intelectual do grupo – sabe ler, desenhar, é bom estrategista – razões pelas quais se tornou o braço direito de Pedro Bala. Toma conta do trapiche na ausência do chefe e se comporta como irmão mais velho, que pondera, orienta e chama à razão os demais componentes.

A partir destes três personagens, surge um que se aproxima de uma prostituta e se destaca pela esperteza, outro é brincalhão e falante, outro mistura solidão, ressentimento e destempero por causa da fragilidade nas pernas, e outros circundam esse micro universo marcado pelos muitos furtos nas ruas e uma ética de respeito no trapiche, tendo como pano de fundo a luta pela sobrevivência.

A gíria, o palavreado de quem vive num universo de limites frágeis, a malícia das ruas, a exposição a todo tipo de riscos, inclusive a doença, compõem o ambiente do grupo que dá nome ao conto. O Candomblé é o pano de fundo religioso, espaço que pede a proteção dos orixás e dá proteção e apoio ao grupo, dos quais alguns participam nos instrumentos. Há também o grupo rival, a elite comercial baiana e a polícia, já com fama de violenta, impiedosa e braço repressor do sistema que a mantém.

A obra dirigida por Cecília Amado consegue ser fiel ao enredo do avô, só rompendo suavemente com a historicidade ao destacar certa malandragem singela, quase romântica daquela época e lugar, sem deixar de mostrar a atualidade do tema e a mesma indiferença da sociedade, que consegue atravessar incólume tantas décadas, especialmente as que experimentaram tantas transformações, sem mudanças muito significativas no tratamento com as crianças de rua.

As Organizações Não-Governamentais (ONGs) – de quem teve apoio fundamental na composição do elenco, na logística do projeto e até na execução – são alcançadas pela transposição da obra literária para o cinema sob ameaças e acusações da mídia elitista, em nada interessada nos avanços da sociedade, nem nos personagens populares, nem nas histórias de superação, mantendo a mesma apatia gelada a temas antológicos, históricos, politicamente emergentes e atuais na sociedade brasileira.

Na atualidade, apesar do trabalho social desenvolvido nos últimos governos, sob uma saraivada de críticas da elite com menos tradição intelectual, mais endinheirada e acostumada a lucrar os recursos públicos e socializar prejuízos, que se sente legítima ao se apropriar das benesses e, de poucos anos para cá, ressentida por não poder mais tomar o Estado de assalto, não decidir pelo ‘melhor’ por julgar possuí-lo e ser despojada da aura de benemerência, marcas de seu mecenato que a sociedade decidiu substituir por direitos de cidadania.

O esforço para destruir o serviço prestado, socialmente dirigido e com resultados já palpáveis – mormente quando o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) recentemente divulgado foi criticado do Governo Federal aos Institutos especializados – começou a tomar forma na derrubada de ministros, em atitude revanchista contra a presidente que tentaram impedir a eleição. Mas já perceberam o efeito da pressão midiática acabou. O trabalho das ONGs vai permanecer, bem como as políticas afirmativas, para que os capitães de areia da atualidade tenham as chances que os de Jorge Amado não puderam conhecer.

Assim, quando tiverem contato com as crianças de rua, pediu Cecília Amado no debate com professores após a exibição no cine Arteplex Botafogo, que decidam se darão dinheiro ou não, mas não deixem de indagar à criança: Qual o seu nome? Quantos anos você tem? , porque isso lhes restitui dignidade e cidadania.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Curso Religião e Patrimônio encerra com painel

Antonio Carlos Ribeiro

O curso de extensão Religião e Patrimônio, promovido pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), debateu a presença religiosa no Estado e o patrimônio artístico cultural legado. O evento, realizado onte, foi coordenado pela professora Clara Mafra.


Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro

Realizado em três encontros, o curso reuniu líderes religiosos, teólogos, sociólogos, historiadores, museólogos e arquitetos. O objetivo era recuperar a história da presença, tornar público o levantamento do patrimônio artístico e cultural das tradições religiosas e fazer o mapeamento de roteiros turístico-religiosos no Grande Rio.

O museólogo Rafael Azevedo, do Instituto Estadual de Patrimônio Artístico e Cultural (INEPAC), falou sobre o Santuário Mariano do século XVIII. Ele doou ao programa de pesquisa o décimo tomo da obra de Frei Agostinho – específica sobre esta cidade, os relatos de monsenhor Pizarro, padre visitador das 34 freguesias da Diocese do Rio de Janeiro - a segunda brasileira - com levantamento de três mil objetos e 12 querubins de igreja catalogados.

Os dados estão catalogados no Centro de Processamento de Dados do Estado do Rio de Janeiro (PRODERJ) e pode ser acessado pelo sítio http://www.artesacrafluminense.rj.gov.br/

O levantamento até 2009 cobre 63 cidades da região e contabiliza 100 objetos desaparecidos, que compõem o inventário dos bens procurados do acervo da sociedade fluminense. A publicação registra a metodologia usada, com destaque para o recorte temporal a partir de análises histórica, técnica e estilística do objeto. Entre as informações constam registro fotográfico, estado de conservação, análise estilística, iconográfica e ornamental, e datação.

O segundo depoimento foi da ialorixá Mãe Meninazinha de Oxum, que se referiu ao Candomblé como uma religião da natureza, cuja história local está registrada na Casa Pai João Alabá, no centro da capital, e outra localizada em Mesquita, na Baixada Fluminense, que é a primeira casa de candomblé de roça.

As duas casas reúnem objetos religiosos, desde os que foram trazidos da África até os que foram acumulados nos últimos dois séculos. Essas casas são marco da cultura religiosa negra, têm um memorial de objetos sagrados e estão abertas à visitação, com programas de geração de renda e promoção de cidadania e direitos humanos, e integra a Rede de Religiões afro-brasileiras.

O padre Vanderson Gomes, formado em Imaginária Barroca e Política de Conservação, abordou o tema pela ótica do diálogo entre as comunidades religiosas e as autoridades do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O religioso propôs uma lógica inclusiva, que preserve o patrimônio e respeite a fé comunitária, expressa na devoção diária, resumindo a preocupação arquitetônica como a relutância de construir para o futuro que o faz reconstituir o passado.

O pastor Sérgio Goulart, da Catedral Metodista do Rio de Janeiro, falou do culto como memória e da liturgia como obra assumida em favor da comunidade. O pastor lembrou que sinal é a memória do Sagrado e mencionou momentos celebrativos na tradição evangélica, especialmente a metodista. Goulart descreveu a estrutura arquitetônica da Catedral e divulgou os serviços prestados à comunidade.

Por último, o designer gráfico Gabriel Cid falou do projeto Museu Afro Digital, descrevendo as salas de exposição e mostras, as vantagens da linguagem digital como a recuperação de imagens, a disponibilização de vários tipos de arquivo e a acessibilidade, suscitando o debate sobre tempo real, bem material e produção atraente às gerações jovens.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Waking up in the nightmare

Antonio Carlos Ribeiro

The film work of Florian Cassem (The Day I was not Born [Das lied in mir], Germany, 2010, 95min, drama) deals with debts of civilian and military dictatorships in Latin America. A dual theme, since there are several works on it - dating back to World War II, Nazism and the rise of the Western military alliance - but because this production still causes effects, seemingly has not yet exhausted the flow of pain, resentment and broken dreams, to the tens of thousands in South America. See: http://www.youtube.com/watch?v=LNEByTO9x2k


The subject recalls the longstanding "The official history" of an intellectual history teacher who wakes of the ingenuity to discover that her husband was a torturer and that her daughter 'adopted' is one of the granddaughters of the Madres de la Plaza de Mayo, kidnapped from militant’s families tortured and killed by the Argentine military dictatorship. The new ingredient is the affective memory of a child of 3 years - that supports the struggle of three decades living in another country, culture and language - which requires it to stop a long period of his life, to retrieve the three decades that have been stolen.

The film tells the story of a swimmer who lives in Germany, travels to Chile, during a stopover in Buenos Aires, hear a lullaby that makes a humming the phrases in a Spanish that she does not speak. She is moved, it loses the connection and located in Buenos Aires. She calls his father, who appears at the hotel two days later. This starts a process of revelations about the military dictatorship, the reasons for what have been brought to Germany in 80’s, climaxing to seek the family of the true parents.

Facts like the contact with the police, the involvement with a police officer, the revelation that his German family collaborated with the regime and the encounter with his biological family are steps that will reveal the complexity of the crime on the one hand, and on the other, the calm, patience and love needed to restore the truth, trying not to hurt someone who was wrong but acted in good faith. This requires greater sensitivity, courage and humanity to deconstruct the error without causing more harm.

The film is dense and the traffic of the argentinian capital and tense as the plot involving the stories of repression, especially when dealing with the wounds open of the strategy to kidnap the children of the oppositors to "purify" the country of communism’s influence. In fact, the second stage of a monumental crime of state to face a danger more imaginary than real, resulting from extreme repression in defense of the ideology of national security.

The fact that this movie is on display this time seems to integrate Latin American kairos - an eschatological-apocalyptic time when we face the pain of that time that we clean our recent past - waking up of a heady nightmare, which becomes more strong as far as consciousness begins to make full, calling us at once time become aware of what happened, find out what to do to rescue dignity, support the reconstruction of life, justice for victims, recovering the memory of the tortured, to confront the interests that caused so much suffering and death.

Three recent events lend importance to this theme: the difficulty of the debate over control of the financial elites of the mainstream media; the condemnation of Brazil by Inter-American Court of Human Rights (IACHR) after the Supreme Court upholding the law of amnesty and deny justice to victims of the dictatorship; the repatriation of the documents that were at the headquarters of the World Council of Churches (WCC) in Geneva (Switzerland), and the Center for Research Libraries in Chicago (USA); and the condemnation of military and civilian involved in the repression in Argentina, which produced the largest number of deaths on our continent.

For those not afraid of film about the real horror and has the courage to confront the truth and disposition, and love to resume life, be committed their time and to move on, I recommend watching.

domingo, 6 de novembro de 2011

Acordar no pesadelo

Antonio Carlos Ribeiro

A obra cinematográfica de Florian Cassem (O Dia em que não nasci[Das lied in mir]; Alemanha, 2010, 95min, drama) trata dos débitos das ditaduras civis e militares latino-americanas. Um tema dual, já que sobre ele existem diversas obras – remontando à segunda guerra, ao nazismo e ao surgimento da aliança militar ocidental – mas também porque essa produção ainda provoca efeitos, parecendo ainda não ter esgotado a caudal de dores, ressentimentos e sonhos interrompidos, às dezenas de milhares, na América do Sul. Veja

O assunto relembra o já antigo “A história oficial”, da culta professora de história que acorda da ingenuidade ao descobrir que o marido é torturador e que a filha ‘adotada’ é uma das netas das Madres de La Plaza de Mayo, sequestrada de famílias de militantes torturados e mortos da ditadura militar argentina. O ingrediente novo é a memória afetiva de uma criança de 3 anos – que suporta o embate com três décadas de vida em outro país, cultura e língua – que a obriga a interromper um longo período de sua vida, para recuperar as três décadas que lhe foram roubadas.


O filme narra a história de uma nadadora que vive na Alemanha, viaja ao Chile e, durante a escala em Buenos Aires, ouve uma canção de ninar que a faz cantarolar as frases num espanhol que ela não fala. Ela se emociona, perde a conexão e fica em Buenos Aires. Telefona para o pai, que aparece no hotel dois dias depois. Isso inicia um processo de revelações sobre a ditadura militar, as razões de ter sido levada à Alemanha nos anos 80, chegando ao clímax de procurar a família dos verdadeiros pais.

Fatos como o contato com a polícia, o envolvimento com um policial, a revelação de que sua família alemã colaborou com o regime e o reecontro com sua família biológica são etapas que vão revelando a complexidade do crime, de um lado, e do outro, a calma, a paciência e o amor necessários ao restabelecimento da verdade, buscando não ferir quem errou mas agiu de boa fé. Isso exige maior sensibilidade, coragem e humanidade para desconstruir o erro sem causar mais mal.

O filme é denso como o trânsito da capital argentina e tenso como os enredos que envolvem as histórias da repressão, sobretudo ao mexer na ferida aberta da estratégia de sequestrar filhos de opositores do regime para “purificar” o país da influência do comunismo. Na verdade, a segunda etapa de um monumental crime de Estado para enfrentar um perigo mais imaginário que real, resultante da repressão extrema em defesa da ideologia da segurança nacional.

O fato desse filme estar em cartaz nesta época parece integrar esse kairós latino-americano – um tempo escatológico-apocalíptico em que nos defrontamos com as dores desse tempo em que passamos a limpo nosso passado recente – acordando de um inebriante pesadelo, que se torna mais forte tanto quanto a consciência começa a se plenificar, nos fazendo a um só tempo, tomar consciência do ocorrido, descobrir o que fazer para resgatar dignidades, apoiar a reconstrução da vida, justiçar as vítimas, recuperar a memória dos torturados, e confrontar os interesses que provocaram tanto sofrimento e morte.

Três fatos recentes emprestam importância a este tema recorrente: a dificuldade do debate pelo controle das elites financeiras sobre a grande mídia; a condenação do Brasil pela Corte Inter-americana de Direitos Humanos (CIDH) após o Supremo Tribunal Federal manter a lei da anistia e negar a justiça às vítimas da ditadura; a repatriação dos documentos que estavam na sede do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), em Genebra (Suíça), e do Center for Research Libraries, em Chicago (EUA); e a condenação de militares e civis envolvidos na repressão argentina, que produziu o maior número de mortos em nosso continente.

Para quem não tem medo de filme sobre o terror real e tem coragem para se defrontar com verdade e disposição, e amor para retomar a vida, compromissar-se com seu tempo e seguir em frente, recomendo assistir.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Anistia Internacional convida Marcelo Freixo a deixar o país

ALC

O deputado estadual Marcelo Freixo, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) do Rio de Janeiro, aceitou o convite da Anistia Internacional e vai deixar o país por causa das ameaças de morte sofridas.

Tradição de Defesa dos Direitos Humanos

A Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro divulgou nota dizendo que investigou a ameaça de morte. O parlamentar ironizou a divulgação, dizendo que o mesmo procedimento foi adotado em relação à juíza Patrícia Aciolli, morta a tiros, no dia 12 de agosto, quando se aproximava da entrada do condomínio onde residia, em Niterói.

Crítico do governo estadual e em especial do setor de Segurança, disse ter relações “republicanas” com o secretário José Mariano Beltrame, que lhe garantiu que todas as ameaças foram investigadas. Ele observou, ao mesmo tempo, que nunca recebeu nenhum resultado dessa investigação, que o secretário argumentou ser sigiloso.

A saída do deputado para o exterior por causa das ameaças, pelo fato de o Estado não ter assumido sua segurança e diante da morte da juíza por agentes públicos, ganhou destaque em jornais internacionais. O Fox News divulgou que as “ameaças da polícia corrupta que aterroriza as vizinhanças cariocas” é a principal causa da ida do parlamentar para a Europa, lembrando que as milícias são integradas por policiais, bombeiros e políticos, e atuam como grupos paramilitares.

Freixo entrega o relatório das Milícias à AI

A agência Reuters o descreveu como um conhecido deputado estadual pelo Rio de Janeiro que tem que abandonar seu país por causa de ameaças de um grupo paramilitar que ele foi responsável por investigar. O diário inglês The Guardian disse que ele é um ativista pelos direitos humanos, com trabalho em presídios e favelas, e foi ameaçado por uma milícia violenta e poderosa.

Freixo presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) em 2008 e indiciou mais de 200 pessoas, entre policiais e políticos. Desde então, o deputado passou a sofrer ameaças. Ele se licenciou da Alerj, vai viajar com a família. “Vou aproveitar par divulgar esse relatório da CPI das milícias lá fora”, cutucou.

Representantes de diferentes partidos políticos e entidades fizeram um ato em defesa do deputado, depois que um documento da Coordenadoria de Inteligência da Polícia Militar apontou que Freixo seria alvo de atentado. Segundo o documento, o miliciano conhecido como Carlão planejava o assassinato, pelo que receberia dinheiro de um ex-PM se executasse o deputado.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Desmond Tutu is Doctor Honoris Causa for PUCPR

ALC

The Anglican Archbishop Emeritus and Nobel Peace Prize winner Desmond Mpilo Tutu was awarded the title of Doctor Honoris Causa of the Pontifical Catholic University of Paraná (PUCPR). The ceremony occurred on the University Theatre on Friday (28), in recognition of their continuing struggle against poverty, prejudice and racism.


The ceremony was chaired by Prof. Ivo Juliatto Clement, president of the PUCPR, who remembered the relentless struggle of Tutu in the campaign to end apartheid and the promotion of reconciliation and democracy in South Africa "For all of us, Tutu leaves a message: we live in a world in which truth and freedom always prevail", he said.

Among the outstanding merit in the choice for the title, he is presented as a "global pilgrim to propagate spiritual values, human rights, nonviolence and tolerance, as well as their continuing struggle against poverty, prejudice and racism among all peoples the earth".

The president recalled his graduation ceremony at Columbia University (USA) in 1984, when Tutu was honored, but could not attend because he had been prohibited from leaving the South African, by government at the time. "I told myself that one day if I could, would do a tribute to this great man", said. The Archbishop greeted all present and invited authorities, thanked the memorial and spoke about his record of struggle.

Tutu was born in Klerksdorp, South Africa in 1931. He studied at the Normal School in Johannesburg and, in 1954 at the University of South Africa. He worked as a school teacher and was ordained priest in 1960. From 1967 to 1972, studied theology at King's College, London University. In 1975 he was appointed dean of St. Mary's Cathedral, in Johannesburg, and was consecrated a bishop in 1976, rising to head the diocese of Lesotho. In 1978 he became Secretary General of the Council of the Churches of South Africa

His proposal for the South African society included equal civil rights for all, abolition of laws that limited the movement of blacks, a common education system and end the forced deportation of blacks. After the end of apartheid in 1994, he chaired the Truth and Reconciliation Commission, aimed at promoting racial integration in South Africa, with powers to investigate, prosecute, and amnesty for human rights crimes committed under the system.

In 1997, released the final report of the Commission, which accused him of human rights violations so the authorities of the racist regime of South Africa as the organizations that fought against apartheid. At the same time he received the Nobel Peace Prize, was elected Archbishop of Johannesburg, and then of Cape Town. He received a doctorate honoris causa from major universities in the U.S., U.K. and Germany.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Desmond Tutu é Doutor Honoris Causa pela PUC-PR

ALC

O arcebispo anglicano emérito e Prêmio Nobel da Paz Desmond Mpilo Tutu recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). O fato ocorreu no teatro da Universidade, na sexta-feira, 28 de outubro, em reconhecimento à sua luta incessante contra a pobreza, o preconceito e o racismo.


A cerimônia foi presidida pelo professor Clemente Ivo Juliatto, reitor da instituição de ensino. Juliatto lembrou a incansável luta de Tutu na campanha pelo fim do apartheid e pela promoção da reconciliação e democracia na África do Sul. “Para todos nós, Tutu deixa uma mensagem: nós vivemos em um mundo em que a verdade e a liberdade sempre prevalecem”, disse.

Entre os méritos destacados na escolha para a titulação, ele é apresentado como um “peregrino global para propagar valores espirituais, os direitos humanos, a não violência e a tolerância, assim como sua luta incessante contra a pobreza, o preconceito e o racismo entre todos os povos da Terra”.

O reitor rememorou sua cerimônia de graduação na universidade de Columbia (EUA), em 1984, quando Tutu seria homenageado, mas não pôde comparecer porque havia sido impedido de sair da África do Sul pelo governo da época. “Disse para mim mesmo que um dia, se pudesse, faria uma homenagem a este grande homem”. O arcebispo anglicano cumprimentou as autoridades presentes e convidados, agradeceu a homenagem e falou sobre sua trajetória de luta.

Tutu nasceu em Klerksdorp, África do Sul, em 1931. Estudou na Escola Normal de Johannesburgo e, em 1954, na Universidade da África do Sul. Trabalhou como professor secundário e foi ordenado sacerdote em 1960. De 1967 a 1972, estudou Teologia no King´s College, da London University. Em 1975, foi nomeado decano da Catedral de Santa Maria, em Johannesburgo, e em 1976 foi sagrado bispo, passando a dirigir a diocese de Lesoto. Em 1978, tornou-se secretário-geral do Conselho das Igrejas da África do Sul.

Sua proposta para a sociedade sul-africana incluía direitos civis iguais para todos, abolição das leis que limitavam a circulação dos negros, um sistema educacional comum e o fim das deportações forçadas de negros. Após o fim do apartheid, em 1994, presidiu a comissão de Reconciliação e Verdade, destinada a promover a integração racial na África do Sul, com poderes para investigar, julgar e anistiar crimes contra os direitos humanos praticados na vigência do regime.

Em 1997, divulgou o relatório final da Comissão, que acusava de violação dos direitos humanos tanto as autoridades do regime racista sul-africano como as organizações que lutavam contra o apartheid. Na mesma época em que recebeu o Prêmio Nobel da Paz, foi eleito arcebispo de Johannesburgo e, depois, da Cidade do Cabo. Recebeu o título de doutor honoris causa de importantes universidades dos EUA, do Reino Unido e da Alemanha.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A home for the homeless II - Cecon and reintegration of losses

Antonio Carlos Ribeiro

Rio de Janeiro - The Coexistence Center Monte Alverne (Cecon) started operations on July 9 last year. The house has hosted 80 people for the service it provides on Fridays. Unlike City Hall - which created a shock of order, with regular use of force, even lethal at times - the Cecon (Silvio R. Romero, 49 - Lapa) has adopted the motto: "we do not collect, but welcome," said D . Celso de Oliveira.

Children have lunch first

The effort seems unimpressive at first glance makes a big difference. Denying the humanity to do what is supposed to be a well, to adopt policing attitudes, establish shelters nearby drug distribution points and deny safety to groups supposed weaknesses is not taken seriously - a metaphor to denounce the indifference - even by people to be benefited.

This human group reflects the environment and conditions that it’s living, among people who receive care are alcoholics, drug addicts, psychotics, heterosexuals, homosexuals and transvestites. Many brands to bring physical and psychological illnesses. Human groups are emotionally wounded, vulnerable and at risk.


Massage on feet that go far

The teacher and drama teacher Sydney Guedes, found in art a way to seek recovery of people. Sociologists point out two situations to classify this behavior. Those who are "of the street" because they live on the streets, know the codes, have become accustomed and reject living in another environment. And those who are "on the street" for reasons such as unemployment, disruption of family ties or while they seek new path.

Guedes noted that the space of the house creates the possibility of restoring emotional. "Watching 'afternoon session' on TV made me see what I missed when I was home," confided one housed. This reminded him that the homeless Kazan, had work, family and even intellectual projection in your area, but when his wife died, he fell in the street. So noted: "When I started talking about my story, I began to work it out", giving new meaning to the present.


The right to hair care

"Shelter is timely, is not permanent", Guedes said. But that punctuality is marked by "socio-educational activities, listening technique - psychological - and networking."To explain the process, he recalls the role of Artaud's theater and puppet’s Craig, remebering that, emotionally, "has all along an axis."

Part of the experience used in the educational activity, he brings his work training in the Military Police of Rio de Janeiro, in meeting with 7800 agents with playful and reflective activities. He directs the play "The price of a choice," written, produced and directed by Relationship Group - that works with theater, schools, Police Pacification Unit (UPP) and Communities - in awareness activities in the areas of ecology, drugs, theater, music and digital inclusion.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Uma casa para os moradores de rua II - O Cecon e a reintegração das perdas

Antonio Carlos Ribeiro

O Centro de Convivência Monte Alverne (Cecon) começou suas atividades em 9 de julho do ano passado. A casa já recebeu 80 pessoas para o atendimento que presta às 6ª feiras. Diferente da Prefeitura do Rio de Janeiro – que criou um choque de ordem, com uso regular de força, até letal em alguns momentos – o Cecon (R. Silvio Romero,49 – Lapa) adotou o lema: “não queremos recolher, mas acolher”, lembrou D. Celso de Oliveira.

As crianças almoçam primeiro

O esforço que parece inexpressivo à primeira vista faz grande diferença. Negar a humanidade ao fazer o que se supõe ser um bem, adotar atitudes policialescas, criar abrigos em pontos de distribuição de drogas e negar segurança a grupos cuja condição supõe fragilidades não é levado a sério – uma metáfora para denunciar a indiferença - nem pelas populações a serem beneficiadas.

Esse grupo humano reflete o ambiente e as condições em que vivem, por isso entre os atendidos há alcoólatras, dependentes químicos, psicóticos, heterossexuais, homossexuais e travestis. Muitos trazem marcas de doenças físicas e psicológicas. São grupos humanos afetivamente feridos, vulneráveis e em situação de risco.



Massagem em pés que caminham muito

O pedagogo e professor de teatro Sidney Guedes, descobriu na arte um caminho para buscar a recuperação de pessoas. Os sociólogos apontam duas situações para classificar esse comportamento. Os que são “da rua”, porque vivem na rua, conhecem os códigos, se acostumaram e rejeitam viver em outro ambiente. E os que estão “na rua”, por razões como desemprego, rompimento de laços familiares ou enquanto buscam novo caminho.

Guedes lembrou que o espaço da casa cria possibilidade de reconstituição afetiva. “Assistir ‘sessão da tarde’ me fez ver o que eu perdi quando tinha casa”, lhe confidenciou um albergado. Isso o fez lembrar que o morador de rua Kazan, tinha trabalho, família e até projeção intelectual em sua área, mas quando a mulher morreu, caiu na rua. Então constatou: “Quando comecei a falar da minha história, comecei a elaborá-la”, ressignificando o presente.

O direito ao cuidado com os cabelos

“Abrigo é pontual, não é permanente”, disse Guedes. Mas essa pontualidade é marcada por “atividade sócio-educativa, escuta técnica – psicológica – e trabalho em rede”. Para explicar o processo ele lembra o papel do teatro de Artaud e das marionetes de Craig, lembrando que, afetivamente, “tudo junto tem um eixo”.

Parte da experiência usada na atividade pedagógica, ele traz de seu trabalho de formação na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, atendendo 7.800 agentes com atividade lúdica e reflexiva. Ele dirige da peça teatral “O preço de uma escolha”, escrita, produzida e dirigida pelo Grupo de Relacionamento que atua com teatro, escolas, Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) e Comunidades, em atividades de conscientização nas áreas de ecologia, drogas, teatro, música e inclusão digital.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A home for the homeless I - Church in the Street

Antonio Carlos Ribeiro

The Coexistence Center Monte Alverne (Cecon) welcomes the homeless in downtown. The idea was proposed by D. Celso Franco de Oliveira, Anglican bishop emeritus, and assumed by the teacher and theater director Sidney Guedes. Today, it serves 40 people registered from a project that brings together religious entity, public agencies, private donors.

D. Celso on the kitchen door of the house

The bishop felt the impulse in the Anglican Church General Convention of the United States, where he met the program in the Church Street, of the Anglican Diocese of Boston. The name came from Monte Alverne, the region of Tuscany, where St. Francis of Assisi discovered his charism of service to those living in extreme poverty.

The Church Street, as Celso says, began with a Eucharistic celebration on December 25 at Avenida Presidente Vargas, behind the church of Candelaria, in the main intersection in the downtown area. The celebration continues every Saturday at 18h. At first, the altar was a large wooden crates, with a towel as a blanket, with a wooden cross that the residents made and the bread and wine brought by the bishop.

The celebration brings together all sorts of people who inhabit the streets of downtown. The bishop obtained the support of the convent St. Martin, the Carmelites, the youth groups of communities, involved people coming to bring the priest José Comblin, the Belgian theologian who advised D. Helder Camara.

Residents pray to receive lunch

This shared effort must take other steps. "Who is on the street," says the psychologist who works in the project, "has generated a cut affective disruption in any area of life." This helps to understand that beyond the pain visible to other residents of the city, there are deep emotional pain. Therefore, the House rescues the dignity of people, says "Father" as it is known.

The Cecon operates on Fridays, opening the house to the homeless, for whom the town is not as wonderful as it appears on TV. Even if the building needs work, there these people can shower, relax, eat, shave, cut their hair, read books and newspapers, watch TV and receive psychological support, foot massage - essential for those who walk around time - and cleaning products.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Uma casa para os moradores de rua I - A igreja na rua

Antonio Carlos Ribeiro

O Centro de Convivência Monte Alverne (Cecon) acolhe moradores de rua no centro da cidade. A ideia foi proposta por dom Celso Franco de Oliveira, bispo anglicano emérito, e assumida pelo pedagogo e diretor teatral Sidney Guedes. Hoje, ela atende 40 pessoas cadastradas, a partir de um projeto que reúne entidade religiosa, órgãos públicos, doadores particulares.

D. Celso na porta da cozinha da casa

O bispo sentiu o impulso numa Convenção Geral da Igreja Anglicana dos Estados Unidos, onde conheceu o programa Church in the Street (Igreja na Rua), da Diocese Anglicana de Boston. O nome surgiu de Monte Alverne, a região da Toscana, onde São Francisco de Assis descobriu seu carisma de serviço radical aos que viviam na pobreza.

A Igreja na Rua, como diz dom Celso, começou com uma celebração eucarística no dia 25 de dezembro na Avenida Presidente Vargas, atrás da igreja da Candelária, no principal entroncamento na região central da cidade. A celebração continua todos os sábados às 18h. No início, o altar era de caixotes de madeira, tendo um cobertor como toalha, com uma cruz de madeira que os próprios moradores fizeram e os pães e vinho trazidos pelo bispo.

A celebração reúne todo tipo de gente que habita as ruas do centro. O bispo conseguiu apoios do convento São Martinho, dos carmelitas, de grupos de jovens das comunidades, envolveu pessoas, chegando a trazer o padre José Comblin, o conhecido teólogo belga que assessorou dom Helder Câmara.

Os moradores rezam ao receber o almoço

Esse esforço compartilhado precisa dar outros passos. “Quem está na rua”, diz o psicólogo que atua no projeto, “tem um corte afetivo que gerou ruptura em alguma área da vida”. Isso ajuda a compreender que além das dores visíveis aos demais moradores da cidade, há dores emocionais profundas. Por isso, a Casa resgata a dignidade das pessoas, diz “o padre”, como é conhecido.

O Cecon atua às sextas-feiras, abrindo a casa aos moradores de rua, para quem a cidade não é tão maravilhosa como aparece na TV. Mesmo que o prédio necessite de obras, lá essas pessoas podem tomar banho, descansar, alimentar-se, barbear-se, cortar o cabelo, ler livros e jornais, assistir TV e receber apoio psicológico, massagem nos pés – fundamental para quem anda todo o tempo – e produtos de limpeza.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Younan’s pastoral mode of action has passion and courage

Antonio Carlos Ribeiro

During the service of investiture of Bishop Helga Haugland Byfuglien as president of Bishops Conference of Norway in Trondheim, October 2, the Bishop Dr Mounib A. Younan presented her with a cross of Jerusalem, of Evangelical Lutheran Church of Jordan and the Holy Land, as a "symbol of prayer that the cross of Christ can be your comfort and strength."

Bishop Byfluglien receive the cross of Bishop Kvarme

The participation of the Lutheran Bishop of Jerusalem and Palestine and President of the Lutheran World Federation (LWF) is a presence of witnesses, fearless and affirmative of the shepherd who knows suffering. Therefore, his stay in Norway shaken by the terrorist attacks of Friday, July 22, with explosives in government offices and shooting at students, leaving 77 dead, was significant.

His voice reminded the prayers and support of Lutheran Christians against irrational, financed and articulated hatred who arrived suddenly and overwhelmingly in the Nordic country. “We are your allies in combating - with peaceful means - any kind of incitement or hatred that some circles are trying to promote”, said the shepherd of the herd Lutheran world.


Bishop Younan to be greeted by General Secretary, Dr. Ishmael Noko, and LWF President, Bishop Mark Hanson

By living in a region marked by "phobias" between religious groups, by preach peace and an end to violence and by do this in the training of children, Younan praised the attitude of Norway, to counter violence by asking comprehension, present in the actions of royal family, the Church and citizens, which illuminated the tragic night, lighting candles in memory of the victims.

He recalled that the global Lutheran communion, which he represented there, not missing in the expression of solidarity with the families of the victims, the leaders of the Church and the authorities. This unity in communion is fundamental to support the testimony of non-violence, especially in front of his most hard face.

He said that his cooperation with the Church of Norway on these values is because the Church of Norway has carried these values to the world. The Norwegian people's suffering led to a "culture of mutual understanding" with which the Lutheran communion must be committed, he announced.

Bishop Younan led to the Church of Norway and her Pastor the testimony that solidarity, culture of understanding and communion are able to sustain in the face of violence - quick, ruthless and cruel - and their innocent victims.
And he called Bishop Byfuglien to “remember us in the Middle East with your prayer that justice will soon prevail".

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Atuação pastoral de Younan tem paixão e coragem

Antonio Carlos Ribeiro

Durante o culto de investidura da Bispa Helga Haugland Byfuglien como presidente da Conferência de Bispos da Noruega, no dia 2, em Trondheim, o bispo Dr Mounib A. Younan a presenteou com uma cruz de Jerusalém, da Igreja Evangélica Luterana da Jordânia e Terra Santa, como "símbolo de oração de que a cruz de Cristo pode ser o seu conforto e força".

Bispa Byfluglien ao receber a cruz do Bispo Kvarme

A presença do bispo luterano de Jerusalém e Palestina e Presidente da Federação Luterana Mundial (FLM) é uma presença testemunhal, destemida e afirmativa do pastor que conhece o sofrimento. Por isso, sua estada na Noruega abalada pelos atos terroristas da 6ª feira, 22 de julho, com os explosivos em escritórios governamentais e disparos contra estudantes, deixando 77 mortos, foi significativa.

Sua voz lembrou as orações e os apoios de cristãos luteranos contra o ódio irracional urdido, financiado e articulado que chegou de forma repentina e avassaladora ao país nórdico. "Nós somos seus aliados no combate - com meios pacíficos – sem nenhum tipo de incitamento ou qualquer ódio que alguns círculos estão tentando promover", disse o pastor do rebanho luterano mundial.

Bispo Younan ao ser cumprimentado pelo Secretário Dr. Ishmael Noko e o Bispo Mark Hanson, Presidente da FLM

Por viver numa região marcada pelas “fobias” entre grupos religiosos, por pregar a paz e o fim da violência e por fazer isso na formação das crianças, o bispo Younan louvou a atitude da Noruega, de contrapor a violência pedindo compreensão, presentes nos gestos da família real, da Igreja e dos cidadãos, que iluminaram a trágica noite, acendendo velas em memória das vítimas.

Lembrou que a comunhão luterana mundial, por ele ali representada, não faltou na expressão da solidariedade às famílias das vítimas, às lideranças da Igreja e às autoridades. Essa unidade na comunhão é fundamental para sustentar o testemunho da não-violência, especialmente diante de sua expressão mais dura.

Lembrou que assumir esses valores diante da Igreja da Noruega era um dever, já que a Igreja norueguesa assumiu sempre esses valores diante do mundo. O sofrimento do povo norueguês provocou uma “cultura de compreensão mútua” com a qual a comunhão luterana deve estar comprometida, anunciou.

O Bispo Younan levou à Igreja da Noruega e sua Pastora o testemunho de que a solidariedade, a cultura de compreensão e a comunhão são capazes de sustentar diante da violência – rápida, impiedosa e cruel – e suas vítimas inocentes.

E chamou a Bispa Byfuglien a se lembrar da Igreja Luterana de Jerusalém e Palestina, pedindo as orações de seu rebanho “para que a justiça prevaleça em breve”.

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